O embate direto e situações de interferências entre os Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo atingiu temperatura máxima nos últimos dias e criou clima de tensão inédito tanto no cenário local, quanto no plano nacional.

Em Alagoas, apesar de dizer que as recentes exonerações de sua gestão não têm relação com a disputa pela presidência da Assembleia Legislativa do Estado (ALE), o governador Renan Filho (MDB) tentava fazer jogo duro para evitar a vitória do Marcelo Victor (SD), que não era o seu preferido, para comandar o parlamento alagoano.

Renan Filho chegou a exonerar dois secretários, além de outras quatro pessoas indicadas por deputados aliados do governador, mas que decidiram apoiar a candidatura de Marcelo Victor. O governador queria que os parlamentares apoiassem a candidatura de seu tio Olavo Calheiros (MDB).

Dentro da composição política do governo Renan Filho, o deputado Inácio Loiola tinha duas indicações: Osmar Lisboa, então vice-presidente de Gestão de Engenharia da Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), cunhado do parlamentar e Mellina Freitas, sua sobrinha, que ocupava o cargo de secretária de Estado da Cultura.

Na ocasião, Inácio confirmou que as exonerações de seus indicados seriam retaliação por parte do governador. Ele lamentou a posição de Renan Filho.

CAPITAL FEDERAL

Já em Brasília, o pai do governador Renan Filho, senador Renan Calheiros (MDB) vem, mesmo sem a confirmação oficial de que é candidato à presidência do Senado, incomodando o meio político, principalmente os demais senadores discordantes de sua postura, que buscam, por meio de entrevistas, defender o voto aberto para o cargo de presidente.

A tentativa de interferência chegou através de uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em dezembro do ano passado, magistrado determinou que a eleição para os cargos da Mesa Diretora do Senado fosse por votação aberta. A eleição para presidente da Casa, bem como dos demais cargos diretivos, está prevista para ocorrer no início de fevereiro de 2019, quando o Congresso retomar as atividades.

A decisão acabou sendo derrubada pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que manteve votação secreta para a eleição da Mesa do Senado. Ao decidir sobre o caso, Toffoli atendeu o pedido do próprio Senado. Toffoli entendeu que a votação para comando das Casas é questão interna e deve ser definida pelos parlamentares.

Além do ministro Marco Aurélio, outro membro do Poder Judiciário, Deltan Dellagnol, procurador da República e coordenador da Lava Jato no Paraná também entrou na interferência pela presidência do Senado. Através de suas redes sociais ele vem fazendo campanha pelo voto aberto para as presidências da Câmara e do Senado. Para o procurador da República, a votação secreta dificulta o andamento de projetos de lei contra a corrupção e favorece o parlamentar alagoano.

O senador Renan Calheiros então resolveu entrar na briga e também por meio de suas redes sociais rebateu a decisão já derrubada do ministro do STF, Marco Aurélio e as manifestações do procurador da República, Deltan Dellagnol.

Neste contexto, a reportagem da Tribuna consultou membros do Executivo, Legislativo e Judiciário para que eles pudessem dar seus posicionamentos se realmente há interferência entre os poderes e o porquê de eles não conviverem de forma harmoniosa, como tanto pregam, pois sempre a sociedade acaba vivenciando situações na qual o Judiciário legisla, o Executivo julga e o Legislativo executa.

Poder Judiciário

O presidente do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL), desembargador Tutmés Airan, entende que o Poder Judiciário só deve intervir junto aos outros poderes quando o direito das pessoas esteja sendo ferido ou ameaçado. Ele acredita que o Supremo Tribunal Federal não deveria ter tentado intervir no caso da votação para presidente do Senado, já que a Casa segue o regimento interno.

“Ninguém pode excluir do Judiciário, violação ou ameaça de violação de direito. Então a intervenção do judiciário nos outros poderes só se justifica em face disto. Isto quer dizer que há atos típicos dos outros poderes que não podem e não devem ser controlados pelo Poder Judiciário, percebe? Disciplinar como é que vai ser a votação dos projetos é uma atividade típica do Poder Legislativo, que eventualmente pode justificar intervenção do Poder Judiciário só e somente só se houver violação de direito ou ameaça de violação”, argumenta.

Tutmés então usa o exemplo de como ocorreu o impeachment da ex-presidente da República, Dilma Rousseff (PT), ao questionar o porquê de o STF não ter enfrentado a discussão substancial se houve ou não crime de responsabilidade, para que, aí sim, a presidente pudesse ser afastada do cargo.

