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A água nas calçadas de várias ruas da região central de Porto Alegre começou a secar diante da queda do nível do lago Guaíba nos últimos dias, levando comerciantes a abrirem as portas de seus estabelecimentos pela primeira vez em duas semanas após a cheia na capital.

Na Travessa dos Venezianos, na Cidade Baixa, tradicional área boêmia da cidade, dezenas de voluntários se dividiram entre goles de vinho e limpeza pesada com lavadoras de alta pressão na noite de sábado (18).

Tombada como patrimônio cultural desde 1980, a rua de casas coloridas foi invadida pela água por aproximadamente dez dias. A marca de 1,5 metro de enchente ainda é aparente nas paredes dos bares.

Os comerciantes ainda contabilizam os prejuízos, mas mostram otimismo com a reabertura, que ainda deve demorar alguns dias em razão da faxina e das reformas necessárias. Eles relatam perda total dos estoques e de equipamentos como freezers e geladeiras, além de danos em móveis e paredes.

“Vai dar para reabrir, com certeza, certamente não funcionando a pleno [vapor], mas do jeito possível”, diz Pepe Martini, 34, proprietário do bar Milonga. O baque financeiro ainda não foi precificado, mas trata-se de quase um mês perdido, prevê.

“É curioso que esta travessa [dos Venezianos] já enfrentou e sobreviveu à grande enchente de 1941. Naquela época, o rio era mais próximo daqui, e a prefeitura não tinha esse sistema de proteção [com diques e comportas], ou seja, a travessa sofreu agora as mesmas consequências de 83 anos. O grande problema dessa situação é que era completamente evitável”, afirma.

O clima entre donos dos bares é de revolta contra a falta de manutenção no sistema de contenção de cheias na cidade. Eles afirmam que a casa de bombas (sistema que retira água de enchentes) que mais influencia a região funcionava mesmo com o nível do Guaíba acima de cinco metros, e que a rua continuava seca, até a estrutura ser desligada.

Diante das inundações da cidade, a CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica), administrada pela Equatorial Energia, desligou a energia de casas de bombas para evitar choques elétricos, o que alagou a região da Cidade Baixa. O funcionamento de parte do sistema só foi retomado nos últimos dias.

No bar ao lado, o Guernica, a sócia Bruna Marcello, 35, já organiza um sistema de compras antecipadas, seguindo táticas que empresas adotaram para antecipar o caixa durante o período a pandemia.

“Nessa condição muito precária, a gente criou um esquema de comandas em que as pessoas compram agora e podem consumir em julho”, diz. “A gente determinou esse espaço justamente pensando que precisamos da ajuda de gente que também perdeu tudo.”

Ela mostra que o chão de madeira da casa de 105 anos empenou, que ficou sem a geladeira da cozinha, o freezer e todo o estoque, já que as bebidas entraram em contato com a água da enchente. Na hora de abrir a porta, encontrou até animal morto dentro do local. “É uma casa muito antiga, a cozinha não tem ralo, a gente juntou tudo no braço, sabe?”

Na rua dos Andradas, uma das mais simbólicas do Centro Histórico e cenário da cheia de 1941, empresários checaram seus estabelecimentos pela primeira vez neste domingo (19). Três comportas ficaram abertas neste domingo com o objetivo de escoar a água para o Guaíba, incluindo uma no muro da avenida Mauá, próxima ao local.

A água do Guaíba começou a avançar pela rua da Praia, como é mais conhecida a via entre os moradores da capital, há três semanas.

“Nosso prejuízo com freezer, chopeira e bens materiais é, por baixo, de R$ 20 mil a R$ 30 mil, sem contar os dias fechados, daí gente não consegue nem calcular. Estamos tentando manter o quadro inteiro de funcionários, mas está complicado. Cada dia fechado fica mais difícil”, diz Guilherme Souza, do Poeta Bar.

O local está ainda sem luz e sem água, portanto, a limpeza profunda ainda nem começou.

O espaço de coworking SZ Working ficou 15 dias debaixo d’água em outro ponto da rua da Praia. “A água entrou no nosso estabelecimento aproximadamente uns 60 centímetros e a gente não sabe exatamente o prejuízo tivemos, mas foi uma perda muito grande de matéria-prima, suprimentos, além do prejuízo do mobiliário”, afirma Agostinho Zucchi, dono do local.

“Agora não é a hora de brigar, mas atribuo isso ao desleixo da municipalidade, infelizmente.”

Em nota, a prefeitura nega que a causa dos alagamentos na região seja falta de manutenção do sistema de drenagem.

“A Prefeitura de Porto Alegre e o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) refutam a afirmação de que houve falta de manutenção. O sistema de proteção contra cheias apresentou pontos de fragilidade diante da maior cheia da história já registrada no Guaíba desde os anos 1900 –que atingiu 80% dos municípios gaúchos”, diz a gestão.

“Concebido no final da década de 60, essa foi a primeira vez em que a estrutura foi submetida a um teste dessa magnitude. O dilema não é a falta de manutenção, mas a concepção dos projetos de construção das casas de bomba e das comportas que vieram à tona na maior tragédia climática do Rio Grande do Sul.”

A prefeitura afirma ainda ter feito investimentos nos últimos anos, para “melhorias significativas no sistema de proteção, como a aquisição de motores elétricos, chaves de partida eletrônica, comportas de vedação de aço inox e implantação de automação”. “Não fossem essas melhorias, a enchente seria ainda maior”, diz.

Por Folhapress \ NOTÍCIAS AO MINUTO

FOTO: © Getty \ Brasil Chuvas