A Medida Provisória 1063, publicada, na última quinta-feira (12), no Diário Oficial da União, não deveria concentrar esforços em alterar regras regulatórias do setor de combustíveis que não tragam qualquer benefício para o consumidor e nem para os agentes regulados”, diz o Sindicato do Comércio Varejista de Combustíveis e Lubrificantes de Alagoas (Sindicombustíveis/AL) seguindo o posicionamento da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis). Especialistas da área econômica ouvidos pela reportagem divergem.

De acordo com as entidades, a principal mudança é a liberação da venda direta de etanol hidratado por produtores e importadores para os postos de combustíveis a partir de 1º de dezembro (primeiro dia do quarto mês, após a publicação da MP).

“No entanto, a nova regra (venda direta de etanol) só valerá para os postos bandeira branca. Já os postos que possuem contratos assinados com as distribuidoras certamente terão que respeitar as cláusulas de exclusividade”, destacaram.

Para a Fecombustíveis, está MP (item venda direta de etanol) não vai eliminar os riscos de sonegação, que já é elevada e crônica no setor de etanol.

“A segunda medida da MP flexibiliza a tutela regulatória de fidelidade à bandeira ao permitir que um posto bandeirado possa comercializar combustíveis de outros fornecedores que não o da marca que o posto ostenta. Esta medida ainda deverá ser regulamentada pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) no prazo de 90 dias a partir da data da publicação da MP. Ou seja, entrará em vigor em 10 de novembro”, explicaram.

Ainda conforme as instituições, esta regra não se aplica aos contratos vigentes, somente será válida aos contratos futuros caso haja consenso entre distribuidora e revendedora. “Ou seja, as distribuidoras podem simplesmente não aceitar que os seus postos exclusivos façam uso da regra”.

“Portanto, a Fecombustíveis considera a regra inócua, já que as distribuidoras já estão se posicionando por notas escritas contra a possibilidade de negociar cláusulas contratuais que permitam a comercialização sem exclusividade em postos bandeirados. Parece ser mais uma medida federal que não trará qualquer benefício prático”, salientou.

Segundo o governo federal, o novo arranjo contribui para a eficiência logística do setor de combustíveis, promovendo a concorrência e visando à redução do preço final pago na bomba pelo consumidor.

O Ministério de Minas e Energia sustenta que o novo modelo de revenda é facultativo e que os contratos em vigor devem ser respeitados.

A fiscalização da qualidade do combustível continuará sendo de responsabilidade da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). O governo não informou se haverá aumento da fiscalização.
“Impacto é reduzido e preços devem continuar no mesmo patamar”

Teoricamente, as usinas que têm destilarias anexas, como são as 12 das quinze unidades produtoras de açúcar em Alagoas, serão beneficiadas pela possibilidade de comercializar o etanol hidratado diretamente com os postos de combustível, sem passar pela distribuidora de combustíveis, como é feito atualmente.

O economista Cícero Péricles explicou que essa seja uma possibilidade. “Mas, para que isso ocorra, há necessidade de acordo entre os postos e as destilarias, e a destilaria terá que ter uma infraestrutura de entrega, a parte da logística”, frisou.

“Neste caso, com a entrega direta, o custo de transação entre destilaria, distribuidora e posto de combustível desaparece, diminuindo o preço do etanol na entrega. Existe a possibilidade disso se refletir no preço final. Uma redução pequena, de alcance limitado nos preços do etanol hidratado. Mas ainda é incerto, tanto que a própria ministra da Agricultura fala em potencial queda de preços”.

No caso da venda direta, segundo ele, a expectativa é que as usinas comercializem etanol somente para os postos próximos da sua destilaria. É que o custo do frete encarece o preço final. “Provavelmente, as usinas nordestinas não terão condições de criar, pelo menos no curto prazo, uma rede logística de entrega do etanol competitiva em relação às distribuidoras, que continuarão sendo o elemento-chave entre a usina e o posto de combustível. O impacto dessa medida é reduzido e os preços devem continuar no mesmo patamar”, ressaltou o economista.

IMPOSTOS

Para Cícero Péricles, a Medida Provisória abre uma polêmica sobre a cobrança de impostos e outras questões que serão resolvidas durante o processo de aprovação pelo Congresso, até o final do ano.

