Reeleito presidente da Câmara com 334 votos e sem a ajuda do Palácio do Planalto, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) deu o primeiro troco no governo dias após ser reconduzido ao cargo. Ele negou pedido da equipe do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que queria ter uma sala nas dependências da Casa para despachar diretamente com os deputados. A tentativa do Planalto de fazer um “puxadinho” na Câmara foi classificada por Maia como algo “bobo”.

Fortalecido pela expressiva votação, Maia demonstrou em entrevista ao
Estado que inaugura uma nova fase. Ele negou que vai adotar o estilo
“bateu, levou”, mas mandou vários recados. Disse que foi traído pelo PT e
avisou o Tribunal de Contas da União (TCU) que nem tente legislar sobre
a Lei Kandir. “Deixo eles sem orçamento até 2022”, afirmou.

A saúde do presidente Jair Bolsonaro pode atrasar a reforma da Previdência?

Não
acho, porque, pelo prazo do encaminhamento da reforma, pelas previsões,
o presidente já não vai estar mais no hospital. Então, ele pode tomar a
decisão final sobre qual texto ele vai querer encaminhar.

A
articulação política para aprovar a reforma fica prejudicada? Ninguém
vai votar nada de Previdência daqui a duas semanas. Então, é importante
que o Onyx (Lorenzoni, ministro da Casa Civil) vá organizando a base e,
quando o presidente tiver condições, pelo menos dê o sinal de que aquilo
que o Onyx organizou está “ok” para ele. Claro que a presença do
presidente ajuda, mas não atrapalha nem atrasa.

Os líderes estão reclamando da falta de diálogo com os ministros.

Não
acho que a política esteja sendo surpreendida pela forma como o
presidente organizou o primeiro escalão do governo. Não era isso que ele
falava na campanha? Ele dizia que ia escolher quadros técnicos. Ninguém
se surpreendeu com isso.

Na sua primeira entrevista, após
a sua eleição, o senhor colocou em dúvida a capacidade do governo de
reunir 308 votos para aprovar emenda constitucional com essa nova
postura.

Sempre me perguntavam se eu achava que ia ter
voto ou não. Falei que eu não sei porque é uma forma nova de governar.
Não quer dizer que não vai dar certo. Agora, tem de organizar. Até
porque o presidente foi eleito, mas o Parlamento também foi eleito.

Até agora não deu certo…

Não sei, ainda não teve nenhuma votação.

Mas tentaram influenciar na eleição para o comando da Câmara e não conseguiram…

É.
De alguma forma, o Onyx tentou influenciar. Criar uma candidatura que
tivesse um alinhamento maior com a questão dos costumes, com ele. Não
conseguiu. Mas nunca vi digital do presidente nesse processo. Só dos
filhos dele (Bolsonaro) e publicamente.

O senhor vai ignorar Onyx como interlocutor do governo?

Quem escolhe o interlocutor é o governo, e é o Onyx. Não quer dizer que eu não possa dialogar com o (Gustavo) Bebianno (ministro da Secretaria-Geral da Presidência), com quem tenho uma relação hoje de muita confiança. Eu não vou ficar trabalhando da presidência da Câmara para derrubar ninguém. Agora, (eu e Onyx) vamos ter de reconstruir nossa relação de amizade de muitos anos

O governo escolheu mal o líder na Câmara Major Vitor Hugo (PSL-GO)? Ele está sendo boicotado pelos partidos.

Eu
ouvi muita reclamação dos líderes sobre a forma como eles foram
convidados para uma reunião (pelo WhatsApp). Porque a política não é uma
relação de comando. Quando você convida líderes para uma reunião, você
está convidando iguais. Eu só vi o convite, me pareceu minimamente
polêmico.

Quando as comissões temáticas estarão instaladas?

Em
duas semanas. Não tem como atrasar. A Comissão de Constituição e
Justiça já está consolidada que é do PSL. A Comissão de Finanças e
Tributação, o PSL e o MDB querem. Tudo o que tem conflito tem de ser
negociado. Tem 25 comissões, não é possível que a gente não consiga
atender a todo mundo.

