Mais de 15 mil crianças e adolescentes, com idades entre 0 e 18 anos, foram mortos violentamente no Brasil nos últimos três anos. No mesmo período, 165 mil meninos e meninas foram vítimas de violência sexual, compondo um cenário preocupante de violência contra crianças e adolescentes no País. Em Alagoas, foram 522 óbitos e 2.570 casos de violência sexual.

Os dados fazem parte do Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil lançado, nesta terça-feira (13), pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O relatório aponta que o cenário das violências contra crianças e adolescentes permaneceu estarrecedor, entre 2021 e 2023, com alguns desafios se acentuando. A taxa nacional de homicídios até caiu, mas cresceu a porcentagem de mortes causadas por intervenções policiais. Em 2023, quase 1 a cada 5 crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos mortos foi vitimado em ações policiais no país.

Em Alagoas, a taxa reduziu ao longo dos anos, somando 27 óbitos registrados nessas circunstâncias nos últimos três anos.

Já os números de estupro contra crianças e adolescentes têm crescido constantemente. Nos últimos três anos, dos 165 mil casos de violência sexual reportados no Brasil, 46.863 foram registrados em 2021 e aumentaram para 63.430 em 2023 – o equivalente a uma criança ou adolescente vítima de estupro a cada 8 minutos no ano. Em Alagoas, o registro de casos seguiu o aumento, com 709 registros em 2021, 903 em 2022 e 958 em 2023.

“As violências impactam gravemente as crianças e os adolescentes no País. Meninos negros continuam a ser as maiores vítimas de mortes violentas. Já meninas seguem sendo as mais vulneráveis à violência sexual. Essas dinâmicas são ainda mais preocupantes com o aumento de casos dessas violências contra crianças mais novas”, diz Youssouf Abdel-Jelil, representante do UNICEF no Brasil, destacando a urgência de governantes terem como prioridade acelerar o enfrentamento da violência letal e sexual contra crianças.

Nacionalmente, os dados alertam que crianças mais novas têm sido cada vez mais vítimas de violências sexuais e letais. De 2022 para 2023, as mortes violentas de crianças de até 9 anos de idade aumentaram 15,2% no Brasil. Nos casos de violência sexual com contra crianças de até 4 anos, o acréscimo foi ainda maior, entre 2022 e 2023, com um aumento de 23,5% nos registros e de 17,3% entre aquelas com 5 a 9 anos.

Meninos negros seguem como principais vítimas em todas as idades

No País, a violência letal vitima, em especial, meninos negros. Nos últimos três anos, a maior parte das vítimas de mortes violentas no Brasil tinha entre 15 e 19 anos (91,6%), era preta ou parda (82,9%) e do sexo masculino (90%). E, apesar dos adolescentes serem os mais atingidos, isso é uma realidade em todas as faixas etárias. Dados do relatório mostram que um menino negro com idade entre 0 e 19 anos tem 21 vezes mais chances de ser morto do que uma menina branca na mesma faixa etária no Brasil.

Para a diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno, os dados evidenciam a necessidade de os governos incluírem em suas agendas políticas públicas de enfrentamento aos crimes letais e também à violência sexual. “É importante que haja um protocolo mais claro das abordagens e do uso da força pelas polícias, tendo em vista que os principais alvos são os jovens pretos e pobres da periferia”, aponta a socióloga.

No caso de adolescentes, em especial entre os que têm mais de 15 anos, as mortes violentas remetem a um contexto de violência armada urbana: a maioria foi morta fora de casa, em via pública (62,3%), e por pessoas que não conhecia (81,5%).

Já no caso de crianças mais novas, as mortes de meninas e meninos de até 9 anos costumam ocorrer dentro de casa (cerca de 50%) e ser cometidas por pessoas conhecidas da criança (82,1% dos casos em 2023). Isto indica um contexto de maus-tratos e de violência doméstica praticados contra essas crianças pelas pessoas mais próximas a elas.

Violência sexual: da primeira infância à adolescência

Crianças e adolescentes do sexo feminino são a ampla maioria das vítimas no País quando se trata de violência sexual, representando 87,3% dos casos nos últimos três anos. Considerando ambos os sexos, a maior parte das vítimas (48,3%) tem entre 10 e 14 anos. Ainda assim, mais de 35% dos crimes foram cometidos contra crianças entre 0 e 9 anos de idade. Ou seja: a violência sexual atinge crianças e adolescentes durante toda a vida.

Apesar da menor incidência, o relatório destaca que meninos não estão protegidos desta violência. Entre 2021 e 2023, foram reportados mais de 20.575 casos nos quais crianças e adolescentes do sexo masculino eram as vítimas de estupro. O número é maior, inclusive, do que o quantitativo de vítimas de morte violenta.

Prevenir e responder às violências

Diante deste contexto, o UNICEF e FBSP alertam para a urgência de que assegurar a proteção de crianças e adolescentes precisa se tornar uma prioridade para governantes e para toda a sociedade brasileira. E, para prevenir e enfrentar as violências, recomendam a governos, pais, mães, responsáveis e a toda a sociedade:

– Não justificar nem banalizar a violência

– Controle do uso da força pelas polícias

– Controle do uso de armas por civis

– Pautar e enfrentar o racismo estrutural

– Enfrentar o fenômeno da violência doméstica

Sobre o estudo

A construção do Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil aconteceu a partir de dados coletados pelo FBSP por meio da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011). Para chegar ao panorama nacional, são produzidos pedidos específicos para cada Secretaria de Segurança Pública e/ou Defesa Social das 27 Unidades da Federação solicitando a base de dados de mortes violentas intencionais, estupros e estupros de vulneráveis. Essa base é formada pelo que se nomeia “microdados” dos boletins de ocorrência registrados, a partir dos quais é possível identificar, para cada fato registrado, as características do crime, da vítima e do autor, sempre que tais informações sejam preenchidas pelo órgão policial.

CADA MINUTO \ *Com Assessoria

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