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O espanhol Manu fazia exames de sangue com frequência, por sofrer de diabetes tipo 2. Mas só aos 33 anos de idade um desses exames chamou a atenção dos médicos.

“Descobriram que eu estava menopáusico”, diz ele, hoje com 50 anos de idade. É a forma que ele encontrou para explicar os resultados dos exames, que mostravam que sua taxa de fertilidade era baixa demais.

Ele foi encaminhado a uma outra clínica, onde uma equipe médica recomendou mais uma bateria de exames antes de dar o diagnóstico final: ele tinha um cromossomo sexual a mais

Concretamente, ele tinha um cromossomo X extra (os homens normais têm um par XY de cromossomos). Manu sofre de uma doença genética chamada síndrome de Klinefelter, assim chamada em homenagem ao médico que primeiro a descreveu ainda nos anos 1940, o americano Harry Klinefelter.

A doença se tornou o maior segredo de Manu, por vários anos. “Naquela época, se você contasse a alguém (sobre o problema), a primeira coisa que faziam era dar risada. Aconteceu comigo mais de uma vez”, conta.

Ele não contou nada a seus pais. Sua irmã achava que era tudo invenção dele. Manu também parou de falar com os poucos familiares a quem contou sobre a doença, pois estes começaram a vê-lo “como um bicho raro”.

Apesar disso, a síndrome de Klinefelter é um dos transtornos genéticos mais comuns entre os homens: ocorre com 1 a cada 576 homens, segundo um estudo conduzido na Dinamarca no começo dos anos 1990 pelo Hospital Psiquiátrico de Aarhus.

Os humanos possuem 23 pares de cromossomos, que determinam nosso sexo biológico. No caso das mulheres (XX), os pares são formados por cromossomos idênticos, em formato de X; no caso dos homens, os pares são formados por um cromossomo X e um em formato de Y.

Mas homens afetados pela síndrome de Klinefelter como Manu apresentam um X a mais em suas células. O mais comum é que o conjunto de cromossomos seja, então, XXY. Mas há casos ainda mais raros em que o conjunto (chamado na biologia de “cariótipo”) seja formado por dois X a mais ou até até três a mais, resultando nos cariótipos XXXY e XXXXY.

Por causa disso, a síndrome de Klinefelter é também chamada às vezes de síndrome XXY.

Nos homens saudáveis, os pares de cromossomos são formados por um ‘X’ e um ‘Y’

Uma das principais consequências da doença é a deficiência na produção da testosterona, o hormônio sexual masculino.

O corpo de Manu, por exemplo, não produz testosterona de forma natural. Por isso, todos os meses ele recebe injeções do hormônio, desde que recebeu o diagnóstico da síndrome. Antes disso, ele conta que nunca tinha crescido barba em seu rosto e que mal tinha pelos nas axilas.

“Com certeza, eu e você cruzamos na rua todos os dias com dois ou três homens que têm o problema e não sabem”, diz Diego Yeste, médico responsável pela unidade de endocrinologia pediátrica do Hospital Vall d’Hebron, em Barcelona (Espanha).

“O problema é que muitas pessoas não chegam a ser diagnosticadas”, alerta ele. A doença é tão pouco conhecida que até mesmo alguns pacientes não a entendem completamente. Manu, por exemplo, descreve o problema dizendo que “fisiologicamente, sou homem. Mas, biologicamente, sou uma mulher”, diz.

A explicação de Manu, no entanto, é equivocada, diz Yeste. “Do ponto de vista cromossômico e de aparência sexual, são homens. Não é porque você não produz testosterona que você vai se sentir uma mulher. E isso não cria dificuldades de identificação sexual. Estes pacientes não têm nenhuma razão para ter mais dificuldades de identidade sexual que o resto de nós”, assegura ele.

Consequências físicas

Em muitos homens com Klinefelter – embora não em todos – os genitais não chegam a se desenvolver completamente. Ficam menores que o normal, o que dificulta a produção de testosterona.

Além disso, as mamas podem crescer mais que o normal e a puberdade pode demorar mais que o esperado ou não ocorrer.

Diante da pouca produção de hormônios, a fertilidade é afetada. Além disso, esses homens apresentam um risco maior de desenvolver diabetes tipo 2, coágulos sanguíneos, tremores involuntários, câncer de mama, osteoporose, artrite reumatóide e lúpus, de acordo com informações da Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA.

Todos esses sintomas físicos, porém, são tratáveis. Yeste diz que a testosterona pode ser injetada por via intramuscular a cada duas ou três semanas ou a cada seis meses, dependendo da dose.

Se a síndrome for detectada a tempo, a esterilidadade também pode ser evitada ou recuperada.

“O problema com esses rapazes, que iniciam a puberdade espontâneamente enquanto seus testículos se deterioram, é que têm mais risco de serem inférteis. O próprio hormônio masculino e outros mecanismos fazem com que desapareçam as células germinais, a partir das quais se formam os espermatozóides. É um processo ainda não totalmente compreendido, mas o excesso de cromossomos pode favorecê-lo”, diz o médico.
Assim, atualmente, recomenda-se a esses pacientes extrair e congelar esperma durante a puberdade. Nessa altura da vida, entre 20% e 30% dos homens com Klinefelter produzem espermatozóides com qualidade suficiente para engravidar uma mulher, diz ele.

