O simples fato de deslocar-se de casa para a escola ou para a universidade virou uma verdadeira ginástica para economizar em dias de dinheiro curto, desemprego e inflação alta. Estudos mostram que os gastos com transporte comprometem perto de 20% do orçamento familiar. Nesse ponto, estima-se que cerca de cinquenta mil estudantes de Maceió possa tirar um peso do bolso e serem beneficiados com o Passe Livre Estudantil.

Um dos estudantes beneficiados com o Passe Livre é o Lucas Rocha, de 21 anos, morador do bairro Feitosa, em Maceió, onde divide o lar com três pessoas: a mãe, o pai e a irmã, de 9 anos. Ele conta que, antes do benefício, o transporte era uma das despesas mais caras para a família.

“Desde o início da faculdade, quando comecei a realmente depender dos ônibus, sempre foi um peso os valores do passe. Tendo a carteirinha estudantil, pagando metade do valor, ainda era possível caber no orçamento sem tanto transtorno. Mesmo assim, qualquer atraso no recadastramento ou coisa do gênero, o valor inteiro no final do mês se tornava quase impraticável pra mim”, relata.

Na casa onde vive, Lucas faz estágio e os pais trabalham. A irmã mais nova também estuda. Ele, que foi beneficiado pelo Passe Livre, retrata que estuda no bairro Cidade Universitária e faz o estágio no Farol, extremos da capital alagoana. “Por causa do trânsito, o caminho de casa para o estágio se torna mais longo, cerca de 30 minutos. Para a Ufal, apesar de agora estarmos em aula online, era cerca de uma hora ou mais, dependendo do trânsito”, diz.

Passe Livre é alívio no bolso, conta estudante

Lucas conta, ainda, que ter o Passe Livre é um alívio importante nesse momento, principalmente para os estudantes que não têm bolsa ou ganham pouco no estágio onde trabalham. Ter menos esse peso no orçamento representa uma grande ajuda. “Com o dinheiro, fico mais confortável em fazer outras coisas que antes evitava. Os valores me deixam mais livre para me organizar e gastar com saúde e principalmente alimentação”, desabafa.

Quando questionado sobre o processo para cadastramento para ser contemplado com o passe, o estudante de jornalismo diz que não teve dificuldade. “Com o agendamento, a demanda não se acumula lá na antiga Transpal (Cartão Bem Legal) e não há em nenhuma fila. Como a liberação também é extremamente rápida, não acumula gente lá, e o meu foi liberado até antes do meu horário, porque já não tinha mais ninguém na minha frente. A única espera é a espera pelo dia do agendamento”, lembra.

Para Lucas, o sistema é extremamente necessário e é um respiro muito importante para o estudante, principalmente para os que vivem em maior vulnerabilidade. “Para o universitário, que depende do transporte publico diariamente para estudar, trabalhar, e para qualquer outro deslocamento, ter o direito de se deslocar garantido pela gratuidade é menos uma pressão na nossa cabeça. Espero que o sistema do Passe Livre perdure e seja realmente sustentável a longo prazo, porque para quem depende dele é até uma garantia do mínimo de dignidade”.

Gastos com transporte

Em 2019, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizou a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e constatou que o gasto das famílias brasileiras com transporte ultrapassou a quantia utilizada para alimentação. Naquele ano, o levantamento mostrou que no Brasil em média 18,1% do orçamento familiar eram destinados a transporte, enquanto 17,5% da renda eram utilizados para a compra de alimentos.

Estudo feito pelo Numbeo (banco de dados global de contribuição colaborativa de preços relatados pelo consumidor e de estatísticas) no início do segundo semestre de 2020 revelou um ranking com os 100 países que possuem o passe mensal do transporte público mais caro do mundo. A lista apontava que o Brasil estava entre as primeiras 50 nações na qual cada cidadão brasileiro paga em média R$ 200 por mês para andar de ônibus e metrô. Tomando como base o salário-mínimo daquele ano – que era de R$ 1.045 – constatou-se que o brasileiro gastava por volta de 19,13% de sua remuneração mensal com os veículos públicos.

Passe ajuda na continuidade dos estudos

Assim como Lucas, a estudante de Relações Públicas, Bianca Souza conta que está economizando cerca de R$ 70,00 por mês. “Foi muito importante essa economia visto que o preço de tudo aumentou, então com o dinheiro da passagem já consigo utilizar esse outra coisa para casa ou para mim”, explica a universitária.

Bianca mora no bairro Clima Bom com quatro pessoas. Ela faz estágio no Farol e também estuda no bairro Cidade Universitária. Normalmente, o deslocamento é de 50 minutos, entre ida para o estágio e volta para casa ou para a Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Para conseguir o Passe Livre e economizar nesse trajeto, a estudante diz que fez o agendamento e conseguiu para a mesma semana.

“Marquei meu horário para 14h15, mas acabei chegando lá 13h50 e logo fui atendida. Não demorou 5 minutos.O Passe Livre é na teoria ótimo e na prática, perfeito. Não acreditava que iria acontecer mesmo. No começo do meu curso eu não trabalhava então era muito ruim de conseguir passagens, visto que existiam outras prioridades, e acredito que seja o caso de outras pessoas também. Então, essa preocupação a menos tranquiliza o estudante de que ele não vai se evadir do curso por essa causa. Espero que essa iniciativa se consolide e que beneficie todos os estudantes”, conta.

