Uma iniciativa diferente promete movimentar o turismo em Maceió a partir do segundo semestre deste ano. Indo além do circuito das praias e lagoas, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU) está finalizando a revitalização da tradicional Maria Fumaça de 1929 e vai buscar parcerias com trade turístico para promover uma verdadeira viagem no tempo.
A expectativa da companhia é que melhore um pouco a situação da pandemia nos próximos meses. Nesse período deve ser concluído o carro de passageiros que já está 85% pronto, e iniciar a reforma de outro carro. “A ideia é ela ir com dois carros de passageiros, que poderiam levar em torno de 100 turistas em cada viagem. Mas vamos esperar melhorar a pandemia. No segundo semestre deve estar melhor”, anuncia o superintendente Carlos Jorge Cavalcante.
Desde a chegada das novas locomotivas, nos anos 50, as que funcionavam a vapor começaram a ser deixadas de lado. “Só que na usina funcionou até a década de 70. Depois foi deixada de lado e trocada por transportes como caminhões”, conta Kreslerson Gouveia, maquinista há 19 anos na CBTU.
Ele explica que a tecnologia mais moderna, como a do VLT, facilita muito o trabalho, mas para o passageiro que anda na Maria Fumaça a experiência é bem diferente.
“Tem aquela tradição de o trem ser mais vagaroso, uma coisa mais romântica, aquele balançado que tem nos vagões. Naquele tempo era só rádio, não tinha nem TV. Então é um comportamento completamente diferente. O ritmo da vida era outro, não tinha tanto as preocupações que tem hoje”.
Com esse sentimento nostálgico, a CBTU vem projetando a atração turística desde 2008, quando adquiriu a Maria Fumaça. “O projeto ficou parado esse tempo, mas a gente conseguiu dar andamento. Iniciou com a revitalização da locomotiva, um processo bem lento, porque tem muita peça feita de forma artesanal. Muito cuidado, detalhe”, relatou Carlos Jorge.
Acompanhando de perto a execução do projeto, o maquinista Gouveia conta detalhes. “No vagão de passageiros, que a gente chama de jardineira, vamos deixar o ambiente interno bem caracterizado para relembrar o passado. Vai atender crianças, pessoas de várias faixas etárias, e cada um vai ter uma sensação diferente. É como ler um livro, ele vai se transportar para o passado, tentar se ambientar naquele estilo de vida que era bem diferente”.
Ele mostra que os bancos que estão sendo colocados nesta restauração têm o formato mais tradicional, incluindo a opção de ser reversível e o passageiro poder escolher ficar virado para a frente ou o fundo do veículo.
“Todo trajeto que vai ser feito é visando resgatar como era feito o transporte ferroviário na época que o vapor dominava. Então pra o usuário vai ser diferenciado, uma coisa turística diferente do dia a dia”.
Estudantes e turistas são público-alvo, mas trem atrai população geral
Ainda em fase de planejamento, o projeto deve abranger dois formatos distintos: Um voltado para a comunidade lindeira, envolvendo escolas e custeado pela própria CBTU, e outro para turistas, com uma programação mais comercial em parceria com o trade turístico ainda sem preço definido.
“Não tem modelo, mas a gente pensa ser oferecido como em vários lugares do país, com lanche, animações, guia como outros lugares do Brasil oferecem”, disse o superintendente.
A ideia dele é que o próprio trade promova a receptividade para ajudar a ser contada a história. “Vamos preparar alguns cenários na estação para contar a história de tudo o que aconteceu com a Maria Fumaça”.
Já existe um diálogo com as prefeituras de Maceió e Rio Largo. Carlos Jorge conta que o prefeito de Rio Largo demonstrou interesse, procurando saber o que pode ser feito na cidade para fortalecer o projeto. Havia um percurso desenhado com uma parada na capital, mas foi preciso modificar por conta dos problemas com o solo de alguns bairros.
“A princípio ia sair de Maceió, parando no mercado de artesanato. Como o bairro do Mutange está interditado por conta dos problemas no solo, vai sair de Bebedouro e parar no instituto de preservação da mata atlântica, que é a estação Utinga”.