“Há uma tradição na jurisprudência brasileira de que o Poder Judiciário não deve se imiscuir em questões essencialmente políticas. Esse é exatamente o posicionamento do senador Renan Calheiros no caso da eleição para a presidência do Senado como seguramente foi o posicionamento do ministro Dias Toffoli quando determinou que em obediência a autonomia do Poder Legislativo o seu regimento fosse respeitado e as eleições para suas Casas se dessem pelo voto secreto. Essa é uma corrente respeitável”.

Mas, o desembargador lembra que há outra corrente que sustenta outro ponto de vista na questão do Judiciário.

“É preciso respeitar as questões essencialmente políticas, desde que elas não interfiram os direitos das pessoas, mesmo porque a Constituição republicana diz que nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito pode estar fora do alcance do controle do Poder Judiciário. Portanto, é em que medida o respeito à norma regimental do Senado que estabelece o voto secreto fere o direito das pessoas? No caso do impeachment eu creio que feriu o direito da Dilma em querer concluir o seu mandato, como feriu o direito político de milhares de pessoas que votaram nela e que, portanto, tinham expectativa que o seu mandato fosse concluído. A princípio, num olhar apressado, eu não consigo vislumbrar nesse caso da votação do Senado ofensa a direito de quem quer que seja”.

Parlamentares acreditam em tentativa sistemática de intervenções

Representante do Poder Legislativo, o deputado estadual Bruno Toledo (Pros) no tocante ao motivo de os poderes não conviverem de forma harmoniosa, entende que isso é uma anomalia, um fenômeno que se dá pelo desgaste vivido pelo Legislativo, Executivo e Judiciário, tentando fazer atribuições de outros. O parlamentar então afirma que a Assembleia Legislativa vem dando exemplo, ao não admitir intervenção do Executivo na disputa pela Mesa Diretora da Casa.

“Isso acontece muitas vezes no judiciário tentando fazer vezes de legislativo, bem como o inverso. A consequência desse fenômeno é o desgaste iminente que todos estão passando. O que se espera é que voltemos a uma normalidade entre os poderes e que cada um exerça sua função de forma independente. A Assembleia Legislativa já deu exemplo de que não vai admitir esse tipo de intervenção, funcionando de forma independente. Espero que sirva de exemplo e que a gente acabe no Brasil, de forma geral, em todas as instituições com essa pratica nociva para o processo democrático”, justifica o parlamentar.

Bruno Toledo acredita que há uma tentativa sistemática entre os poderes de um intervir no outro.

“O legislativo tentando se fazer judiciário, o judiciário tentando se fazer de legislativo, o executivo, às vezes, tentando se fazer de legislativo usurpando competências com decretos e mais decretos. O Brasil vive no poder federal uma sistemática de decretos usurpam as prerrogativas do Poder Legislativo. Isso é uma pratica de muito tempo e o que eu espero é que a gente agora possa rever e funcionar efetivamente como Montesquieu previu já com esse tripé no qual o legislativo possa legislar, que o judiciário sirva como guardião dessas normas e que o executivo também faça apenas as suas atribuições”.

De acordo com o deputado federal, João Henrique Caldas, JHC (PSB), o Poder não admite vazios e que por conta disso os espaços são naturalmente ocupados ou através de hipertrofia indevida de um poder em desfavor de outro.

“Essa hipertrofia subverte a Ordem Constitucional, na medida em que vela um dos principais pilares do Estado de Direito, que é o sistema de checks and balances, informando a democracia porque torna a população descrente nas instituições. Não considero que haja aí uma relação de causa-efeito, porém esse tipo de distorção oferece margem a abusos e condutas anti-republicanas”.

“Ingerência prejudica a institucionalidade”

A reportagem da Tribuna consultou também o cientista político Ranulfo Paranhos. Ele faz uma análise sobre a relação entre os poderes e também explica até que ponto a interferência entre eles pode ser prejudicial à democracia, ou se isso seria apenas uma jogada política em troca de benefícios.

Ranulfo entende que se a população acredita que o regimento interno do Poder Legislativo é imoral, a solução mais acertada seria eleger parlamentares com a inclinação a mudar o regimento, segundo a vontade dos eleitores.

