Uma carreira de quase 24 anos, quatro Jogos Olímpicos, título do Campeonato Mundial invicto, na Sérvia, em 2013, e muitas histórias para contar. A ex-jogadora de handebol Dara Diniz viveu experiências indescritíveis na vida de atleta. Uma delas, sem dúvidas, foi ter erguido a taça do Mundial, sendo a capitã da segunda seleção não europeia do mundo a levar o troféu.

Apesar da carreira vitoriosa, Dara não conseguiu realizar o sonho de conquistar uma medalha dos Jogos Olímpicos, mas se tornou mãe. Hoje, além dessa nova ‘atividade’ que a consome em tempo integral, ela também é dona de uma pousada em Porto de Pedras, no Litoral Norte de Alagoas.

Apresentada ao paraíso alagoano pelo marido, ela tem um pedacinho do Estado no coração, mas pode ser que se afaste daqui em breve. Isso porque ela planeja voltar às quadras, assim que for possível, no período pós-pandemia da Covid-19.

Após encerrar a carreira, a ex-pivô teve duas novas missões: empreender e gestar Noah, ainda em 2017
FOTO: Reprodução/Instagram
Além disso tudo, Dara contou à Gazetaweb como se preparava para grandes eventos esportivos, falou sobre o trabalho do ex-treinador da seleção, Morten Soubak, do desejo de ser mãe e também sobre a aposentadoria.

Confira a entrevista completa aqui:

Como aconteciam as preparações para grandes eventos esportivos?

Todas as preparações eram feitas em ciclos. Ciclos olímpicos, mundiais, pan-americanos. Existe uma comissão técnica multidisciplinar que cuida das partes física, técnica, médica, psicológica. Sempre foi uma preparação muito intensa. Obviamente, a organização e a estrutura foram crescendo muito ao decorrer dos anos. As preparações para Londres e para o Rio [Jogos Olímpicos] foram intensas e houve muito investimento. Era um conjunto de coisas, a gente se preparava para realmente chegar no nosso melhor momento, juntando a rotina de preparação com a do clube.

Do que você mais sente falta no tempo em que jogava?

O que eu mais sinto falta do meu tempo de jogadora é a convivência com as minhas amigas, companheiras de equipe e seleção. É muita coisa em jogo e a gente acaba criando uma amizade e um vínculo muito forte. Sinto falta das resenhas do ônibus, hotel, viagens, companheirismos e dos treinos, num ambiente muito gostoso.

Você jogou as Olimpíadas do Rio sabendo que ia se aposentar. Ajudou ou atrapalhou saber quando ia parar?

Eu levei sete anos para finalizar a minha carreira. Num primeiro momento, eu finalizaria minha carreira depois das Olimpíadas de Londres. Pensei nisso em 2008, para jogar mais um ciclo olímpico e depois continuar mais um tempo num clube. Porém, em 2009 saiu a candidatura do Rio e eu me via ainda em idade e condições de conseguir em um bom estado, fazendo uma boa preparação para chegar nas Olimpíadas do Rio. Desde 2009, eu estava fazendo um trabalho de transição de carreira, principalmente em nível mental. Nem me ajudou, nem me atrapalhou. Nesse período, fui campeã do mundo, pan-americana. É um momento que chega para o atleta e quanto mais o atleta se prepara para esse fim, melhor ele encara. Vivi intensamente os últimos anos desde que decidi parar. Era sempre como se fosse o último jogo, o último treino, porque, em nível mental, eu sabia que realmente ia chegar o dia de ser o último dia. Obviamente a frustração foi muito grande, porque em 2016 tínhamos grandes chances de ganhar uma medalha.

Atletas profissionais abrem mão da vida pessoal para atingir o alto nível. Você pensou nisso quando decidiu pela aposentadoria?

