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Os empreendimentos estão ocupando o litoral norte de Maceió; basta ir em direção à praia para se deparar com diversas placas indicando a construção de novas torres. Além de prejudicar a população local, esse tipo de moradia em construção nos bairros de Cruz das Alma, Guaxuma, Riacho Doce e Garça Torta provoca impactos ambientais significativos.

Sem um Plano Diretor atualizado — desatualizado há mais de 10 anos — edificações de até 20 pavimentos estão sendo construídas. Além disso, a área tem sido apontada como a nova “Ponta Verde”, segundo o presidente da construtora Marcio Raposo Imóveis, Marcio Raposo, em vídeo divulgado nas redes sociais no último dia 28 de setembro.

“O próximo vetor de crescimento, então, está direcionado para o litoral norte, onde Guaxuma, Ipioca e Cruz das Almas estão em plena expansão. A região tem atraído investimentos e conta com avenidas largas, shopping centers e hospitais. Portanto, volto a dizer: a bola da vez está no litoral norte.”

No mesmo mês de divulgação do vídeo, a construção do edifício Dom Pietro, localizado na Rua São Pedro, à beira-mar da praia de Garça Torta, foi alvo de reunião realizada pelo Ministério Público Federal (MPF) ,que contou com a presença de representantes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo de Maceió (Semurb), Instituto do Meio Ambiente (IMA), Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh), Secretaria do Patrimônio da União (SPU) e o empreendedor responsável pelo projeto imobiliário.

O encontro teve como foco a avaliação dos impactos ambientais no bairro, que é considerado um importante berçário marinho. A comunidade local, preocupada com a verticalização da área e suas possíveis consequências para o meio ambiente e a infraestrutura do local, recorreu MPF para averiguar um projeto de construção de uma torre de 20 andares, que incluiria 82 apartamentos e cerca de 240 vagas de garagem.

Os moradores da localidade expressam receio de que essa nova edificação possa agravar os problemas estruturais da localidade, como ruas estreitas, alagamentos frequentes e trânsito intenso, além de causar danos ambientais.

Na reunião, ficou acordado que o órgão federal solicitará que a Semurb se pronuncie sobre a necessidade de realizar um Estudo de Impacto de Vizinhança. Além disso, será pedido ao Instituto de Planejamento de Maceió (Iplan) que analise se o projeto imobiliário está em conformidade com os estudos previstos no Plano Diretor Municipal e no Plano de Gestão Integrada (PGI) da Orla de Maceió.

Expansão imobiliária é alvo de protesto de moradores

Os moradores do Loteamento Gurguri, localizado no bairro Guaxuma, têm protestado contra a destruição de áreas verdes pela Prefeitura de Maceió para a construção de uma estação elevatória de esgoto.

Em entrevista ao CadaMinuto, o morador e jornalista Felipe Camelo informou que essa situação já ocorre há cerca de cinco anos. O projeto inicial previa a construção da estação em uma praça, mas, por ser um local frequentemente utilizado pela população, a mobilização local conseguiu impedir a obra.

Felipe relatou que, apesar de terem desistido da praça, o projeto se manteve e acabou sendo deslocado para a área verde do loteamento. Camelo defende que a obra só existe devido ao crescente número de empreendimentos imobiliários na região.

“Resolveram fazer na área verde, que é o refúgio desses animais que não têm onde morar com a quantidade de condomínios e prédios que estão surgindo”, disse.

Sobre a obra, a Prefeitura de Maceió afirmou que a execução visa garantir saneamento básico e melhorias ambientais para a população. Segundo a Unidade Gestora do Programa (UGP), a iniciativa envolve a instalação de uma estação elevatória, que será responsável pelo bombeamento de efluentes para uma área de tratamento afastada do povoado.

De acordo com a gestão municipal, a obra não causará danos ambientais, pois tem como objetivo eliminar o descarte irregular de resíduos que atualmente ocorre ao ar livre, prejudicando as praias e a foz de rios locais.

“A obra, que conta com serviços de esgotamento sanitário, drenagem e pavimentação, vai melhorar a qualidade de vida dos moradores da região norte, contribuindo para a redução das doenças de veiculação hídrica, bem como para a preservação do meio ambiente.”

Praia cheia de concreto

O cineasta e produtor cultural André Leão, de 49 anos, e a bióloga Cynira França, 47, vivem hoje na Garça Torta, local o qual suas memórias pessoais e experiências compartilhadas vêm inspirando um novo projeto documental.

O casal, junto desde março de 2023, estão produzindo um documentário provisoriamente intitulado “Maré de concreto”, que explora as memórias afetivas e as idas à localidade na adolescência, aliada a crítica e destruição ambiental causada pela especulação imobiliária.

