Apurações da Polícia Federal (PF) apontam que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) pode ter sido “instrumentalizada” durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para monitorar ilegalmente várias autoridades e pessoas envolvidas em investigações, além de desafetos do ex-presidente.

Segundo as investigações da PF, o uso indevido da Abin teria ocorrido quando o órgão era chefiado por Alexandre Ramagem (PL-RJ), aliado de Bolsonaro.

Ramagem foi diretor-geral da Abin entre julho de 2019 e março de 2022. Atualmente deputado federal, ele foi alvo de uma operação da PF nesta quinta-feira (25).
O que é Abin

A Agência Brasileira de Inteligência foi criada em 7 de dezembro de 1999, pela lei 9.883/1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, para substituir o extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) — responsável por atividades de informações e contrainformações durante a ditadura militar.

O processo de criação da Abin começou em 1995. Naquela época, houve discussão se a agência produziria inteligência sobre atuações de outros países que pudessem impactar a segurança nacional ou se deveria realizar ações de inteligência também contra grupos nacionais.

Acabou prevalecendo essa segunda opção, conforme a proposta desenhada pelo General Alberto Cardoso, apontado por FHC como responsável por produzir o arcabouço institucional da futura agência.

A lei aprovada criou o Sistema Brasileiro de Inteligência, cujo objetivo é “fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional”.

O sistema inclui diversos órgãos, como Gabinete de Segurança Institucional (GSI), os departamentos de inteligência da PF e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), departamentos do Ministério da Defesa, os centros de inteligência da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, entre outros.

Dentro desse sistema, a Abin é o “órgão central”, responsável por “planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência” do Brasil. O órgão é chefiado por um diretor-geral, nomeado pelo Presidente da República e aprovado pelo Senado.

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que, para fornecer informações à Abin, órgãos do Sistema Brasileiro de Inteligência precisam comprovar o interesse público – em casos de dados sigilosos, no entanto, não podem ser compartilhados sem autorização judicial. Para solicitar dados, à Abin, por sua vez, precisa explicitar a motivação desses pedidos.
Funções da Abin

A legislação considera como atividades de inteligência aquelas voltadas para a “obtenção, análise e disseminação do conhecimento”, dentro e fora do país, “sobre fatos e situações” que podem vir a influenciar processos decisórios e ações governamentais, além da segurança e da sociedade do Estado.

A Abin é a principal responsável por essas atividades. A agência tem, ainda, outras atribuições, como:

planejar e executar ações, incluindo as sigilosas, para obtenção de dados destinados a assessorar o Presidente da República;
planejar e executar a proteção de conhecimentos sensíveis que sejam relativos à segurança do Estado e da sociedade;
avaliar ameaças, “internas e externas”, à ordem constitucional;
realizar estudos e pesquisas para o exercício e desenvolvimento de atividades de inteligência.

Na prática, diferentemente de sistemas de inteligência de outros países que separam as ações de inteligência interna e externas, a Abin é responsável por essas duas frentes.

Ações de contrainteligência também são de responsabilidade da agência, como defender o Estado de espionagem, sabotagem e vazamento de informações.

“Como não se fez uma distinção entre as inteligências civil e militar, também estão contemplados no raio de ação da Abin os serviços de inteligência das polícias militares (PMs) estaduais”, afirma em artigo o cientista político Jorge Zaverucha, professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Quem controla a Abin

A lei define que a Abin deve ser controlada e fiscalizada pelo Poder Legislativo, por meio de uma comissão formada pelos líderes da maioria e da minoria da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e pelos presidentes das Comissões de Relações Exteriores e Defesa Nacional das duas casas legislativas.
A Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) pouco se reuniu ao longo dos últimos anos. Segundo documentos disponíveis, foram sete reuniões em 2023, uma em 2022 e cinco em 2021. Em 2020, não há registro das atividades.

Atualmente, o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da agência, é integrante titular da comissão por ser liderança da minoria.

Ramagem é investigado pela PF por envolvimento e foi alvo de buscas em seu gabinete e no apartamento funcional da Câmara que ocupa.

A Polícia Federal investiga o uso ilegal da ferramenta de espionagem First Mile pela Abin. A suspeita é que, durante o governo Bolsonaro, a agência — que era chefiada por Ramagem, um amigo próximo da família Bolsonaro – tenha usado o software israelense para monitorar, ilegalmente, opositores.
Subordinação ao GSI

Até o início deste ano, a Abin estava subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão com status de ministério que, tradicionalmente, é comandado por militares e tem como função principal cuidar da segurança em assuntos envolvendo a Presidência da República.

Pouco menos de dois meses depois dos ataques do 8 de janeiro, quando golpistas invadiram as sedes dos três Poderes em Brasília, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) transferiu a Abin para a Casa Civil.

A transferência para um órgão comandado, em geral, por civis, retirou o filtro militar — do GSI — entre a agência de inteligência e a Presidência da República.

Redação g1 \ GAZETAWEB

FOTO: Agência O Globo