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Mensagens atribuídas ao ex-juiz Sergio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol, do MPF (Ministério Público Federal), que foram divulgadas neste domingo (9) pelo site Intercept Brasil mostram que os dois trocavam colaborações quando integravam a força-tarefa da Operação Lava Jato.

Moro, que hoje é ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro (PSL), foi o juiz responsável pela operação em Curitiba (PR). Ele deixou a operação ao aceitar o convite para o cargo, em novembro.

O site informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018.

Após a publicação das reportagens, a equipe de procuradores da operação divulgou nota chamando a revelação de mensagens de “ataque criminoso à Lava Jato” e disse que o caso põe em risco a segurança de seus integrantes.

Na troca de mensagens, membros da força-tarefa fazem referências a casos como o processo que culminou com a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do tríplex de Guarujá.

Preso em decorrência da sentença de Moro, o petista foi impedido de concorrer à Presidência na eleição do ano passado.

A sentença de Moro foi confirmada em segunda instância pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região). A condenação já foi chancelada também pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça), que reduziu a pena para oito anos, 10 meses e 20 dias de prisão.

Segundo a reportagem, Moro sugeriu ao MPF trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobrou a realização de novas operações, deu conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão judicial. Especialistas em direito dizem que não haveria, a princípio, nenhuma ilegalidade, mas pode ter havido desvio ético.

“Olá Diante dos últimos . desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a ordem da duas planejada (sic)”, escreveu Moro a Dallagnol em fevereiro 2016, referindo-se a fases da investigação. As mensagens foram reproduzidas da forma como o site as publicou, sem correções ou revisão gramatical.

Dallagnol disse que haveria problemas logísticos para acatar a sugestão. No dia seguinte, foi deflagrada a 23ª fase da Lava Jato, a Operação Acarajé.

Em agosto do mesmo ano, depois de decorrido o período de quase um mês sem novas operações da força-tarefa, o ex-magistrado perguntou: “Não é muito tempo sem operação?”. A decisão, em tese, caberia aos investigadores, e não ao juiz do caso.

“É sim”, respondeu Dallagnol, de acordo com o Intercept. A operação seguinte ocorreu três semanas depois do diálogo com o magistrado.

O material que veio a público traz também reações à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de soltar em 2015 Alexandrino Alencar, ex-executivo da Odebrecht que se tornou delator. Os diálogos mostram os membros do MPF e do Judiciário debatendo passos que poderiam levar o delator de volta para a prisão.

“Caro, STF soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. […] Seria possível apreciar hoje?”, escreveu Dallagnol.

“Não creio que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia”, respondeu Moro. Nove minutos depois, o então juiz acrescentou: “Teriam que ser fatos graves”.

Depois de ouvir a sugestão, Dallagnol repassou a mensagem do juiz para o grupo de colegas de força-tarefa. “Falei com russo”, explicou, usando o apelido que o ex-juiz tinha entre os procuradores.

Em outro episódio, Moro indicou ao procurador do MPF qual seria a tendência de uma decisão sua no processo de Lula. Em 2017, o ex-juiz cobrou os procuradores sobre uma tentativa de adiar o primeiro depoimento do petista com réu em Curitiba.

“Que história é essa que vcs querem adiar? Vcs devem estar brincando”, escreveu Moro a Dallagnol. “Não tem nulidade nenhuma, é só um monte de bobagem”, continuou, questionando contestações que existiam à realização do interrogatório.

Dias depois, após trocas de esclarecimentos, o procurador buscou tranquilizar o magistrado: “De nossa parte, foi um pedido mais por estratégia”. Moro então falou a Dallagnol sobre como procederia diante de pedido da defesa de Lula para adiar o depoimento: “Blz, tranquilo, ainda estou preparando a decisão mas a tendência é indeferir mesmo”.

Um outro episódio da Lava Jato abordado na troca de mensagens é o pedido de entrevista com o ex-presidente na prisão barrado na Justiça no ano passado. Segundo conversas reproduzidas pela reportagem, procuradores do MPF envolvidos na Lava Jato reagiram com indignação à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de autorizar o jornal Folha de S.Paulo a entrevistar Lula pouco antes do primeiro turno.

Derrubada no mesmo dia, a permissão só voltaria a ser concedida pela corte neste ano -o jornal entrevistou o petista em Curitiba em abril.

No dia da decisão favorável, em 2018, procuradora Laura Tessler escreveu no grupo de membros do MPF: “Que piada!!! Revoltante!!! Lá vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de Mônica Bergamo [colunista da Folha de S.Paulo], pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas… e a gente aqui fica só fazendo papel de palhaço com um Supremo desse…”

“Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”, respondeu a procuradora Isabel Groba.

Tessler, na sequência, afirmou: “Sei lá…mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad”, referindo-se ao candidato que substituiu Lula na campanha do PT, Fernando Haddad.

Outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, sugeriu que a Polícia Federal adotasse uma manobra para adiar a entrevista para depois da eleição, sem que tivesse de descumprir a decisão da Justiça.

“N tem data. So a pf agendar pra dps das eleicoes. Estara cumprindo a decisao. E se forcarem antes, desnuda ainda mais o carater eleitoreiro”, afirmou Costa.

Em outra mensagem, de março de 2016, Dallagnol cumprimentou Moro pelo fato de o então juiz ter sido destaque em manifestações de rua pelo país que pediam a saída de Dilma.

