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Partido com apelo ao discurso anticorrupção e pró-reformas, o Podemos tem cada vez mais se afastado da gestão Jair Bolsonaro.

A expulsão do deputado Marco Feliciano (SP), aliado do presidente, e recentes ataques da família Bolsonaro nas redes sociais abalaram a relação do governo com a legenda, que, por outro lado, mantém apoio incondicional ao trabalho do ministro da Justiça, Sergio Moro.

Apesar de se definir como independente, o Podemos chegou a ter dois vice-líderes do governo: Feliciano, na Câmara, e Elmano Férrer (PI), no Senado, esse último mantido no posto.

Na Câmara, foi mais fiel que o próprio PSL, partido pelo qual Bolsonaro foi eleito e que o presidente deixou em novembro: votou favoravelmente em 92% dos projetos enviados pelo governo, segundo levantamento do Congresso em Foco.

Representantes do Podemos, porém, não escondem o recente distanciamento gerado por pautas divergentes, principalmente no combate à corrupção, além de atritos com Bolsonaro.

No início de dezembro, o partido decidiu pela expulsão de Feliciano sob a acusação de infidelidade partidária e infração ética e moral.

A legenda entendeu que ele violou regras por ter feito campanha para Bolsonaro nas eleições de 2018, ignorando o candidato da sigla, o senador Alvaro Dias (PR). Em resposta, o deputado afirmou que o motivo da expulsão era, para ele, razão de orgulho.

Contra atos do governo, o Podemos também ingressou recentemente com quatro ações no Supremo Tribunal Federal. Uma delas pretende derrubar a figura do juiz das garantias, mantida por Bolsonaro no pacote anticrime, apesar de recomendação contrária de Moro. O partido considerou uma traição do presidente a ausência de veto ao ponto do projeto.

Outra ação encabeçada pela sigla no Supremo, contra a taxa para o cheque especial, foi motivo de ataque de Bolsonaro no Twitter. O presidente escreveu que cancelar a medida pela via judicial, como pretende o partido, seria prejudicial aos endividados. “A quem interessa a ação do Podemos? Aos pobres ou aos banqueiros?”

A crítica, para Alvaro Dias, principal líder da legenda, foi “descabida”. “Como descabida é a taxa, que vai servir somente aos banqueiros”, disse o senador.

O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, também já investiu contra a legenda: “É impressão minha ou esse tal de Podemos já faz bastante tempo quer tomar o lugar de um partido vermelho? A metamorfose não para um segundo! Façamos sempre as leituras!”, escreveu no Twitter em setembro passado.

Alvaro Dias afirma que o partido mantém a mesma posição de independência, mas admite que a régua com o governo aumentou de distância. O motivo, segundo ele, é o afastamento de Bolsonaro de compromissos assumidos durante a campanha eleitoral.

“O presidente se afastou do combate à corrupção e não só eu digo isso”, afirma, citando uma das pautas mais caras ao partido. O senador acredita, por exemplo, que o ex-presidente Michel Temer (MDB), citado na Lava Jato, deu mais apoio à operação do que o atual governo.

A defesa do partido sobre a investigação vem desde a corrida presidencial. Na ocasião, Alvaro Dias prometeu convidar Moro, então juiz responsável pela Lava Jato em Curitiba, para ocupar a pasta da Justiça. Ambos são do mesmo estado, o Paraná. Como terminou o primeiro turno no amargo nono lugar, a ideia do senador acabou encampada por Bolsonaro depois da eleição.

O parlamentar cita como outros retrocessos avalizados pelo presidente a migração do Coaf do Ministério da Justiça para o Banco Central, o “sucateamento” da Receita Federal e o enfraquecimento de instituições de controle, como a Polícia Federal.

Neste cenário, Dias avalia que o ministro Moro tem feito o possível. “Ele tem que fazer verdadeiros malabarismos para continuar cumprindo uma missão importante. Foi desautorizado em algumas oportunidades, é visível que há divergências”, aponta. O senador acredita que o ministro tem feito concessões para preservar “credibilidade e popularidade”.

“O objetivo dele e nosso é que ele continue lá [no governo] lutando”, afirma a presidente do Podemos, deputada federal Renata Abreu (SP), sobre Moro. Porém ela diz que o governo não assumiu o papel decisivo para não “desvirtuar” o pacote anticrime defendido pelo ministro.

Abreu e Dias não escondem a disposição do partido em relação a Moro, apesar de não abraçar formalmente uma eventual candidatura presidencial dele em 2022.

“Nunca o convidamos [para se filiar ao Podemos], seria deselegante da nossa parte e iria tumultuar o governo. Seria uma honra ter a filiação dele, mas, se ele quiser, ele próprio saberá como fazer”, diz o senador.

Apesar das críticas a Bolsonaro, Abreu não confirma se o partido vai mudar de postura no Congresso. Modificações poderiam comprometer o desempenho governista, principalmente no Senado, onde o Podemos ocupa a segunda maior bancada, com 11 cadeiras. A sigla também tem buscado outros nomes, como o do senador Flavio Arns (Rede-PR).

“O Podemos não é um partido de direita ou de esquerda, nos definimos como um partido de causa. […] O posicionamento continua sendo de independência. Se as pautas do governo forem no mesmo sentido que o nosso pensamento, vamos votar com o governo”, diz.

Dias também entende que a atitude do partido não deve mudar, principalmente em relação às pautas reformistas, mas considera este outro ponto em que o governo patina até então.

O futuro da legenda preocupa os partidários mais próximos a Bolsonaro, como o senador Elmano Férrer, que continua como vice-líder governista. “Temos alguns pensamentos diferentes, mas tenho minha fidelidade ao governo desde o segundo turno da eleição”, diz.

O parlamentar evita falar em racha e resume a convivência como pacífica entre as várias posições dentro do Podemos. Mesmo assim, afirma que, após o recesso, pretende conversar com os companheiros de partido para ajudar a resolver os conflitos.

“Vamos superar essas questões, mas tudo vai depender do desempenho do governo. Apesar dos percalços, acreditamos que o governo está indo no caminho certo.”

Raio-X Podemos

Fundado em 1945 como PTN (Partido Trabalhista Nacional), mudou de nome em 2017

364.471 filiados em 2019 (eram 167.160 em 2018)

11 senadores (2ª maior bancada da Casa)

10 deputados federais

21 deputados estaduais

68 prefeitos

1.633 vereadores

Principais nomes

Alvaro Dias (senador pelo Paraná)

Romário (senador pelo Rio de Janeiro)

Renata Abreu (deputada federal por São Paulo)

(FOLHAPRESS)