“Até esse momento o regimento prevê eleição com votação secreta. A Câmara e a Assembleia também preveem isso. Não há, do ponto de vista legal, problema nenhum a relação a isso. Agora se a Casa Legislativa, o corpo dos parlamentares entender que deve ser aberto, também não há problema”.

O cientista político ressalta que a eleição tem que ser com voto secreto. Já o comportamento do ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, segundo Ranulfo é que é prejudicial à institucionalidade do próprio Senado.

“Ele não pode fazer esse tipo de intervenção. Não há nada previsto na Constituição que diga que um membro da Suprema Corte pode alterar o comportamento do Senado ou de qualquer Casa Legislativa, mesmo municipal. Se não há previsão legal, e essa tomada de decisão do ministro é tão esdrúxula que o próprio presidente da Corte foi lá e cassou. O Marco Aurélio agiu de forma errada”.

Sobre o comportamento do procurador Deltan Dellagnol nas redes sociais, Ranulfo diz que não afeta a democracia e que ele está tentando apenas mover e publicizar a um abaixo-assinado que forçaria os parlamentares a votarem aberto, mas que não tem força de lei.

“Ele está fazendo uso da capitalização de sua imagem em função da Lava Jato, mas ele sabe que por força da lei aquilo não vinga. Qual o efeito desse abaixo-assinado? É um efeito do ponto de vista de pressão popular. Ao fazer isso, os parlamentares se sentem constrangidos em eleger o Renan. Pressão popular é uma coisa boa, isso quer dizer que o comportamento dos parlamentares tem que estar alinhado com o comportamento dos seus eleitores. No geral, a população que emite opinião tem se colocado contrário à eleição do Renan. É ilegal a eleição secreta? Não. É imoral? Até a última eleição não era. Agora é porque o principal candidato com vias a ganhar tem 14 processos na justiça, alguns deles em segredo de justiça. Ele tem relação próxima com membros da Suprema Corte, enfim, há uma bagunça generalizada em relação a essa eleição para a presidência do Senado”.

Em resposta, o senador Renan Calheiros tem usado as suas redes sociais para contestar as vastas tentativas de interferências nas eleições para a presidência do Senado.

O senador alagoano argumenta que o Poder Judiciário não pode entrar em uma seara, contrapondo-se ao que prega o regimento interno do próprio Senado.

Impeachment de Collor e Dilma são exemplos

Outro ponto destacado pelo cientista político é sobre a relação Judiciário/Executivo/Legislativo. Ele explica que entre executivo e legislativo todos os modelos presidencialistas, sobretudo na América Latina, o presidente ao ser eleito, quer seja no modelo unicameral com uma só casa, ou bicameral como é o caso do Brasil, Senado e Câmara, esses precisam formar maiorias.

“O presidente costuma ceder espaços de tomada de decisão pública, espaços de poder, aí vão a autarquias, a ministérios, em contrapartida o presidente exige apoio a sua agenda, votação nas casas parlamentares favorável aos seus projetos de lei. Quando os presidentes não formam maioria ou quando perdem a maioria, ele tende a perder o mandato, é o que aconteceu com Fernando Collor, Dilma Rousseff. Isso é um comportamento completamente normal. Ceder espaço na máquina pública para partidos políticos e ter em volta apoios. Não há nada de ilegal. Faz parte do jogo político e é o que chamamos de coalizão”.

Segundo o cientista político, quando se vai analisar a relação entre os poderes, a situação passa por uma discussão mais antiga que está na base da discussão filosófica política sobre liberalismo que é a tripartição dos poderes.

“Quando a gente olha para o caso especifico do Brasil, o Judiciário tem tomado parte dos poderes do legislativo e tem tomado também parte dos poderes do executivo, mas do legislativo principalmente. Ou seja, por vezes o judiciário tem legislado. Tem definido qual deve ser a lei a ser seguida, tem criado a lei. Um bom exemplo disso mais recentemente é a lei que proíbe o financiamento corporativo de campanhas, que empresas não podem doar. Quem decidiu isso não foi o Legislativo, quem definiu isso foi o Judiciário”.

A ideia de legislativo, de criar leis, de acordo com Ranulfo é que esse conjunto de 81 senadores mais 513 deputados representam o povo. Ele avalia que um legislativo que não legisla, que perdeu o poder de legislar é o mesmo que retirar o poder do povo. O cientista diz que o judiciário, então, se aproveitou da omissão do Legislativo para então fazer o seu papel.

Fonte: Tribuna Independente