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Poderia ser uma formatura comum de alguns jovens e adultos que conseguiram retomar os estudos. Uma turma de pessoas que enfrentou dificuldades, não conseguiu estudar no período regular e agora recuperou o tempo perdido. Poderia, mas não é. Essa é uma turma especial. É tudo isso sim, mas vai além.

No dia 18 de janeiro, a Associação Pestalozzi de Maceió realizou uma
emocionante solenidade de formatura. Uma turma de 10 pessoas estava
concluindo o ensino fundamental, depois de uma longa jornada de
superação e vitórias.

O primeiro obstáculo é acompanhar o ensino regular e conseguir vagas
em escolas públicas. É muito comum quem é especial não conseguir
concluir os estudos dentro da idade regular, eles acabam precisando ir
para a Educação de Jovens, Adultos e Idosos. E aí se deparam com o
segundo problema: Não existem vagas no período diurno para a Educação de
Jovens, Adultos e Idosos (EJAI). E com as limitações impostas pela
deficiência, fica difícil para as mães e responsáveis manter esses
estudos. Questões de segurança muitas vezes deixam essas pessoas sem
opção, e automaticamente sem perspectiva.

Pensando nisso, a Pestalozzi procurou a Secretaria Municipal de
Educação (Semed) em 2015, e com o intermédio da deputada federal Tereza
Nelma conseguiu fazer com que turmas de EJAI da Escola Municipal Maria
José Carrascosa funcionasse dentro da associação, no período da tarde.

Para Tereza Amaral, presidente da associação, a parceria entre poder
público e terceiro setor é necessária e bem sucedida. “O terceiro setor
existe e tem que ter o apoio do Governo, já que ele não consegue fazer
tudo que gostaria. Na área da educação não é diferente, faz convênio

com as instituições filantrópicas como a Pestalozzi. Somos
prestigiados porque as pessoas que trabalham na Semed e na prefeitura
acreditam na Pestalozzi. Trabalhamos muito para que esse crédito
aconteça. Nós cumprimos o nosso papel e eles cumprem com o deles”.

Apoiadora da área, Tereza Nelma acredita que é importante que a Semed
ofereça sala de recursos, que segundo ela não existe atualmente.
“Queremos que esses jovens sejam incluídos no ensino regular para que o
Estado os receba”, disse. Ela comemora a formatura com nove alunos
especiais e uma mãe, referendando o trabalho da instituição. “A
Pestalozzi desenvolve um trabalho muito importante aqui no Estado”.

O ensino é diferente, mas o conteúdo oferecido é completo. “Até aula de espanhol tem aqui”, disse uma das alunas.

Fátima Soares, coordenadora pedagógica explica que é preciso adaptar o
cotidiano às necessidades de cada um, e que tudo é associado a um
ambiente mais acolhedor, mais preparado para receber esse tipo de
demanda. “O currículo tem que ser adaptado de acordo com as limitações
deles. A gente trabalha de acordo com várias deficiências. O autista, o
intelectual, síndrome de down, e o que tem paralisia cerebral”.

São 300 alunos assistidos pela Pestalozzi. Desses, 200 estão nas
turmas de EJAI. O restante está na rede regular de ensino. Cada caso tem
sua evolução diferente. Então muitas das pessoas atendidas estão no
ensino regular. Mas a demanda do EJAI claramente era uma lacuna a ser
preenchida. As aulas estão totalmente em sintonia com o trabalho
terapêutico.

“Alguns não aprendem a ler nem escrever, mas desenvolvem outras
habilidades. Ir ao banheiro, se alimentar só. E a gente descobre até
mesmo talentos artísticos”, relata Fátima.

Acompanhamento de saúde, atividades culturais complementares (ballet,
percussão, capoeira, coral e teatro), e até mesmo oficinas
pré-profissionalizantes formam o cotidiano daquela casa, onde muitos se
sentem uma família.

