Na semana em que a Prefeitura de Maceió foi intimada pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia a fornecer informações “com urgência e prioridade” sobre o acordo que fez com a Braskem, aparece um documento da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) criticando a atitude do prefeito JHC (PL), que teria perdoado o passivo ambiental da mineradora, em troca de R$ 1,7 bilhão.

Assinado por Dom Vicente Ferreira, presidente da Comissão para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB, o documento, com data de 4 de dezembro de 2023, foi ignorado pela cúpula da Arquidiocese de Maceió, que deveria ter dado divulgação ao mesmo, mas não o fez, por razões desconhecidas. Mas tornou-se público quando foi lido no ato das vítimas da Braskem, realizado na orla da Ponta Verde, no final do ano.

“A Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB expressa solidariedade às famílias desalojadas e denuncia, ainda, o acordo recente firmado entre a prefeitura de Maceió e a Braskem, no âmbito da Ação Civil Pública, pelo qual, mediante ao pagamento de R$ 1,7 bilhão, o município dará quitação plena de todo o passivo ambiental da companhia, doando áreas públicas e isentando a empresa de dados futuros”, diz um trecho do documento.

Nesse documento, Dom Vicente Ferreira, denuncia também os incentivos fiscais concedidos à Braskem, se solidariza com as famílias despejadas de suas casas na base da truculência, afirma que a propalada mineração sustentável ou verde é uma mentira e diz que é urgente superar esse modelo extrativista que coloca o lucro acima da vida. “Continuamos lutando pela Ecologia Integral, conscientes de que tudo está interligado em nossa casa comum: quando cuidamos da terra, ela também cuida de nós”, concluiu.

Procuramos a prefeitura para repercutir o pedido de informações do STF e a nota da CNBB, sobre o acordo com a Braskem, mas a assessoria de comunicação do prefeito JHC só respondeu ao questionamento feito pela ministra.

“A Prefeitura de Maceió esclarece ter recebido com naturalidade a informação sobre o despacho da ministra Cármen Lúcia, uma vez que se trata de rito esperado na tramitação processual. Informa, ainda, que encaminhará ao STF dentro do prazo estabelecido as informações solicitadas, ocasião em que demonstrará a total regularidade do termo de compensação firmado com a Braskem em julho de 2023 e homologado pela Justiça”, afirmou a assessoria do prefeito.

Procuramos também a assessoria de comunicação da Braskem – para saber se a empresa teria tomado conhecimento dessa nota CNBB, denunciando como lesivo o acordo firmado com a prefeitura de Maceió –, mas até o fechamento desta matéria, no final da tarde de sexta-feira, não tivemos retorno.

Em carta, igreja é solidária com vítimas de mineração em Maceió

A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem doze Comissões Episcopais permanentes para implementar as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, auxiliando os Bispos nas suas missões, por meio de subsídios. Elas atuam de duas maneiras: em conjunto com o Conselho Episcopal de Pastoral (CONSEP), auxiliando os Bispos na Ação Evangelizadora em âmbito nacional; e individualmente, no seu respectivo campo de atuação, por meio de estudos, articulações da Ação Evangelizadora em nível nacional e assessorando as iniciativas pastorais dos Bispos nas suas Igrejas Particulares.

A Comissão para Ecologia Integração e Mineração, presidida por Dom Vicente Ferreira, bispo da cidade de Livramento de Nossa Senhora, no interior da Bahia, tem como missão defender a preservação da natureza e denunciar os crimes ambientais, cobrando das autoridades providências e punição para os culpados. Por isso, no dia 4 de dezembro de 2023, Dom Vicente Ferreira publicou uma nota, em nome da Comissão que preside na CNBB, em solidariedade aos moradores e ex-moradores dos bairros atingidos pelo afundamento do solo, provocado pela mineração de sal-gema praticada pela Braskem, em Maceió.
Dom Vicente Ferreira confirma autenticidade de carta da CNBB (Foto: Divulgação)

Com o título “Solidariedade com as famílias de Maceió e denúncia dos crimes da mineração”, o documento foi lido na íntegra, num ato público realizado pelas vítimas da Braskem, na Praia de Ponta Verde, no final do ano passado. De acordo com Neirevane Nunes, coordenadora do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), “essa nota da CNBB, assinada por Dom Vicente, é muito importante na luta contra a Braskem e em defesa das famílias, que sofreram e ainda sofrem os efeitos danosos da mineração irresponsável, praticada por essa empresa, durante quase quatro décadas”.

