Como disse meu colega de Estado Leandro Karnal há poucos dias, há mais gente apta biologicamente do que psicologicamente para ter filhos. Não foi bem assim que ele escreveu, mas a ideia é essa – com a qual concordo totalmente. O que não significa que tudo esteja perdido. A consciência coletiva da humanidade progride com as gerações. Aliado ao progresso do conhecimento científico, isso nos traz esperança. É possível aprender.
Houve épocas em que os filhos eram considerados propriedades dos pais, que deles podiam dispor como bem entendessem – incluindo suas vidas. O judaísmo, o cristianismo e o islamismo modificaram essa concepção, e logo os pais já não tinham mais direito de vida e morte sobre as crianças. Mas ainda podiam praticamente tudo – de castigos abusivos a trabalhos excessivos, a sociedade ainda não havia pensado em garantir direitos para as crianças.
Novamente o tempo cuidou disso. Hoje os pais têm obrigação de colocar filhos na escola, dar-lhes acesso à saúde, não podem espancá-los e assim por diante. Embora haja saudosistas dos bons tempos das surras de cinta com fivela ou cabo de vassoura, é uma minoria que tende a acabar conforme o mundo caminha em frente.
Há muitas coisas que a gente não sabe fazer, não é só a educação que traz dúvidas – como convencer as pessoas a eliminar água parada? A economizar água? A poupar para o futuro? A se exercitar? Para isso que os cientistas trabalham: bolam estudos, experimentos, testam hipóteses e refinam técnicas, apresentando-as para a sociedade, anotando resultados.
É assim, acreditando na conjunção do desenvolvimento moral e científico da sociedade, que avançaremos. Já deixamos de apedrejar filhos desobedientes, como manda o Velho Testamento, afinal. Sigamos em busca de técnicas mais humanas – pelo lado ético – e eficazes – pelo lado científico. Descontando promessas exageradas que pululam quando qualquer campo do conhecimento é apropriado pela sociedade, os movimentos atuais que têm procurado esse equilíbrio são a paternidade consciente e a disciplina positiva. Ambos começam a reunir um corpo de evidências de sua importância.
Muito resumidamente, a paternidade consciente estimula que pais e mães evitem agir de forma automática e irrefletida no que diz respeito à educação das crianças.
Quando não estamos prestando atenção ao que fazemos, muitas vezes agimos com eles motivados por nossas frustrações e expectativas, que em nada contribuem para o seu desenvolvimento. Saber separar o que é nosso do que é das crianças é um exercício que requer atenção, consciência, e fundamental para entendermos que educar não é criar uma versão melhor de mim. É ajudar o outro a alcançar sua autonomia e seu próprio potencial.
Já a disciplina positiva se baseia nas evidências de que a punição é menos eficaz e mais prejudicial do que o reforço positivo, e busca encontrar o meio termo entre o autoritarismo punitivo e a indiferença da falta de disciplina. É preciso colocar limites, ensinar, mas para isso não são necessários gritos ou castigos brutos.
Numa leitura rápida muitos acham que esses modelos estão por trás da criação de uma geração fraca. Mas quem se dispõe a se aprofundar um pouco mais no assunto descobre que há décadas a ciência comprova que ameaças e violência, criando emoções negativas, são eficazes para modificar o comportamento imediato, mas péssimas para construir mudanças duradouras. Exceto mudanças negativas, uma vez que esse modelo é aprendido e repetido nas gerações seguintes.
Quando falta autoconsciência para os pais e sobra punição para os filhos, então, o risco é criar pessoas que repliquem a truculência e não desenvolvam habilidade para o diálogo nem adquiram consciência do impacto das próprias atitudes. Paradoxalmente, apesar de se imaginar rigorosa, é uma educação que cria adultos mimados.
Eu poderia ilustrar com muitos relatos de caso, mas não creio que seja preciso. Para quem entendeu o modelo, o noticiário traz exemplos emblemáticos.
*É PSIQUIATRA