Outro estudante que logo quis aderir ao passe foi o Lucas Matheus Falcão da Silva, 20 anos, que estuda Ciências Econômicas. Ele conta que a economia foi importante nesse momento. “Tenho economizado cerca de R$ 90,00. Sim, essa economia é de extrema importância, principalmente nesse período de máxima inflação histórica desde a criação do plano real”, disse.

Morador do Jacintinho, o tempo de deslocamento da sua casa para o trabalho ou para a instituição de ensino é de cerca de 1 hora, por conta do intenso trânsito em horário de pico. “Com essa altíssima inflação, não tenho ajudado em muita coisa dentro de casa com a economia das passagens que eu comprava, apenas ajudando no básico. Para ter uma noção, ajudo a pagar a conta de energia”, conta, acrescentando que mora com 6 pessoas.

Implantação do Passe Livre foi decisão acertada, diz Sinturb

A reportagem conversou também com Guilherme Borges, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Urbano de Passageiros de Maceió (Sinturb) e perguntou como avalia a implantação do Passe Livre Estudantil. “A implantação do Passe Livre foi uma decisão acertada da atual gestão municipal, pois beneficia diretamente os estudantes que precisam do transporte público para ir e voltar de suas aulas. Na verdade, o Sinturb atua mais na parte operacional do Passe Livre, cumprindo os termos de conduta estabelecidos pela SMTT e realizando os cadastros e recadastramentos estudantis”, explica.

De acordo com Guilherme Borges, a Prefeitura de Maceió dispõe de todos os dados referentes aos estudantes, o custo da implantação da gratuidade e que a viabilização do Passe Livre é uma forma de subsidiar o sistema para buscar o equilíbrio econômico financeiro e também incentiva os estudantes a voltarem a andar de ônibus.

“Levando em consideração que era uma demanda antiga dos estudantes e que o acesso à educação é uma prioridade da gestão, a Prefeitura de Maceió realizou estudos de viabilidade, que permitiu verificar a possibilidade da implantação e subsídio do Passe Livre na capital. O aporte financeiro da Prefeitura em favor dos cidadãos que utilizam o Sistema Integrado de Mobilidade de Maceió (SIMM) é de R$ 2,5 milhões, incluindo o suporte das gratuidades no transporte público e a redução da passagem para o valor de R$ 3,35, que é a mais barata entre as capitais”, reforça a Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT).

A aplicação desses recursos que garantem a melhoria do serviço, segundo a SMTT, foi iniciada em junho deste ano, após tratativas que contaram com a participação de representantes dos Ministérios Públicos Estadual e de Contas.

Segundo a SMTT, a medida faz parte das ações que a gestão está adotando para assegurar a melhoria da qualidade do transporte público coletivo, um dos pilares da política de mobilidade urbana para a capital. “A SMTT e as empresas concessionárias que executam o transporte de passageiros na capital atuaram em parceria no levantamento e atualização dos dados da quantidade de estudantes que seriam beneficiados com a medida. Além disso, atuaram na organização para recebimento dos estudantes nos postos de atendimento e ativação da modalidade, bem como nos recadastros da bilhetagem”, finaliza a SMTT.

Quando era estudante, o professor e secretário de Educação de Maceió, Elder Maia teve que enfrentar a distância para poder estudar. “Eu, por exemplo, quando fui estudante da rede superior pública em Salvador tinha que economizar. Era muito difícil e caro. Apesar de estar secretário, eu ainda sou professor e sei a realidade de muitos de perto. Na fase estudante qualquer quantia que você consegue economizar é extremamente valioso, para tudo ou para qualquer atividade que necessite”, reforçou.

O professor lembra, ainda, dos estudantes que moram longe da universidade e que muitas vezes não conseguem se alimentar por um preço acessível. “Muitos não conseguem comer no restaurante universitário. Agora, imagine assistir aula com a barriga vazia. Com a retomada das aulas presenciais, esses estudantes vão poder mudar um pouco a realidade. O passe é extremamente importante e necessário”.

Economia pode ser importante dentro do orçamento familiar, diz economista

Sobre o tema, o economista Jarpa Aramis declara que qualquer medida do poder público que isente qualquer que seja o contribuinte existe um ganho. “Ou seja, você deixa de pagar aquele recurso que em tese você deveria gastar. Como a gente está em período de pandemia as aulas foram paradas de maneira drástica e depois voltaram de maneira remota, a gente não teve esse contato presencial”, afirma o economista.

Jarpa lembra que o recurso economizado com as passagens pode migrar para caminhos como a compra de alimento ou de material escolar. A economia pode ser importante dentro do orçamento familiar, principalmente nos lares em que as despesas estão migrando quase que basicamente para a alimentação.

“Quando a gente tem a retomada desse setor de serviço que se enquadra a educação, considerando a passagem de R$ 3,35 e como estudante teria direito a meia de torno R$ 1,67, você tem no final de um mês, ou seja, em 22 dias tirando os finais de semana que o estudante não desloca para a escola considerando a ida e a volta que é a grande maioria você teria uma economia de quase R$ 37. Toda medida é muito bem-vinda principalmente quando o poder público assume essa responsabilidade de pagar, como a gente tem visto nessa iniciativa”, lembra Jarpa Aramis.

Clariza Santos e Regina Carvalho/GAZETAWEB
FOTO: Itawi Albuquerque