Depois de consultar, por telefone, Dom Vicente Ferreira, sobre a autenticidade do documento, a Tribuna Independente publica o texto da nota da CNBB:

“Solidariedade com as famílias de Maceió e denúncia dos crimes da mineração

Enquanto a crise socioambiental atinge seus limites, o extrativismo predatório da mineração emerge como a expressão mais emblemática da insustentabilidade deste sistema. O cenário vivenciado em Maceió, Alagoas, configura, na realidade, um crime continuado perpetrado pela empresa petroquímica Braskem, evidenciando a perversidade intrínseca à mineração no Brasil, com a conivência do Estado. Os crimes da mineração no Brasil se acumulam e demonstram que a propalada mineração sustentável ou verde é uma mentira. As violações dos direitos humanos, abrangendo o direito à cidade, moradia, trabalho, educação, saúde, vida digna e meio ambiente saudável, tornaram-se parte do cotidiano imposto pela Braskem.

O avanço das minas sob as casas na capital alagoana já resultou na expulsão de mais de 60 mil famílias, transformando áreas antes habitadas em bairros fantasmas. Recentemente, veio a público o iminente colapso da Mina 18, ameaçando a vida da Lagoa Mundaú, seus pescadores e outros residentes vulneráveis. Na madrugada, mais de 20 famílias foram despejadas e alojadas em abrigos de emergência, enquanto um hospital transferiu todos os seus pacientes para outras unidades de saúde.

Em conformidade com a nota da Comissão Pastoral da Terra do Estado de Alagoas, repudiamos veementemente: “com base em testemunhos, a truculência por parte da Defesa Civil Municipal, utilizando a força policial e as viaturas da Braskem para remover as pessoas de suas casas, na madrugada da quinta-feira (30/11), oferecendo apenas escolas creches como abrigo delas, mas sem respeito às suas escolhas, propriedades e, inclusive, aos pessoais que tiveram que ser deixados para trás. Também não houve sensibilidade com os pacientes do Hospital Sanatório, realocados às pressas para outras unidades de saúde. Tais situações podem se configurar como graves violações de direitos humanos”.

A Comissão para Ecologia Integral e Mineração da CNBB expressa solidariedade às famílias desalojadas e denuncia, ainda, o acordo recente firmado entre a prefeitura de Maceió e a Braskem, no âmbito da Ação Civil Pública nº 0808806-65.2023.4.05.8000 (ACM dos Moradores), pelo qual, mediante ao pagamento de R$ 1,7 bilhão, o município dará quitação plena de todo o passivo ambiental da companhia, doando áreas públicas e isentando a empresa de dados futuros.

Somente em 2021, as renúncias fiscais concedidas à Braskem somaram R$ 791,5 milhões. A maior parte (R$ 726 milhões) foi concedida pelas operações da Braskem na região Nordeste, por meio da Sudene. São renúncias que existem desde a metade do século passado e que acabaram de ser renovadas pelo Congresso brasileiro, por mais 5 anos.

O Estado, portanto, apoia as operações das corporações mineiras por meio de benefícios fiscais e recebe dinheiro silenciando-se sobre as violações e danos provocados por elas. Mais um caso em que a mineração impacta milhares de vidas e destrói o meio ambiente está ficando impune. Exigimos das autoridades a penalização criminal e civil. Cabe também à União tomar as devidas providências, cobrando o papel que lhe compete, uma vez que os bens do subsolo pertencem à União, incluindo a responsabilidade por sua proteção.”

Movimento também critica o acordo

Para o procurador do Trabalho Cássio Araújo, que é da coordenação do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), a Prefeitura de Maceió precisa buscar bons argumentos para tentar convencer a ministra Cármen Lúcia sobre os efeitos danosos do acordo com a Braskem.

“Não adianta a prefeitura tentar minimizar o problema em que ela está metida, porque o acordo foi muito lesivo para a cidade de Maceió, sob diversos aspectos: doação do patrimônio público para a empresa acusada de praticar o crime ambiental; quitação de danos futuros; e o valor em si do acordo”.

Cássio Araújo explica ainda que “a questão dos danos futuros está levando o Município a contrair um empréstimo externo de 40 milhões de dólares e a destinar casas do ‘Programa Minha Casa, Minha Vida’ para suprir os males causados pelo colapso da mina 18, quando isso seria obrigação da Braskem”.

Na opinião do integrante do MUVB, “o empréstimo seria fazer com que toda a sociedade pagasse pelo crime da Braskem”. Além disso, acrescenta, “as casas do programa social deveriam ser destinadas para outras pessoas que estão em situação de necessidade de moradias, assumindo a sociedade por outra obrigação que seria da Braskem, realocando as pessoas afetadas e pagando indenizações justas”.

Por Ricardo Rodrigues – colaborador / Tribuna Independente
Foto: Edilson Omena