Pelo texto, o economista comentou que serão criados dois sistemas de cobrança. Um para a venda do etanol hidratado pelas distribuidoras que continuarão pagando o PIS/Cofins, conjuntamente com as usinas. “No caso da venda direta do etanol, o produtor, a usina, terá que recolher todos os impostos federais, que serão recolhidos exclusivamente pelas usinas. Neste caso, abre-se possibilidade de evasão fiscal porque, atualmente, são poucas as distribuidoras que controlam quase todo esse mercado nacional, facilitando a fiscalização; mas, na venda direta, são quase quatrocentas usinas com capacidade de produzir e comercializar o etanol em todos os estados”, mencionou.

E um segundo problema será criado para as finanças dos Estados. De acordo com Péricles, pela nova regulação, os estados perderão parte da cobrança do ICMS, quando a venda for direta pelo produtor. “Como as distribuidoras continuarão vendendo combustível, poderá ocorrer uma assimetria concorrencial, porque o mesmo produto terá duas tributações diferentes. Outro problema é a possibilidade de vendas, no mesmo posto, de diferentes distribuidoras. Hoje, a marca da distribuidora garante a qualidade no posto de combustível”.

O especialista completou dizendo que a possibilidade da quebra da exclusividade da comercialização de combustíveis com as distribuidoras, abre margem para perda de qualidade de um setor que já é muito visado pelos consumidores em todo o país.
“Preço do etanol pode baixar com medida”

O contador Marcello Quirino reforçou que com esta operação, a compra do álcool anidro ou o hidratado passa a poder ser comercializado diretamente do produtor (destilaria ou usina) para os revendedores – postos de combustíveis.

Para ele, a ideia principal da MP é reduzir o preço para o consumidor. Isso se dará principalmente, conforme Marcello, pela redução do custo do transporte para as grandes distâncias, pela mudança das regras tributárias do ICMS em cada Estado e pela retirada do próprio governo da rodada de negócios.

Quirino acredita que os mais beneficiados economicamente com a medida devem ser o consumidor final e os postos de combustíveis, chamados bandeira branca, (aqueles que não possuem contrato com as grandes marcas).

“Pois se está retirando uma perna grande que atravessa este processo de revenda. Por exemplo, aqui em Alagoas, o álcool, por não ser vendido direto aos postos, ele sai daqui para a refinaria em Pernambuco e de lá volta para os postos através de venda pelas refinarias. Com esta mudança, este processo vai mudar, reduzindo o custo de transporte e de tributos”, pontuou.

De regra, o contador disse que a expectativa é que caia somente o preço do álcool, sem atingir os demais combustíveis.
Setor deve beneficiar mercado varejista e produtores de álcool

Luciana Caetano, também economista, disse que suspeita que realmente a MP tenha influência sobre o preço, e se assim for, acredita que vai beneficiar os dois elos na cadeia: os produtores de álcool e o mercado varejista, que comercializa na ponta, que são os postos de gasolina.

“Eles podem dividir essa margem extra de lucro e uma possibilidade mais remota que efetivamente reduzam o preço considerando que temos a saída de um agente intermediário, que significa também a saída de uma margem de lucro que remunera o mesmo. Mas lembrando de que este é um setor cartelizado e que pode gerar um acordo que beneficie tanto o mercado varejista como os produtores de álcool. Vai depender muito de como eles se reorganizem frente essa medida provisória”, salientou.

Ela explicou também que em primeiro lugar considerando o preço do álcool em relação à gasolina é praticamente o mesmo, ou menor na maioria das vezes, se for considerado e tomando como referência, o que é adicionado à gasolina é um percentual de 25 a 27 por cento.

“Então o peso do etanol mesmo na gasolina é relativamente baixo, não representa nem 30% do preço total. Ainda assim, é importante considerar que o setor de distribuição de combustíveis, no caso dos postos de gasolina, eles formam um cartel e todo o setor cartelizado pode em comum acordo definir uma elevação da margem de lucro, em vez de redução de preço ao consumidor final”, observou.

“Claro que ninguém iria sozinho aumentar o preço, enquanto outros ficam liberados a reduzirem. Mas é bom lembrar que este é um setor cartelizado e pode sim acontecer de não haver nenhuma alteração em função de ser uma cadeia produtiva dominada por oligopólios que formam cartéis e definem oferta e preço em função da margem de lucro previamente determinada”, ponderou Luciana Caetano.

Para ela, seria importante saber de onde é que está vindo essa medida provisória, muito provavelmente não vem do consumidor final, mas dos produtores de cana. “Então, se é uma Medida Provisória para beneficiar o setor, acho pouco provável que eles estejam dispostos a abrirem mão de qualquer centavo de lucro”, finalizou.

TRIBUNA HOJE
(Foto: Edilson Omena)