Depois de entrar no mapa do turismo mundial, agora é a hora de entrar no mapa do esporte. É assim que enxergam as autoridades portuguesas, de olho no ciclo olímpico de Tóquio-2020.

De alguns anos para cá, Portugal ganhou tamanho status de destino turístico que virou até mesmo um dos mercados imobiliários mais pujantes da Europa. O Porto e Lisboa, antes uma capital escondida entre tantas outras de mais nome na Europa, viraram cidades que escalam rankings e ganham prêmios de “melhores destinos”.

No esporte, Portugal quer ser mais do que Cristiano Ronaldo. Mas não com uma política de ganhar medalhas e escalar o ranking olímpico, uma cobiça mais típica de dirigentes do COB. E sim com uma política de fortalecimento de centros esportivos, que servem tanto para equipes e atletas profissionais como para as comunidades locais.

O surfe, que virou febre, com supertubos e ondas gigantes “descobertos” recentemente, é o destaque na lista de centros de alto rendimento construídos ou reformulados em Portugal nesta década, com financiamento da União Europeia. São 14 centros distribuídos por todo o país, sendo 4 deles dedicados aos praticantes dos esportes de praia -mas não só.

A reportagem foi convidada para conhecer os CARs (centros de alto rendimento) portugueses -foram aproximadamente 1150 km de viagens em apenas três dias, passando por 11 dos 14 centros (para conhecer os centros com detalhes, vídeos, localização, etc, o site oficial é o http://360.highsportugal.pt/).

As autoridades portuguesas decidiram que, com a consolidação dos centros (finalizados em 2011), era a hora de divulgá-los. Passaram boa parte do ano de 2018 não apenas recebendo jornalistas dos quatro cantos do mundo, mas também, e principalmente, dirigentes de federações de diversos esportes e variados países, para mostrar as condições de trabalho e convencê-los a usar as instalações lusas antes de grandes competições, europeias ou mundiais. Do Brasil, estiveram presentes representantes da Prefeitura de São Paulo, do Esporte Clube Pinheiros, da Confederação Brasileira de Surfe e da Marinha.

O dinheiro que a União Europeia direciona a seus membros não pode ser usado de qualquer maneira. São apontados déficits a serem atacados. Na década passada, um dos eixos para Portugal era combater a desigualdade territorial -foram construídos portos, aeroportos, e a Fundação do Desporto apostou em centros esportivos espalhados pelo país.

Neste momento, Portugal precisa avançar em capital humano, eficiência, competitividade e modernização administrativa. Novamente, os centros esportivos encaixam no perfil.

O projeto de internacionalização dos centros custou 1,2 milhão de euros em 2018 e teve visitas de mais de 60 dirigentes de 10 países. Portugal quer “bombar” seus centros de alto rendimento na segunda metade do atual ciclo olímpico.

Ainda que o surfe seja novidade em Tóquio-2020, a modalidade é um mundo à parte. Os quatro CARs dedicados ao surfe, em Peniche, Nazaré, Aveiro e Viana do Castelo, acabam recebendo em suas instalações profissionais, praticantes e até mesmo equipes de futebol de praia, como a reportagem testemunhou.

Mas é em outros centros que estão as modalidades olímpicas mais tradicionais e a esperança de receber delegações inteiras para fazerem longos períodos de treinamento.

Em Maia e Vila Nova de Gaia, na região metropolitana do Porto, estão dois dos maiores CARs, com estruturas ultramodernas para prática de atletismo, tênis, ginástica, tênis de mesa e taekwondo. No Jamor e Rio Maior, ambos próximos a Lisboa, estão estruturas para atletismo, natação, tênis, rúgbi, golfe, tiro, futebol e handebol.

Foram gastos aproximadamente 150 milhões de euros para construção e reformulação dos centros. O modelo passa por financiamento da União Europeia, mas pelo menos 20% do investimento é feito pelos municípios, que acabam sendo os gestores dos centros. A gestão é geralmente compartilhada com federações dos esportes, o ministério dos esportes, alguma instituição universitária parceira e alguma unidade de saúde local.

“Portugal oferece tão boa ou melhor qualidade que qualquer outro país da Europa, com preços muito mais baixos. Isso é uma vantagem. O país tem feito um grande investimentos nos últimos 20 anos na ciência do esporte, e as infraestruturas daqui são especializadas e muito recentes. Ou seja, eu vou na ginástica e sei que aquele material já foi utilizado nas Olimpíadas do Rio e vai ser utilizado em Tóquio. Tem também o investimento tecnológico, esses centros têm essa tecnologia de ponta”, explica Paulo Marcolino, diretor executivo da Fundação do Desporto de Portugal.

É impossível entrar no velódromo da pequena Anadia, de apenas 30 mil habitantes, no caminho entre Aveiro e Coimbra, e não lembrar das seguidas histórias de descaso, desperdício e destruição dos velódromos do Rio de Janeiro, por exemplo.

O CAR de Anadia tem não só um velódromo de primeira, mas, no miolo dele, os equipamentos de ginástica artística. Arquibancadas móveis podem ser usadas caso seja realizada alguma competição de ginástica, em vez de ciclismo de velocidade. A mesma estrutura ainda pode receber equipes para treinamento de judô e esgrima, e a cidade, que tem convênio com a tradicionalíssima Universidade de Coimbra, constrói uma pista olímpica de BMX. O velódromo já “produziu” 13 medalhas olímpicas no ciclismo.

Em Anadia, assim como em praticamente todos os centros, as acomodações são honestas e austeras (sem luxo). Os atletas e/ou membros de delegações tem à disposição quartos privados, bem cuidados, Internet, nada muito diferente de um hotel.

A exceção, em vários sentidos, é o CAR de Pocinhos, o mais “fora de caminho”, no nordeste de Portugal. Uma obra arquitetônica incrível (e premiada), às margens do Rio Douro, lado a lado com dezenas de vinícolas onde são produzidos os famosos vinhos do Porto. Uma barragem (das várias no percurso do rio) permite que o Douro fique parecendo um espelho d’água. Condições ideais para a prática do Remo, com 28 km de plano natural, em um vale quase sem vento.

As equipes de remo da Suíça, Noruega e Estônia são clientes, e foi dos europeus do norte o pedido para não haver nem TV nem Internet wi-fi nos quartos, para não atrapalhar a concentração dos atletas.

Já o outro CAR específico para esportes náuticos, o de Montemor-o-Velho, tem uma raia construída e não serve para efeitos de acomodação. O Mundial de canoagem foi disputado lá neste ano, e Isaquias Queiroz conquistou mais três medalhas para sua coleção.

Talvez um bom sinal. Além de Isaquias, já passaram pelos centros portugueses atletas brasileiros vitoriosos, como Medina, Mineirinho ou César Cielo.

“Temos grande proximidade cultural com o Brasil, a história, o passado, a língua. Mas também um conjunto de fatores interessantes, como o clima, a localização privilegiada, a segurança, que é fundamental. As pessoas podem treinar aqui e caminhar na rua qualquer hora do dia e da noite, sem correrem risco de serem assaltadas”, conclui Marcolino.

Com informações da Folhapress.