Literalmente, um atleta profissional, principalmente, quando chega num determinado nível, abre mão de uma vida fora do que é ser atleta. Ele vive, respira, dorme, come, para aquilo que ele faz. Eu não pensei nessas questões para parar. Achei que era o momento, a questão da maternidade pesou. Eu parei com 35 anos, queria muito ser mãe, mas, ao mesmo tempo, eu abdiquei disso durante todos esses anos porque queria ser atleta, conquistar título e estar no esporte. Quando me propus a parar no Rio, foi justamente pela maternidade. Se não fosse isso, talvez eu continuasse jogando. Já tinha na minha cabeça que, após a maternidade, não jogaria num nível altíssimo, mas não descartaria jogar num clube quando meu filho tivesse uma determinada idade, como está agora, com três anos. Mas a vida de atleta é isso: abdicar de muita coisa. Não que não tenha vida, mas é diferenciada, porque não deixa de ser regrada e sempre pensando no treino de amanhã.

Atletas que praticam esportes em alto nível geralmente sofrem com lesões. Você teve problemas físicos?

Graças a Deus, e repito isso mil vezes (risos), no decorrer de quase 24 anos praticando handebol, sendo 19 em alto nível, eu posso dizer que não tive problemas físicos graves. Eu quebrei a mão direita e tive uma trombose, em 2015, que me afastou das quadras durante um tempo. Comparando a todas as lesões que atletas de alto nível têm e correm o risco de ter, eu sou muito abençoada. Obviamente sempre me cuidei, mas num esporte de contato e em alto nível, que exige muito em todos os aspectos, eu me considero uma vitoriosa. No pós carreira, não tive muitos problemas. No pós-parto, tive uma diástase, que me limitou, mas consegui corrigir para que não me prejudicasse na volta às atividades físicas. Hoje em dia faço crossfit e tenho intenção de voltar a bater uma bolinha aqui no Brasil. Ainda não sei quando, porque a Covid não foi muito minha amiga e de ninguém (risos). Estou me preparando em casa, para quando o esporte voltar à ativa, poder me vincular a uma equipe. Queria muito que meu filho me visse jogar, ia ser muito legal. Me vejo ainda em condições de ajudar uma equipe e aportar um pouco da minha experiência em quadra e fora dela também.

Dara foi comandada pelo técnico dinamarquês na seleção
FOTO: Rodrigo Alves/GLOBOESPORTE.COM

O Morten Soubak sempre trabalhou de um jeito diferente com vocês. Como era trabalhar com ele?

O Morten é um cara diferenciado em todos os aspectos. E ele tinha essas tiradas aí da cartola de uma maneira literalmente mágica. Era uma maneira que ele encontrava de nos motivar e nesse Mundial ele teve várias. Ele sempre surpreendia a gente. Para nós, devido ao que aconteceu, jogou, ganhou, de forma invicta, eu posso dizer que foi muito positivo. Ele foi um técnico que somou muito para a seleção e para o handebol brasileiro e teve muito mérito em tudo que o handebol conquistou. Todo o êxito, ele e os outros técnicos que vieram antes, tiveram um papel fundamental.

Após a saída de Morten, Jorge Dueñas, outro técnico estrangeiro assumiu o comando técnico da seleção. Por que você acha que optaram por outro nome internacional?

É complicada essa situação. Acho que se busca e se valoriza o treinador estrangeiro é por conta da experiência europeia. O celeiro do handebol mundial está na Europa. Automaticamente esses técnicos têm uma outra vivência que nós, aqui na América, não temos. Aqui no Brasil, acho que temos excelentes técnicos. Vou citar dois que admiro: o Alexandre Schneider, do Concórdia, e o Alex Aprile, do Pinheiros. Acho eles espetaculares e poderiam treinar a seleção. Em nível burocrático, político e confederação, não sei dizer o motivo. Acredito que seja realmente a questão dessa experiência internacional que o técnico possa aportar aqui no Brasil.

Como é feito o planejamento de um atleta para a vida pós-aposentadoria do esporte?