O ex-deputado Carlos Manato (PSL-ES), da equipe de Onyx, pediu ao senhor uma sala para despachar da Câmara.

O Executivo fica no Executivo e o Legislativo fica no Legislativo. Já disse a ele que não vou dar. Eu vou ligar agora para o Onyx e falar: ‘Põe uma sala aí para o Parlamento que a gente quer ir comandar daí de dentro, discutindo com vocês suas decisões’. É uma coisa boba, não faz sentido isso.

O ministro Paulo Guedes (Economia) disse que o senhor vai ser
o articulador político da reforma da Previdência. Como o senhor vê essa
declaração?

Acho que eu posso ajudar. Já tenho uma certa
experiência no comando da Câmara, que me faz ter condições de ajudar,
não estou preocupado com o título. Paulo Guedes é nosso líder na área
econômica.

O senhor tem procurado governadores em busca de votos?

Não
é só arregimentar votos, você precisa organizar com os governadores
qual é a pauta deles. Porque nenhum governador vai votar a Previdência
só porque ela é importante. Quando você cria uma pauta de cinco itens,
incluindo a Previdência, você vai dando condições para que esses
governadores comecem a ajudar para a votação da reforma.

A
Lei Kandir é um assunto de interesse dos Estados e o Tribunal de Contas
da União pode dizer que o governo não precisa mais ressarcir os
Estados.

Se o TCU legislar, vai entrar em guerra com o
Congresso. Vamos acabar com o poder do TCU, se eles fizerem uma lambança
dessas. Isso não será aceito de forma alguma pelo Legislativo. Eles vão
levar um troco grande. A gente tira o orçamento deles. Vão ficar sem
orçamento até 2020. Vai ser coisa pesada, não tem brincadeira com esse
negócio, não.

Que projeto o senhor vai colocar para votar
para testar o tamanho da base do governo? O pacote do ministro Sérgio
Moro pode ser esse termômetro?

O próprio Moro já me disse
que sabe que a Previdência é prioridade. O dele vai andar, e vamos
votar a Previdência antes. O pacote anticrime do Moro não é econômico e
não dá para testar com ele.

O senhor acha que as redes sociais vão influenciar as votações na Câmara?

Os movimentos têm força quando eles têm apelo na sociedade. Acho que a questão do Renan (Calheiros) tinha esse apelo (o movimento Fora, Renan influenciou a derrota do emedebista na eleição para a presidência do Senado). Depende do tema.

Mas os deputados youtubers vão estar no plenário…

Quando
o youtuber vira deputado, ele começa a ser cobrado daqui a algum tempo
sobre soluções. O seguidor dele vai querer saber como é que ele ajudou o
Brasil a sair da crise e como fez para que esses temas fossem
resolvidos.

Quando o senhor se emocionou ali no fim da eleição, foi exatamente por qual motivo?

Essa
pareceu a eleição mais fácil, mas foi a mais difícil. Foi uma
construção que precisou ser feita com muito cuidado. Havia um movimento
de mudança. Podia ter havido um movimento dos novos de não votar em quem
estava renovando mandato. Não sabíamos.

Muita gente se sentiu traída pelo senhor neste processo, o PT, o PSB…

O
PT fez o acordo comigo de que eu traria primeiro o PSL e, depois, o PT.
Na verdade, se alguém ali foi traído, fui eu. Eles vieram aqui em casa.
Mas eu disse que eu ia trazer o PSL antes, porque não podia ser
candidato de oposição. Eles falaram que não tinha problema nenhum. ‘Você
traz o PSL e depois a gente vem.’ Então, se alguém traiu ali, foi o PT.

O senhor vai concorrer ao Planalto em 2022?

Acho
que tem um quadro montado para 2022 em que não tenho espaço para isso. O
próprio presidente, governadores que são candidatos naturais e alguns
dos meus aliados. Cada um tem de saber o seu espaço.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.