O tradicional Caldinho do Vieira, referência no bairro do Pinheiro, encerrou suas atividades após 47 anos. Desde o ano passado, os proprietários negociavam a saída do local, a intenção era permanecer até receber a indenização, o que não ocorreu. Agora, seu José Vieira e a família dependem do pagamento da Braskem para decidir o futuro do empreendimento.

A filha de José Vieira, Sheila Vieira conta que a decisão de encerrar as atividades no bairro veio após muitas tratativas.

“Em março ou abril do ano passado recebemos a notificação de que aquela rua em que ficava o caldinho entrou no mapa e que teríamos um prazo para desocupar, porque o bairro todo já está quase desocupado. A gente tentando com a empresa, vendo a questão da indenização, porque como o prédio é próprio e meu pai já é uma pessoa idosa, eles falaram que a gente aguardasse mais um pouco, antes do fechamento total na localidade. A intenção do meu pai era comprar um novo prédio, não depender de aluguel, mas como não aconteceu e a empresa sempre questionando que só poderíamos entrar no processo de indenização após entregar o imóvel, a gente na semana passada fechou acordo de encerrar e aguardar a indenização. Enviamos os documentos, eles deram um prazo, a gente decidiu fechar e receber para tentar comprar outro ponto. A empresa não diz nada, a gente não tem nem como ter noção de quanto vai ser essa indenização ou quando iremos receber”, diz.

A história do Caldinho do Vieira se confunde com o desenvolvimento do bairro do Pinheiro. A tradicional receita de caldinho de feijão foi o “abre-alas” para a confecção dos mais variados petiscos que ajudaram a construir o nome de seu Vieira no estado.

“O nome caldinho do Vieira foi meu pai que colocou. Meu pai foi um pioneiro. Moramos há 60 anos no bairro, meu pai foi um dos poucos a começar um negócio enquanto ali tudo era mato. A família dele, muito antes, uns 70 anos atrás, já servia a receita, ele deu uma incrementada, mas a receita original é de uma tia minha, que tinha restaurante em Pão de Açúcar, é uma história de família. Aqui em Maceió foi ele que começou do zero”, relembra.

O fato é que uma das esquinas mais conhecidas do bairro do Pinheiro deixou de ter a fama dos últimos quarenta anos. Sheila diz que a família ainda avalia como será a retomada do negócio. Não há prazo, local ou formato definidos: tudo depende da resposta da Braskem, afirma.

“Meu pai tem sim a intenção de reabrir, até porque temos uma história. Não decidimos ainda se teremos um ponto físico ou apenas delivery, mas de fato ele tem a intenção de reabrir. A família tem esse desejo, até porque fomos muito solicitados, na última semana de funcionamento ouvimos muito isso dos frequentadores”, enfatiza.

Sheila afirma que é preciso dar sequência ao legado gastronômico que o pai iniciou e revela ainda que a decisão de fechar as portas impactou toda a família. “Para a família foi um abalo muito grande porque em 2017 para 2018 meu pai teve uma boa proposta de uma rede grande aqui em Alagoas para comprar o nome e o prédio, e ele não tinha objetivo porque para ele aquilo é a vida dele, então para a família foi um abalo muito grande a questão de fechamento. A gente sabe que a família toda foi abalada, mas temos a esperança de que a empresa tenha sensibilidade e não nos pague apenas o ponto, porque a gente não está vendendo. Esperamos uma boa indenização para continuar a história”, detalha.
Sem indenização, família luta para pagar a rescisão aos funcionários

Além da família Vieira, outras cinco dependem diretamente do funcionamento do Caldinho, ou pelo menos dependiam, é que com o fechamento, os cinco funcionários serão demitidos. Além de lidar com o prejuízo do fechamento, seu Vieira decidiu que irá arcar com as verbas rescisórias dos colaboradores “do próprio bolso”. A filha dele conta que a situação é difícil e que não há respaldo jurídico para a situação.

“A gente não está demitindo, estamos fechando por uma ocasião que não foi decisão nossa, mas por uma tragédia provocada. A Braskem disse que vai ser tudo resolvido, mas a gente não tem acesso ao jurídico, a mediadores. Mas como é que estou nesse processo há mais de sete meses e não foi nada fechado? Eu não sei quanto tempo a mais eu tenho para esperar isso. Eu ligo quase toda semana e ninguém sabe esclarecer, dar um prazo. Então meu pai, ele não tem a paciência de esperar. Porque enquanto a empresa está dizendo isso, ele tem um respeito pelos colaboradores dele e vai indenizar. Ele está sendo prejudicado, mas resolveu indenizar. Ele não vai esperar para quando a empresa resolver indenizar. Meu colaborador não pode esperar, ele tem uma família, tem um emprego. Não está sendo fácil, já ligamos para Tribunal do Trabalho, Regional, Federal, mas ninguém sabe esclarecer nada”, pontua.

Ela afirma ainda que segundo relatos de empresários, as verbas rescisórias de funcionários das empresas que receberam propostas não estariam sendo contabilizadas pela Braskem.

