Quando os jovens soldados do tiro de guerra do Exército brasileiro instalado no município de São José da Laje fizeram soar as notas tristes do saxofone com a “Marcha do Silêncio”, não foram poucas as pessoas de todas as gerações da cidade que não conseguiram segurar as lágrimas e emoções.

Dessa forma, foi realizada na quinta-feira (14) a missa solene na Matriz de São José, padroeiro do município, em homenagem e memória das mais de 1.200 pessoas mortas e mais de uma centena de desaparecidos até hoje no episódio que marcou os 50 anos da tragédia que devastou a cidade de São José da Laje, depois de uma enxurrada de água no fatídico dia 14 de março de 1969.

A solenidade teve ainda a aposição floral colocada no altar-mor da matriz, lotada de autoridades, personalidades, gente do povo e sobreviventes da tragédia que depositaram uma corbelha de flores brancas.

Em função dos 50 anos completados este ano e com o intuito de resgatar a memória e preservar a história da cidade, o prefeito de São José da Laje, Rodrigo Valença, encaminhou Projeto de Lei à Câmara Municipal de Vereadores que visa instituir no município o dia 14 de março como data anual em memória das vítimas da enchente de 1969, intitulada de “Dia da Saudade”.

“Nada mais justo e um gesto sensível do que lembrar para sempre dessas pessoas inesquecíveis e tão amadas por seus entes, instituindo o Dia da Saudade”, destacou o vice-prefeito Jerciton Freitas, um pernambucano radicado em São José da Laje há 22 anos, representando o prefeito Rodrigo Valença na solenidade, uma vez que o gestor titular se encontrava em Brasília.

“Esse dia de homenagens e reflexão não é só para os lajenses, mas para todas as pessoas que se sentem acolhidas aqui em nossa cidade, porque naquele dia 14 de março de 1969 muitos turistas se encontravam em nossa cidade na festa do padroeiro São José”, completa o vice-prefeito pernambucano, que se considera lajense de coração.

Emoção toma conta de todas as gerações de lajenses na matriz

Dona Enaura Felizberto dos Santos, 72 anos, foi uma dessas pessoas que não seguraram as lágrimas que insistiam em cair copiosamente do rosto marcado pelas lutas da vida ao longo da solenidade. “Ô meu filho, muita gente que morava perto de mim morreu e outras desapareceram para sempre”, contou.

Aos nove anos de idade, Paulo Roberto Pereira de Araújo, hoje com 58 anos, também presente à missa solene, relembrou que a imagem das pessoas mortas passando a todo instante na sua frente nunca saiu da cabeça. “Não tem como esquecer aquelas cenas. Isso marca qualquer criança”, diz Araújo, que já foi prefeito de São José Laje.

A equipe do jornal Tribuna Independente recebeu na ocasião uma deferência especial da prefeitura do município por ter produzido uma ampla reportagem sobre os 50 anos da enxurrada em Caderno Especial, além de um documentário detalhando o episódio da enchente do Rio Canhoto, em razão da chuva em excesso e mais o rompimento da barragem da Usina Serra Grande na cabeceira dos outros rios, no agreste setentrional de Pernambuco. A avalanche invadiu ruas, vielas e tudo que encontrara pelo caminho como um tufão, causou a morte de mais de mil e duzentas pessoas, segundo dados oficiais e fez desaparecer para sempre outras centenas de pessoas que não tiveram direito a sepultamento por parte dos entes queridos.

Em número de mortos, oficialmente 1.256 mortos registrados, segundo dados da Secretaria Extraordinária de Governo, à época, o episódio de São José da Laje está entre os maiores do planeta até hoje, segundo entidades que se preocupam com estatísticas relacionadas a grandes tragédias no mundo. A tromba de água derrubou ainda centenas de residências, prédios públicos e comerciais.

Fonte: Tribuna Independente / Wellington Santos