“Quando viemos morar na Garça Torta, percebemos um impacto inesperado. Como visitante, você não nota tudo. Morando aqui, vimos de perto a agressão ambiental, com tijolos e vigas com pregos espalhados na areia”, relata França.

O casal conta que a visão romântica do lugar deu lugar a uma experiência perturbadora, especialmente durante mergulhos em que encontraram resíduos de construção cobertos de crostas marinhas, uma marca do descaso com o ecossistema local.

“Os manguezais, que protegiam a costa contra o impacto das marés, estão sendo substituídos por muros de concreto que não resistem às águas”.

Plano Diretor desatualizado favorece construções à beira-mar

O presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, Departamento de Alagoas (IAB/AL), Pablo Fernandes, critica a expansão descontrolada desses projetos, que ele descreve como uma “verdadeira barreira de concreto” à beira-mar.

Segundo o especialista, esses empreendimentos, além de descaracterizarem a paisagem local, trazem problemas como sombreamento da praia, sobrecarga da infraestrutura urbana e gentrificação.

“Essa parede de concreto compromete não só a ventilação e a incidência de luz solar nas construções ao redor, mas sobrecarrega a infraestrutura urbana, como o saneamento, o fornecimento de água e o trânsito local”, alerta.

Para ele, o aumento de prédios altos não considera a capacidade de suporte dos serviços urbanos existentes, fato que vem sendo ignorado desde a aprovação do Código de Edificações e Urbanismo de Maceió, em 2007 (Lei Municipal 5.593/07).

O Código de Edificações, ao permitir construções de 20 pavimentos à beira-mar, na visão do arquiteto, “segue na direção inversa” das diretrizes que visam proteger a paisagem e o meio ambiente. “Essas leis precisam ser revisadas com urgência para frear o desenvolvimento predatório”, reforça o arquiteto.

“Esse é o motivo da mobilização de moradores e frequentadores da região que têm um histórico de luta em defesa dos bairros do litoral norte de Maceió, e que atualmente reivindicam por motivos óbvios em Guaxuma pela não instalação de uma estação elevatória de esgoto na Área Verde do Loteamento Gurguri, e na Garça Torta resistem aos impactos de vizinhança subsequentes à possível construção de um prédio de 20 pavimentos na Rua São Pedro”, defende.

A discussão sobre a revisão do Plano Diretor de Maceió (PDM), realizada entre 2015 e 2016 sob o lema “cidade compacta”, trouxe à tona o desejo de distribuir melhor os investimentos em infraestrutura para reduzir as desigualdades sociais.

Fernandes destaca que, atualmente, menos de 3% da população de Maceió reside na faixa litorânea, enquanto apenas 28% da cidade conta com saneamento básico adequado. “Com esse modelo de ocupação, perpetuamos um cenário caótico e segregado, onde o direito à cidade é negado à maioria dos cidadãos”, afirma.

Especulação imobiliária afeta comunidades tradicionais

Para o doutorando Adson Ney Amorim, que pesquisa a relação entre urbanização e conflito urbano na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o processo de expansão urbana em Maceió está criando graves consequências sociais e ambientais.

Ele observa que a expansão desordenada “tem gerado uma série de impactos negativos”, como o aumento da especulação imobiliária, a devastação ambiental e a privatização de trechos de praia, afetando diretamente a vida das comunidades tradicionais, especialmente as colônias de pescadores.

Para o pesquisador, a situação lembra processos de gentrificação silenciosa que já ocorreram em outras áreas, o qual o aumento do custo de vida e o cercamento de recursos forçaram a saída dos moradores.

Em regiões como Jatiúca, por exemplo, a pressão imobiliária já quase extinguiu as feiras livres e outros pontos de comércio popular. Agora, diz Amorim, “a tendência é empurrar a população tradicional para fora e limitar seu acesso ao território”.

Além disso, ele alerta para as mudanças na composição dos moradores, porque os novos condomínios atraem um perfil de classe média, criando uma convivência tensa com a população tradicional. “Quando você traz um terceiro elemento, com condomínios de luxo à beira-mar, cria-se uma nova dinâmica que interfere nessa convivência”, explica.

Outro ponto crucial mencionado pelo pesquisador é a falta de regulamentação urbana, que contribui para o caos e exclusão social. Amorim defende a importância de um Plano Diretor com zoneamento claro, que teria o poder de organizar o crescimento urbano de forma equilibrada.

Sem ele, Amorim diz que “o parcelamento do solo está nas mãos de quem tem dinheiro, permitindo que façam o que quiserem, onde quiserem”, o que leva a dinâmicas de segregação e violência econômica.

Edifício Dom Pietro, localizado na Rua São Pedro, em construção à beira-mar da praia de Garça Torta – Foto: Ruah Santiago/Cortesia

MP cobra atualização de normas urbanísticas para o litoral norte

O Ministério Público de Alagoas (MPAL) alerta para a urgência de atualizar as normas urbanísticas da cidade, em especial o Plano Diretor e o Código de Urbanismo.