“E parabéns pelo imenso apoio público hoje. […] Seus sinais conduzirão multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas político e de justiça criminal. […]”, escreveu o procurador ao juiz.

O magistrado afirmou que havia feito uma manifestação oficial sobre o tema. “Parabens a todos nós”, acrescentou.

Na sequência, Moro emitiu opinião sobre o momento político do país: “Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar tantos e tao poderosos”.

As conversas tornadas públicas sugerem ainda dúvidas de membros do MPF quanto à denúncia contra Lula no caso do tríplex de Guarujá, sentença que acabou levando o petista à prisão.

Quatro dias antes da apresentação da denúncia da Procuradoria, Dallagnol afirmou em um grupo que tinha receio sobre pontos da peça jurídica, como, por exemplo, a relação entre os desvios na Petrobras e a acusação de enriquecimento.

“Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”, escreveu o procurador.

Cerca de 24 horas depois, Dallagnol se expressou com entusiasmo ao tomar conhecimento de uma reportagem do jornal O Globo que poderia sustentar a acusação. Ele escreveu, às 22h45 de um sábado: “tesao demais essa matéria do O GLOBO de 2010. Vou dar um beijo em quem de Vcs achou isso”.

Na véspera da denúncia contra Lula, o representante do MPF afirmou em um grupo: “A opinião pública é decisiva e é um caso construído com prova indireta e palavra de colaboradores contra um ícone que passou incolume pelo mensalão”.

Dias depois, ele comentou em mensagem direta a Moro: “A denúncia é baseada em muita prova indireta de autoria, mas não caberia dizer isso na denúncia e na comunicação evitamos esse ponto”.

Em outro dia, enquanto procuradores eram atacados por causa de pontos considerados frágeis na denúncia, o ex-juiz e hoje ministro enviou palavras de apoio a Dallagnol: “Definitivamente, as críticas à exposição de vcs são desproporcionais. Siga firme”.

O material divulgado pelo Intercept permite também se ter uma ideia sobre o planejamento do célebre PowerPoint contra Lula que o procurador do MPF exibiu ao comentar a denúncia.

“Acho que o slide do apto tem que ser didático tb. Imagino o mesmo do lula, balões ao redor do balão central, ou seja, evidências ao redor da hipótese de que ele era o dono”, escreveu Dallagnol em grupo de colegas, dias antes de apresentar a tela com o esquema.

SIGILO

O jornalista Glenn Greenwald, fundador e editor do Intercept Brasil, disse à reportagem que o site respeitará o direito ao sigilo da fonte que repassou as conversas e que, por isso, não pode detalhar a origem do material.

Ele afirmou, no entanto, ter “absoluto nível de confiança” na veracidade do conteúdo. “É um material tão vasto que seria impossível alguém falsificar.” Greenwald afirmou que não teria como mensurar a extensão dos arquivos, mas relatou que o conjunto inclui mensagens de texto, áudios e vídeos.

“É um vazamento muito maior do que o do caso Snowden”, relatou ele, que foi responsável por revelar em 2013 as mensagens até então sigilosas do governo americano. “Nunca vi algo tão extenso.”

O site informou que tomou providências para proteger a íntegra do material, com cópias no Brasil e no exterior. Segundo o jornalista, o objetivo é evitar que qualquer autoridade brasileira tente impedir sua divulgação.

Greenwald disse ainda que a obtenção do material não tem nenhuma relação com a invasão, na terça-feira (4), ao celular de Moro. O próprio ministro afirmou que nenhuma informação foi roubada do aparelho.

“O arquivo que possuímos não tem nada a ver com esse episódio do hacker. Recebemos tudo semanas atrás. A fonte nos procurou há cerca de um mês”, disse o editor.

OUTRO LADO

A força-tarefa da Lava Jato afirmou em nota que os procuradores “foram vítimas de ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes”.

“A violação criminosa das comunicações de autoridades constituídas é uma grave e ilícita afronta ao Estado e se coaduna com o objetivo de obstar a continuidade da Operação, expondo a vida dos seus membros e famílias a riscos pessoais”, diz o texto.

A Procuradoria afirma ainda que não sabe a extensão da invasão e que não houve pedido de esclarecimento antes da publicação das reportagens. Sobre o teor dos diálogos, diz que as informações foram tiradas de contexto, o que pode gerar uma interpretação equivocada.

“Vários dos integrantes da força-tarefa de procuradores são amigos próximos e, nesse ambiente, são comuns desabafos e brincadeiras. Muitas conversas, sem o devido contexto, podem dar margem para interpretações equivocadas. A força-tarefa lamenta profundamente pelo desconforto daqueles que eventualmente tenham se sentido atingidos.”

A reportagem procurou o ministro Sergio Moro, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

A defesa de Lula afirmou em nota que a reportagem do Intercept revela detalhes de uma trama, já denunciada pelos advogados, que envolve “uma atuação combinada entre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro, com o objetivo preestabelecido e com clara motivação política, de processar, condenar e retirar a liberdade do ex-presidente”.

“A atuação ajustada dos procuradores e do ex-juiz da causa, com objetivos políticos, sujeitou Lula e sua família às mais diversas arbitrariedades. A esse cenário devem ser somadas diversas outras grosseiras ilegalidades”, diz o comunicado.

Reportagem da Folha de S.Paulo na última quinta-feira (6) mostrou que a defesa de Lula argumentará no STF que a Lava Jato produziu relatórios sobre 14 horas de conversas gravadas entre advogados do ex-presidente, o que contraria a legislação.

(FOLHAPRESS)