“Algumas pessoas que a gente conhece que tiveram proposta relataram que não tiveram valor de indenização de funcionário e isso é muito sério. Eu fiz denúncias ao Tribunal de Justiça Federal porque não sei o que esperar. Procuramos o MPT, mas pela questão da pandemia fizemos solicitação por telefone. Ninguém sabe o que será feito. Eu não escolhi demitir, estou sendo obrigada a fechar. Dois empresários que foram chamados numa das reuniões de finalização do processo não tiveram proposta de indenização e pediram revisão porque os empregados não tinham sido contemplados e eu espero que isso não aconteça. Se isso acontecer de fato a gente não vai aceitar”, diz.

A reportagem esteve em contato com o Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre o assunto. Por meio de assessoria de comunicação, o órgão afirmou que devido às cláusulas do acordo, cabe ao Ministério Público Federal (MPF) o acompanhamento das indenizações, ainda que o assunto esteja relacionado a situação de relação de trabalho.
“Fechamento do estabelecimento simboliza perdas de todos os empresários”

O presidente da Associação dos Empreendedores do Pinheiro, Alexandre Sampaio lamenta o fechamento do estabelecimento, o que segundo ele, simboliza as perdas que todos os empresários da região vêm sofrendo.

“O fechamento do caldinho do Vieira e todo o drama vivenciado é o símbolo do que acontece com outras 3.500 empresas do bairro do Pinheiro, Mutange, Bom Parto, Bebedouro e agora do Farol. São empresas que amargaram o prejuízo do esvaziamento do bairro, depois amargaram a omissão do MPF que fez acordo sem definir com clareza prazo e critérios para que as empresas sejam indenizadas deixando isso a cargo da Braskem. E a Braskem simplesmente não está pagando. E finalmente, nas empresas que saíram, que acreditaram no MPF e Braskem, definiram um prazo de 60 dias para as empresas que fossem realocadas e assinaram o termo para início do processo, a Braskem não está cumprindo, já denunciamos várias vezes, em novembro o MPF fez ajustamento de conduta e não está cumprindo e o MPF simplesmente não se manifesta. Para a gente o que acontece no Caldinho do Vieira simboliza o fim trágico de um bairro, fruto de uma mineração criminosa e da omissão dos poderes públicos”, critica o empresário.

Segundo informações da associação, apenas 12% das empresas foram indenizadas desde o início do programa de compensação. Além disso, o presidente da entidade reclama da demora no recebimento. Segundo ele, alguns estão aguardando há mais de 150 dias por uma proposta.

“Pelo que eu soube foram empresas que funcionavam em imóveis de uso misto, que funcionavam na garagem, na sala, a pessoa morava em cima e funcionava embaixo. Em torno de 12% das empresas realocadas e isso é muito pouco. Até agora nenhuma empresa da associação foi indenizada, são mais de 100 empresas conosco. Temos mais de 50 que apresentaram toda a documentação e aguardam há 150 dias, 90, 60 dias e não houve proposta da Braskem. Nenhum empresário da nossa associação recebeu. E não temos notícia de nenhuma empresa que tenha recebido e tenha informações sobre isso, a Braskem está represando isso, tem grana na conta do acordo e eu fico impressionado como os órgãos estão inertes e coniventes com esse atraso que não faz nenhum sentido”, diz Alexandre.

Em nota, a Braskem informou que fez alterações no programa de compensação “atendendo a demandas da comunidade”. Entre as mudanças está uma equipe específica para atender empreendimentos e possibilidade de adiantamento no valor de indenizações. No entanto, a empresa não informou quantas empresas ainda estão no aguardo de suas indenizações.

“O Programa de Compensação conta agora com uma equipe exclusiva para atender comerciantes e empresários das áreas de desocupação, ouvindo uma demanda da comunidade. Essa equipe especializada tira dúvidas e dá suporte no levantamento de informações e documentos necessários para a mudança, além de conduzir os cálculos de compensação financeira dos comércios e negócios. O comerciante pode pedir um adiantamento dessa compensação financeira para cobrir despesas extras referentes à mudança de local, inclusive eventuais custos com as verbas rescisórias. O valor também pode ser definido de acordo com o porte de cada empresa. Se os valores adiantados forem utilizados com despesas relativas à realocação ou paralisação das atividades, não haverá desconto da indenização”, disse a petroquímica.

Sobre o cálculo das indenizações relativas às verbas rescisórias de funcionários, a Braskem não deixou claro se há composição do item nos valores indenizados. “Na compensação dos empreendedores, o Programa considera os lucros cessantes e paga os honorários do advogado até 5% do total indenizado, limitado a R$ 100 mil. Até o momento, são 1.791 negócios locais identificados, e cerca de 95% já foram realocados. Aos comércios localizados até a Zona D, que estão em atendimento pelo Programa desde outubro último, mais de 650 propostas já foram apresentadas, o que corresponde a aproximadamente 55% do total de comércio nestas áreas”, explicou a Braskem.

Fonte: Tribuna Independente / Evellyn Pimentel
(Foto: Edilson Omena)