A ideia é explorar a história para promover desenvolvimento. O gestor reforça: “Queremos fortalecer o nosso sistema criando um novo atrativo para o trade turístico, porque o nosso estado é lindo, mas precisa de atrações diferentes também. O passeio que a Maria Fumaça vai fazer passa por lugares lindos, como Fernão Velho, até chegar no instituto de preservação da Mata Atlântica, que é a estação Utinga. Ela foi recentemente toda revitalizada e está pronta para receber turistas e nativoa. Nosso destino vai ser lá”.
Passageiro para esse passeio, provavelmente, não vai faltar. Segundo a CBTU, o interesse da população na locomotiva é grande. “Os pais com filhos vêem aqui tirar foto, sobe para tirar foto”, disse o maquinista.
A máquina também é um cenário requisitado por muitos artistas locais, que utilizam para gravar clipes, e pessoas que querem faze ensaios fotográficos.
Mas nem tudo são flores com a Maria Fumaça. Dedicado, o maquinista revela como o trabalho é intenso comparado aos tempos atuais. “O VLT tem toda a tranquilidade de um veículo moderno. Simplesmente com a mão, dá os comandos. Na Maria Fumaça, o passageiro está lá atrás no conforto, mas, para quem está aqui conduzindo, tem uma série de coisas que tem que fazer, não pode vacilar em nenhum momento”.
Com tranquilidade, ele menciona alguns riscos. “Tem que se preocupar com o fogo, a pressão do vapor, o tempo. Se está subindo ou descendo uma rampa, interfere no consumo… Tem que ter uma estratégia para a todo momento sair tudo perfeito”.
Não tem história de acidentes graves, mas pequenos descuidos podem queimar pelos, por exemplo. “É uma fogueira de São João gigante que tá acesa ali dentro. Toda a área, apesar de ter proteção térmica, é muito quente. Invariavelmente vai ter algum tipo de queimadura, mas com o EPI [Equipamento de Proteção Individual] isso é muito minimizado”.
Transporte ferroviário pode melhorar a mobilidade urbana das cidades
Aqui em Alagoas trem nunca foi utilizado como atração do turismo. Mas em outros estados do Sul e Sudeste já acontece, no Nordeste ainda não. Locais como Rio Grande do Sul, São Paulo e Paraná já oferecem essas opções.
Com 92 anos de existência, esta Maria Fumaça tinha como principal função o transporte de cargas. Mas a família proprietária da Usina Utinga utilizava muito o trem como meio de transporte entre a Usina e sua residência, no bairro do Mutange.
Atualmente, está há dois anos parada. E por força de lei a equipe da CBTU tem sempre que fazer teste da caldeira, e manutenção por conta da degradação. Verificar os mecanismos, substituindo peças danificadas pela maresia e desentupindo válvulas.
A Maria Fumaça faz parte de um conjunto de ações para ampliar o sistema da CBTU, segundo Carlos Jorge Cavalcante. “Com a vinda para Jaraguá ganhou mais fortalecimento. Temos um projeto de levar até o Maceió Shopping bem avançado. A junção desses projetos com o trem turístico vai incentivar a população pra andar cada vez mais de trem”.
Ele enumera as vantagens do transporte. “Até porque é pontual, tem um sistema de higienização muito bom. Conjunto para oferecer a população é muito interessante. O único Transporte que tem capacidade de fazer melhoria na mobilidade urbana de Maceió é o VLT. Quanto mais o VLT avança, será fundamental para o avanço das cidades. Cada VLT que circula tira 160 carros, 10 ônibus e 3 BRT. É o sistema mais eficiente que existe. Sustentável”.
Ele relata que muitas pessoas perguntam se o transporte vai chegar a mais bairros e até municípios, e com a divulgação da Maria Fumaça. “Querem saber se vai pra outras cidades, outros lugares”.
Ele defende o transporte ferroviário. “É um transporte de massas. Em todo país desenvolvido do mundo o transporte é feito por ferrovia. Aqui tem muito o que expandir, tanto em Maceió quando em outros municípios”. Apesar disso, ele afirma que não é a intenção de ampliar para outros municípios atualmente. “Hoje só Maceió, Satuba e Rio Largo”.
Fonte: Tribuna Independente / Emanuelle Vanderlei
(Foto: Edilson Omena)