O coordenador do Núcleo de Defesa do Meio Ambiente do MPAL, Jorge José Tavares Dória, destaca que essas normas, embora desatualizadas, ainda servem de base para os licenciamentos de empreendimentos na capital, dificultando ações para proteger áreas sensíveis.

“Essas normas que regulam são os normativos que servem de parâmetro para a concessão das licenças de todas as construções na cidade. Sejam construções simples, que chamamos de ‘lixas’ — as são aquelas para construção de casa ou imóvel simples —, como também das grandes construções, chamadas licenças urbanísticas e ambientais. Elas se baseiam nesses dois instrumentos, que são o Plano Diretor e o Código de Urbanismo. Mesmo estando, digamos, desatualizados”, explica.

Segundo ele, a legislação que disciplina a ocupação urbana é robusta e, se fosse devidamente aplicada, evitaria muitos dos problemas observados na cidade. “Trata-se de um ordenamento jurídico bem consistente que, se fosse cumprido, grandes problemas não surgiriam nas cidades”, pontua.

Dória também enfatiza a importância de se considerar a função social das cidades, conforme estabelecido pela Constituição Federal nos artigos 182 e 183, que inspiraram a criação de normas como o Estatuto da Cidade e o próprio Plano Diretor. Contudo, ele afirma que, para atender ao crescimento sustentável, a cidade precisa de uma legislação atualizada.

A ausência de zonas de proteção específicas no plano diretor e no código, particularmente para o litoral norte, dificulta a atuação do órgão estadual de controle.

“O problema é que estamos lidando com leis defasadas, que já perderam parte de seu sentido, e não refletem a realidade atual desses locais. Na região norte, não há qualquer indicação, nem no plano diretor, nem no código de urbanismo, de que se trata de uma zona de interesse paisagístico ou histórico, portanto, sem proteção adicional nas normas”, explica Dória.

O coordenador reforça que o MPAL acompanha de perto as discussões sobre a revisão do plano diretor, que deverá ser encaminhado à Câmara Municipal até o fim do ano, com a esperança de que o novo texto incorpore os instrumentos recomendados para proteger áreas sensíveis da cidade.

“O Ministério Público está realmente preocupado com a questão da verticalização e buscará enfrentar a situação por meio de recomendações e tratativas com o poder público, mesmo que o plano diretor e o código de urbanismo permitam certas construções,” acrescenta.

Expansão desenfreada ameça ecossistemas

A engenheira ambiental e sanitária Nathália Nascimento, que possui mestrado em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), alerta que o crescimento desordenado pode levar à perda da biodiversidade, comprometendo habitats fundamentais para a reprodução das espécies, além de afetar diretamente os corais e a paisagem local.

“O mar está avançando em direção à pista, e a restinga, que funcionava como uma barreira natural contra a erosão, está se deteriorando. Essa situação impacta negativamente o ecossistema e a saúde ambiental da região.”

Nascimento defende que, para amenizar esses impactos, é necessário adotar um planejamento urbano que priorize tanto o bem-estar social quanto a preservação ambiental. “É fundamental implementar um planejamento urbano eficaz, que leve em conta as questões ambientais e não se concentre apenas no lucro.”

“A criação de empreendimentos à beira-mar, sem um tratamento adequado e sem uma infraestrutura decente de esgotamento sanitário, torna as áreas cada vez mais insalubres e insustentáveis.”

A engenheira ambiental destaca a importância de realizar estudos de impacto ambiental (EIA) detalhados antes da execução de qualquer empreendimento. “Os manguezais e recifes são especialmente sensíveis e requerem cuidados rigorosos. É fundamental realizar um estudo de impacto ambiental (EIA) detalhado antes de qualquer empreendimento.”

“Quando interferimos em um ecossistema que já está equilibrado, precisamos ser extremamente cuidadosos. O que muitas vezes consideramos progresso pode, na verdade, representar um retrocesso para a natureza”, enfatiza.

Outro lado

A reportagem entrou em contato com o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA/AL) para obter informações sobre o licenciamento e a fiscalização dos empreendimentos em construção no litoral norte de Maceió.

A pasta estadual informou que tanto fiscalizar quanto a liberação do licenciamento ambiental cabem a gestão municipal.

Tentamos várias vezes entrar em contato com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) e com a Prefeitura de Maceió para obter informações sobre o tema e atualizações do Plano Diretor. No entanto, até o fechamento deste texto, não obtivemos resposta. O espaço permanece aberto, e o texto será atualizado caso haja retorno.

*Estagiária sob supervisão da editoria

CADA MINUTO

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