A proliferação de matéria orgânica e a consequente falta de oxigênio podem ser as razões que levaram à mortandade de peixes registrada na Lagoa Manguaba, em Marechal Deodoro, neste domingo (16). Pelo menos é o que explica o professor Carlos Ruberto Fragoso Júnior, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que publicou nas redes sociais uma análise sobre o caso.

De acordo com ele, o Centro de Tecnologia da Ufal vem desenvolvendo estudos sobre a qualidade da água das lagunas Mundaú e Manguaba desde 2015. Em março de 2019, as pesquisas registraram a maior floração de algas desde do início do projeto, com a concentração de clorofila-a (uma espécie de pigmento) em 250 µg/L, quase quatro vezes acima do limite.

“Este processo, associado aos eventos de floração de algas, favorece a produção de matéria orgânica autóctone (produzida internamente), a qual vem a ser sedimentada no fundo do ecossistema aquático devido à mortalidade das algas. Como a decomposição da matéria orgânica requer o consumo de oxigênio, a região da coluna d?água mais próxima ao fundo apresenta hipóxia (baixas concentrações de oxigênio dissolvido) e/ou anoxia (sem oxigênio)”, diz.

O quadro fica completo com o aumento da circulação da água. “Esta matéria orgânica presente no sedimento eventualmente pode ser ressuspendida em direção à coluna d?água com o aumento da circulação da água e/ou com aumento da altura das ondas devido às características do vento (intensidade e direção). Quando este evento de ressuspensão da matéria orgânica do fundo ocorre, as concentrações de oxigênio dissolvido na coluna d?água caem abruptamente, ocasionando uma mortandade massiva de peixes”.

Carlos Ruberto ressalta ainda que, nos cinco dias antecedentes ao fato em Marechal Deodoro, não se observou aumento significativo das vazões do Paraíba do Meio, o que sugeriria que os eventos não poderiam ser associados à descarga fluvial. Já a mudança na direção do vento, que nas 48 horas anteriores passou a se orientar predominantemente na direção sudoeste, pode ter contribuído para a situação.

“Tal direção e duração do vento favoreceram a ressuspenção de matéria orgânica na margem oeste da laguna Manguaba. Assim, pode-se observar que a mudança no padrão da direção do vento, associada às altas concentrações de matéria orgânica no fundo da laguna, funciona como ‘gatilho’ para os dois últimos eventos de mortandade de peixes ocorridos”, aponta.

O professor destaca, porém, a presença humana como um agravante. “Cabe ressaltar que a causa deste fenômeno tem como gênese o aporte de matéria orgânica e de nutrientes que convergem para a laguna Manguaba, que é intensificado pelos lançamentos de efluentes domésticos, industriais e difusos. Enquanto estes problemas não forem combatidos na fonte, eventos de mortandade de peixes tendem a ser mais intensos e frequentes na laguna Manguaba”.

Confira a explicação completa do professor:

“A laguna Manguaba faz parte do Complexo Estuarino Lagunar Mundaú Manguaba, tem área superficial de aproximadamente 42 km2, profundidade média de 2,20 metros, a qual recebe descarga fluvial média de 28 m3/s das bacias do rio Paraíba do Meio e do rio Sumaúma. Na região, o vento sopra predominantemente na direção sudoeste. A laguna Manguaba é caracterizada por condições de eutrofização, apresentando eventos regulares de floração de algas, sobretudo no final do verão. As condições hidrodinâmicas na laguna Manguaba não favorecem a renovação de suas águas, uma vez que o tempo de residência médio (i.e. tempo médio que uma partícula passa dentro do sistema) na laguna é de 36 dias. No entorno da laguna Manguaba existe um uso intensivo do solo com a presença de áreas agrícolas (principalmente o cultivo de cana-de-açúcar e coco), áreas urbanas (municípios de Pilar e Marechal Deodoro com 30 mil e 46 mil habitantes, respectivamente), promovendo um significativo aporte de matéria orgânica e de nutrientes por efluentes domésticos, industriais e difusos.

O Centro de Tecnologia da Universidade Federal de Alagoas, no âmbito de projetos de pesquisa apoiados pelo CNPq e Finep, vem desenvolvendo estudos sobre a qualidade da água das lagunas Mundaú e Manguaba com a realização de monitoramentos regulares no tempo e de grande extensão espacial, desde 2015. A campanha realizada no final de março de 2019 revelou a maior floração de algas já registrada desde do início do projeto de pesquisa, onde em alguns pontos a concentração de clorofila-a (pigmento presente nas algas) registrada foi de 250 µg/L, quase 4 vezes acima do limite para ecossistemas aquáticos hipereutróficos (nível de estado trófico mais extremo). Este processo de eutrofização, associado aos eventos de floração de algas na laguna Manguaba, favorece a produção de matéria orgânica autóctone (produzida internamente), a qual vem a ser sedimentada no fundo do ecossistema aquático devido à mortalidade das algas (organismos de ciclo de vida curto). Como a decomposição da matéria orgânica requer o consumo de oxigênio por microrganismos decompositores, a região da coluna d?água mais próxima ao fundo apresenta hipóxia (baixas concentrações de oxigênio dissolvido) e/ou anoxia (sem oxigênio). Esta matéria orgânica presente no sedimento eventualmente pode ser ressuspendida em direção à coluna d?água com o aumento da circulação da água e/ou com aumento da altura das ondas devido às características do vento (intensidade e direção). Quando este evento de ressuspensão da matéria orgânica do fundo ocorre, as concentrações de oxigênio dissolvido na coluna d?água caem abruptamente, ocasionando uma mortandade massiva de peixes e de outros seres aquáticos (micro e macro-crustáceos, invertebrados, moluscos, dentre outros).

Nos cinco dias antecedentes aos eventos de mortandades de peixes ocorridos na laguna Manguaba não se observou um aumento significativo das vazões do Paraíba do Meio, sugerindo que estes eventos de mortandade não estão diretamente associados à descarga fluvial.

Com relação ao comportamento do vento nos cinco dias antecedentes aos dois eventos de mortandade de peixe, os registros indicaram um padrão intradiário regular para a intensidade do vento, com maiores velocidades próximo ao meio dia e menores velocidades durante a madrugada. No entanto, a direção do vento muda de um comportamento intradiário regular e passa se orientar predominantemente na direção sudoeste nas 48 horas antecedentes aos dois eventos de mortandade de peixes. Tal direção e duração do vento, favoreceram a ressuspenção de matéria orgânica na margem oeste da laguna Manguaba (onde está localizado o município de Marechal Deodoro). Assim, pode-se observar que a mudança no padrão da direção do vento, associada às altas concentrações de matéria orgânica no fundo da laguna, funciona como “gatilho” para os dois últimos eventos de mortandade de peixes ocorridos.

Cabe ressaltar que a causa deste fenômeno tem como gênese o aporte de matéria orgânica e de nutrientes que convergem para a laguna Manguaba, que é intensificado pelos lançamentos de efluentes domésticos, industriais e difusos. Enquanto estes problemas não forem combatidos na fonte, eventos de mortandade de peixes tendem a ser mais intensos e frequentes na laguna Manguaba”.

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