Os demais, entretanto, podem alimentar esperanças com o desenvolvimento da pesquisa experimental. “Recomenda-se fazer uma biópsia testicular para tentar obter espermatozóides a partir daí, ou pelo menos conservar o tecido para, num futuro que acreditamos estar próximo, produzir os espermatozóides através de diferenciação celular”, diz ele.

O estigma da infertilidade

Para Manu, entretanto, o principal inconveniente do transtorno genético são as consequência no plano amoroso. “Quando você diz à sua parceira que tem a síndrome de Klinefelter, ela te abandona.”

“E é muito duro passar por esta situação relacionamento após relacionamento”, diz.

Quando recebeu o diagnóstico, ele estava havia quatro anos num relacionamento. A namorada da época o acompanhou no recebimento dos resultados dos exames e estava presente quando o médico lhes explicou sobre a síndrome.

“A princípio, ela reagiu bem, mas logo foi embora. Foi embora porque eu tinha Klinefelter, e eu sei disso porque ela me disse”, disse ele.

Nos últimos 17 anos, Manu iniciou mais dois relacionamentos. A princípio, não contou para as parceiras que tinha a síndrome, e confessa que chegou a pensar na possibilidade de ocultar este fato para sempre.

Mesmo tendo esperado um ano de relacionamento em um caso, e dois no outro, antes de contar, ambas as namoradas o rejeitaram. “A maioria das mulheres quer um filho, e isso eu não posso dar”, diz.

Psicóloga do Hospital Vall d’Hebron, Isabel Quiles diz que a infertilidade cria um sentimento de estigmatização “muito relevante” entre os pacientes afetados pela síndrome.

“É uma coisa que eles mantêm em silêncio e guardada muito fundo dentro de si. Passam muita angústia antes de contar que sofrem de Klinefelter e, portanto, não podem ter filhos”, diz ela.

Para a maioria dos pacientes, a síndrome é o seu grande segredo. “Eles pensam: ‘quando formos para o quarto, o que vai acontecer? Quando ela vir que meu pênis é pequeno…’. Muitos rejeitam a ideia de iniciar um relacionamento e de buscar uma parceira”, diz a psicóloga.

Muitos dos pacientes esperam até tornar-se adultos para sair com mulheres. “Às vezes, buscam parceiras mais velhas, com mais experiência sexual, e que já sabem que tamanho não é tão importante. A mim, nunca contaram de alguém que tenha dado risada de seus genitais; creio que é porque esperam ter uma relação muito estável antes de resolver ter relações sexuais”, diz.

Rejeição da família

Muitas vezes, como ocorreu no caso de Manu, a discriminação começa com as pessoas mais próximas. “Costuma acontecer da própria família, principalmente o pai, estigmatizar muito este filho. Se a família é um pouco primária e machista, geralmente a criança será mal vista pelo pai, que se ressente de ter um filho com genitais pequenos, de ter de operá-lo para (reduzir) as mamas”, diz Quiles.

“Não querem que ninguém saiba, porque associam a síndrome com a homossexualidade, quando na verdade não é assim”, diz.

Sinais de alerta

Fazer o diagnóstico correto antes dos seis primeiros meses de idade é importante porque, se a criança receber a testosterona necessária durante essa etapa, pode-se evitar consequências como o micropênis, diz o endocrinologista Diego Yeste.

A psicóloga Isabel Quiles acrescenta que as crianças com este transtorno também costumam ter pouca energia e são pouco exploradoras, o que tem repercussões na aprendizagem. Além disso, costumam apresentar dificuldades de socialização e, na adolescência, podem sofrer de depressão e marginalização. Por isto, é importante estimulá-las desde cedo.

Yeste recomenda aos pediatras e pais que prestem atenção a três sinais durante a infância: crescimento excessivo nos primeiros anos de vida, anomalia genital e transtornos de linguagem e aprendizagem.

Hoje, Manu tenta voltar a organizar-se num grupo de apoio como a Associação Catalã de Síndrome de Klinefelter (Ascatsk), que ele ajudou a fundar a alguns anos atrás. A ideia é encontrar-se com outros homens com o transtorno, para compartilhar experiências.

Ele acredita que, se as pessoas souberem mais sobre o transtorno, o preconceito se reduzirá. “A maioria das pessoas se assusta logo que escuta a primeira palavra: ‘síndrome'”, diz.

Diego Yeste concorda. “Quando se diz a eles que é uma síndrome, e que têm mais cromossomos, as pessoas levam as mãos à cabeça. Acho que pensam: ‘sou um monstro’. E não são”, diz.

O médico é a favor de adotar um nome que amenize a síndrome. “Há outras patologias que geram transtornos até mais severos, e a sociedade as tolera melhor”, diz ele.

Na Espanha, atualmente, a síndrome de Klinefelter é cada vez mais diagnosticada, graças à técnica da amniocentese, um teste que é feito durante a gravidez.

O exame é feito com uma amostra do líquido amniótico, que é analisada para buscar anomalias genéticas como a síndrome de Klinefelter e outras.

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