Thiago Maracas, professor de percussão conduz a Banda Afrolozzi há 12
anos. Ele ressalta que o grupo trabalha com musica inclusiva, mas
também trabalha com os aspectos que contribuem para o ser humano.
“Ajudamos no crescimento educacional, evolução mental. Gradativamente
eles vão desenvolvendo habilidades cognitivas, questão de espaço e
tempo. Não é musica só como musica, mas como meio de mudança social”.

Na oficina pré-profissionalizante, são produzidas obras de arte,
materiais adaptados para o cotidiano, como garfo, faca e até caneta em
tamanhos adaptados para serem utilizados pelos próprios pacientes da
associação. Mas o produto de mais valor que é produzido lá não é
material. Segundo o professor Aldemir Conrado, o desenvolvimento dos
participantes da oficina é notório. “Tem alunos que hoje fazem o seu
próprio serviço, recebem encomendas. Colocam em prática o que aprenderam
aqui. Quando chegaram muitos não conseguiam nem conversar direito, não
se expressavam. Depois eles ganham autonomia, coordenação motora”.

Redescobrindo um mundo de possibilidades

Não é difícil encontrar histórias emocionantes. Erotildes Marques,
por exemplo, teve sua vida completamente transformada e os horizontes
não param de se expandir. “Meu filho foi rejeitado no ensino regular
porque não tinha idade, e eu não tinha como levar no horário da noite,
porque ele tem limitações. Aqui eu consegui apoio, assistência de saúde e
ele está estudando”.

Mas isso era só o começo. Depois de ter a tranquilidade de ver o
filho Erlan com acesso à educação, Erotildes, que ainda não era
alfabetizada, foi convidada a participar do programa. Ela se matriculou,
descobriu um universo inteiro pela frente, e hoje está cheia de planos.
A formanda no ensino fundamental já está com a matrícula do Ensino
Médio encaminhada na Escola Estadual Tavares Bastos, que fica perto da
associação e vai ser possível manter as aulas no mesmo período em que
seu filho frequenta as aulas na Pestalozzi. E não vai parar por aí.
Depois do ensino médio, chegar à universidade já está nos planos dela,
que pretende cursar educação física.

A deficiência é uma realidade que precisa de adaptação não apenas à
vida de quem a possui. Ser responsável por alguém especial é um trabalho
que exige dedicação e muitas vezes renúncia. Muitas mães veem suas
vidas transformadas para acomodar todas as necessidades que são
apresentadas ao longo da vida de pessoas especiais. Esse trabalho muitas
vezes não é visto, não tem descanso, não tem reconhecimento. Mas o que
se pode constatar com muita frequência, é o semblante de orgulho e
gratificação em cada uma dessas pessoas, sempre que veem a evolução e o
desenvolvimento de seus filhos.

Por outro lado, em muitos casos é possível conviver com a deficiência
e levar uma vida de autonomia e independência, descobrindo experiências
normais de sucesso e frustração, como todo mundo.

Monalisa Ramos e Jânio Duarte se conheceram na Pestalozzi. Cheia de
atitude, a jovem se apaixonou pelo rapaz aos 14 anos e decidiu ir atrás
do que queria. Comprometido na época, Jânio correspondeu Monalisa e
rompeu o namoro para ficar com ela. Namoraram por vários anos, ficaram
noivos, e hoje são casados. Vivem em uma casa só deles. Ele trabalha na
oficina do pai, ela trabalha nos afazeres da casa. Juntos, eles
constroem a própria felicidade. Perguntada se tem sonhos, Monalisa
garante: “Tenho tudo que quero, tá bom assim”.

Outro aluno do projeto é Renildo da Silva. Ele está na casa há 36
anos e hoje, além de estudar na Pestalozzi, participa do programa
aprendiz. Começou na infância, aprendeu a ler. A vida toda, desde
pequeno, foi desenvolvida na Pestalozzi. Está em uma turma do EJAI, na
banda de percussão e ainda trabalha em uma empresa parceira. Orgulhoso,
ele conta sobre sua vida de trabalhador. “Eu já trabalhei lá um ano, e
agora já vou sair de férias. Depois quero continuar, vou até o fim”.

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Fonte: Tribuna Independente / Emanuelle Vanderlei – Colaboradora