O desvio de finalidade do dinheiro que deveria tirar da miséria os alagoanos deve ser explicado em detalhes para a sociedade civil. Conforme pedido protocolado no Gabinete Civil, na última semana, o governo Renan Filho (MDB) deverá prestar contas do Fundo Estadual de Combate à Pobreza (Fecoep). A cobrança foi feita pelo Fórum Nacional de Combate à Corrupção Eleitoral (FNCCE), na última quinta-feira (29). De 2014 até junho deste ano, o Fecoep arrecadou R$ 884,3 milhões e, por esta razão, há necessidade de abertura da “caixa preta” que envolve os recursos.

O pedido, feito pelo representante da entidade em Alagoas, Bekman Amorim de Moura, foi subscrito pelo advogado Carlos Alberto da Silva Albuquerque. Para ter acesso aos números, eles se baseiam na Lei de Acesso à Informação, de n° 12.527/2011. A entidade optou pelo protocolo para que possa ter o posicionamento oficial do caminho feito pelo dinheiro.

No documento, o FNCCE pede que o Executivo preste contas do exercício financeiro de 2016 a 2018. Além disso, pede também que seja informado como foi utilizada parte dos recursos que foram aplicados nos 102 municípios alagoanos. O objetivo é identificar quantos alagoanos deixaram a linha de pobreza a partir desses investimentos nos últimos anos.

Não bastassem todos esses encaminhamentos, o FNCCE quer conhecer o planejamento e o relatório de todos os programas, juntamente com as ações que devem ser atendidas em 2019, com base no que foi definido pelo Conselho Integrado de Políticas de Inclusão Social (CISPIS), que é regido pela Secretaria de Estado da Assistência Social.
Pelo menos do ponto de vista institucional, os recursos e a função social do que é arrecadado são tidos como política governamental de prioridade. Tanto que, conforme determinado em lei, o CISPIS é presidido pelo próprio governador Renan Filho.

Outra questão que também despertou o interesse do FNCCE é que, desde que assumiu o comando do Estado e adotou o modelo de conversa com os alagoanos por meio das redes sociais, nunca foi feita nenhuma transmissão ao vivo das reuniões que definem os rumos do Fecoep, e nem o próprio governador enfatizou o próprio fundo.

Ao invés disso, segundo o FNCCE, tem-se priorizado destacar as obras de engenharia – leia-se, os investimentos em Saúde, para a construção de UPAs e até mesmo o Hospital Metropolitano, erguidos com recursos do próprio Fecoep. Isso é possível porque foi feita a modificação da lei que criou o Fundo para que o Executivo pudesse ter uma margem de acesso ao que é arrecadado, de 30%.

Conforme apurou a Gazeta e foi confirmado pelo FNCCE, a composição do CISPIS não é paritária. Ou seja, não tem a mesma quantidade de membros governamentais e da sociedade civil. Na prática, significa dizer que, por ter maioria na representação, toda e qualquer pauta ou proposta colocada em votação será sempre em favor da orientação do próprio governo.

A própria ligação dos recursos, por ser um tributo oriundo da cobrança de 2% a mais do ICMS da comercialização de bebidas alcoólicas, fogos de artifício, armas e munições, embarcações de esporte, ultra-leves e asas deltas, rodas esportivas automotivas, gasolina, álcool anidro e hidratado para fins combustíveis, faz com que seja gerido pela Secretaria de Planejamento e Gestão.
Mas o mais intrigante até o momento é que, mesmo tendo em sua grafia a atribuição de combater a pobreza, desde que foi criado há 14 anos, nunca foi elaborado o Plano de Combate à Pobreza para a sua regularização. Desta forma, o direcionamento de tudo que foi utilizado até hoje é resultado do debate do CISPIS e da orientação do próprio Palácio República dos Palmares.

Sem plano e planejamento, não se sabe, de forma estatística, quem saiu da “linha de pobreza”, em quais regiões do Estado isso ocorreu e, principalmente, quais os próximos passos para que tal processo possa ser desencadeado. Na prática, o Fecoep tem funcionado como mais uma fonte arrecadadora que tem dado margem de investimento do Executivo.

Tal situação já foi detectada por alguns parlamentares na Assembleia Legislativa Estadual (ALE). Tanto quem integra a base do governo como os independentes já denunciaram a burocracia para o repasse do dinheiro e, também, a forma de ter acesso a ele. O número de certidões e documentos exigidos é apontado como uma das barreiras a serem transpostas.

Vale lembrar que nenhum deles – Jó Pereira (MDB), Bruno Toledo (Pros), Dudu Ronalsa (PSDB), Davi Maia (DEM), entre outros – que já se pronunciaram sobre o tema são contrários ou questionam a importância das entidades e programas que já receberam ou recebem recursos do Fecoep. Entretanto, reconhecem que não é possível identificar onde sua respectiva aplicação representou um combate à pobreza.

Sem dados estatísticos, sem estudos que indicam as famílias que superaram essa condição, no mínimo reconhecem que o dinheiro tem servido para manter quem dele necessita, do que necessariamente criando as condições para que avancem socialmente, até para garantir a inclusão de outros grupos. Na prática, o que ocorre até hoje é que os pobres que já foram alcançados continuam pobres e estagnados na mesma condição econômica.

E não foi por falta de dinheiro. Um breve extrato do que foi arrecadado de 2014 até junho passado indica o seguinte:

2014: R$ 67.022.025,26;

2015: R$ 74.875.517,25;

2016: R$ 139.026.250,83;

2017: R$ 178.483.065,65;

2018: R$ 274.774,557,30;

2019: R$ 150.071.138,97 (até junho deste ano)

Diante do volume de recursos e, ainda, segundo o IBGE, da existência de 800 mil alagoanos vivendo abaixo da linha de pobreza, surge a necessidade da criação de uma CPI do Fecoep. O embate de forças pode ser desfavorável em relação aos que preferem andar de mãos dadas com o Palácio e de olhos fechados para as verdadeiras necessidades do povo alagoano.

Informações

Esta não é a primeira vez que o FNCCE sai em busca de informações de interesse público. Atento à repercussão na imprensa, em especial na Gazeta, seus integrantes também já protocolaram ofício com base na mesma Lei de Acesso à Informação em busca das minúcias que cercam os gastos de R$ 20 milhões do governo com publicidade, dos quais R$ 17,24 milhões com serviços da empresa STQ, localizada em Santo André (SP). Um dado importante é que, com serviços de áudio e vídeo, foram pagos pelo governo de Alagoas R$ 4,7 milhões.

Por Marcos Rodrigues | Portal Gazetaweb.com