De cara a questão salarial influencia muito. No futebol, quando você é muito bom consegue montantes estratosféricos de dinheiro que podem te dar uma estabilidade no pós-carreira em alguns casos, porque sabemos que existem casos que não acontecem desta forma. Já em outros esportes é preciso se preparar, pois não se ganha muito dinheiro, na verdade se ganha uma média x para realmente viver bem quando você joga, porém, um dia acaba e precisa se ter esse “gancho” para se apegar no pós. E devido a isso, atletas de esportes têm essa preocupação de fazer cursos, guardar algo, fazer o famoso “pé de meia” para se manter depois.

Aceitaria ocupar um cargo político relacionado ao esporte brasileiro?

Para ocupar um cargo a pessoa tem que estar muito bem preparada, tem que saber muito o que ela vai estar à frente, os propósitos, não é qualquer um que pode se envolver com esse tipo de coisa, pois muitas coisas passam por sua mão e você adquire um poder que se não souber utilizá-lo pode estragar e acabar com tudo. Então, seria muito importante que mais atletas ocupassem cargos administrativos políticos para ajudar ao esporte de modo geral. Às vezes não há muito interesse para isso porque a “bolha” que a gente vive no esporte é um local onde a gente combate muita injustiça, muita desigualdade, alguns princípios que no cargo político você não consegue colocar em prática, então, acaba fugindo daquilo que você prega, acho que isso afasta um pouco as pessoas. Mas por outro lado, a gente precisa aparecer ter pessoas lá para começar a mudar essa visão e fazer com que o esporte que tem essa coisa de inclusão e de ajuda possa fazer parte da nossa política de governo e em todos os aspectos. Eu aceitaria se eu tivesse um preparo, um conhecimento muito grande, coisa que eu não tenho, sou muito “povão”, sou muito da galera, e em nível politico eu não tenho essa capacidade por mais que me dessem agora não tenho essa capacidade intelectual para poder entrar, enfrentar os problemas e trazer soluções.

Pousada e Restaurante Ninanoa pertence a ex-jogadora e o marido David Garica e é localizada em Porto de Pedras, no litoral norte de Alagoas

Por que a escolha pelo ramo de hotelaria após sua vitoriosa carreira no handebol?

O ramo de hotelaria e restaurante entrou na minha vida pelo meu marido. Quando nos conhecemos, ele já tinha a ideia de fazer uma coisa nesse aspecto. E a escolha por Alagoas também surgiu dele, ele se encantou, se apaixonou por esse litoral. Eu particularmente não conhecia o Litoral Norte de Alagoas, conheci apenas o Sul, mas conheci há 20 anos. E o Norte conheci por meio do meu marido [David Garcia], que já tinha o terreno em Porto de Pedras e me apaixonei. E, sem medo de falar, ele é um dos litorais, uma das costas mais bonitas do País, e digo isso sem receio do que a galera do sul, de Floripa, de Noronha, vai dizer. É um litoral belíssimo, os planos das marés, as cores e as barreiras de corais são impressionantes!

Então, a hotelaria surgiu por conta do cenário que existe no Litoral Norte, estamos no Roteiros de Charme, e, pesquisando o mercado e vendo a demanda, achamos que podia dar certo e deu. Em nenhum momento achamos que poderia dar errado, por conta de tudo que esse litoral tem para oferecer para o turismo, é belíssimo! Então, foi por esse motivo a escolha da hotelaria. Procuramos ver o que estava precisando e o que a região pede, o que não tem, então, estudando junto à ideia do restaurante, já que na região existem pousadas, mas não tem restaurante aberto ao público, resolvemos investir. Como meu marido é espanhol unimos a gastronomia local à gastronomia espanhola e foi sucesso de cara. Em um ano já tínhamos uma nota altíssima no Trip Advisor e agora com três anos, antes do início da pandemia, éramos o restaurante número um da região. Então por isso foi êxito total. Tudo combinou, trouxemos uma comida de qualidade e Alagoas abraçou isso de uma maneira que foi o casamento perfeito.

Por Jean Nascimento e Debora Rodrigues \ GAZETAWEB.COM

FOTO: William Lucas/inovafoto