O Congresso derrubou nesta terça-feira (17) vetos do presidente Lula (PT) a diferentes jabutis de uma lei que versa sobre o investimento em eólicas em alto-mar (offshore). A decisão dos parlamentares beneficia empresários do setor e eleva a conta de luz do brasileiro.
Os vetos derrubados nesta terça podem custar ao todo R$ 197 bilhões na conta de luz até 2050, nas contas da Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres). A fatura pode ficar ainda mais alta após a análise de itens que foram adiados.
Ciente do risco de derrota total na discussão, o governo cedeu nos últimos meses em parte dos itens para tentar preservar o veto ao trecho de maior prejuízo ao consumidor: a contratação de usinas a gás com 70% de inflexibilidade (regime em que operam de forma contínua, mesmo sem necessidade).
Caso derrubado esse ponto, seria destravada a contratação de termelétricas vistas por associações de consumidores como caras e poluentes. Só esse trecho poderia elevar a conta de luz em R$ 306 bilhões até 2050, segundo a consultoria PSR.
A parte principal da discussão sobre termelétricas foi adiada, mas mesmo assim foi derrubado o veto a uma pequena parte que garante a contratação dessas e outras usinas para os próximos anos. Esses empreendimentos podem ser ainda mais beneficiados a depender da análise futura de outros pontos do texto (como o que eleva o preço-teto para a contratação das usinas).
Na sessão, o Congresso derrubou vetos que beneficiam empreendimentos de PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), etanol, eólicas e dão outros incentivos a fontes renováveis. Em todos esses pontos, o governo argumentava diferentes motivos para que as propostas não virassem lei -como o aumento das tarifas e a ausência de interesse público.
PCHs
Um dos vetos derrubados impedia a contratação de 3.000 MW (megawatts) de PCHs em todas as regiões do país com os respectivos prazos de contratação. O governo afirma que, apesar de essas usinas representarem uma fonte renovável, há aumento da tarifa e desvantagem em relação a outras fontes pela menor previsibilidade de disponibilidade energética.
“Seriam necessários estudos para concluir pela vantajosidade”, afirmou na época do veto o governo, que vê uma reserva de mercado criada por um instrumento legal. “Entende-se que as fontes alternativas de energia elétrica já são competitivas atualmente e que se considera nem necessário e nem eficiente o estabelecimento de reserva de mercado desta fonte”, disse o Ministério do Desenvolvimento ao recomendar o veto a Lula.
Esse é o trecho de maior impacto para a conta de luz. De acordo com a Abrace, o custo é de R$ 140 bilhões nesse ponto.
HIDROGÊNIO VIA ETANOL E EÓLICAS NO SUL
O Congresso derrubou também o veto a um trecho que contrata 250 MW de energia de hidrogênio líquido a partir do etanol no Nordeste.
De acordo com o governo, além de criar uma reserva de mercado, o trecho versa sobre uma tecnologia ainda em fase incipiente, sem que haja sequer comercialização de energia com base nesta fonte atualmente. De acordo com a Abrace, o custo é de R$ 28 bilhões ao longo dos anos com esse trecho.
Além disso, a derrubada do veto a esse item garante a contratação de energia de eólicas da Região Sul até o segundo semestre de 2025. Nesse ponto, a Abrace calcula um custo de R$ 5 bilhões.
PROINFA
Foram derrubados também vetos que impediam a prorrogação do Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica). O Proinfa foi criado por lei em 2002 e contratou, até dezembro de 2011, 2.650 MW de usinas eólicas, PCHs e usinas a biomassa por um prazo de 20 anos.
De acordo com o governo, o programa contribuiu no passado para a diversificação da matriz energética nacional. No entanto, a gestão Lula entende que essa geração já é competitiva e que o mecanismo não é mais eficiente para incentivar nenhuma fonte de energia elétrica (mesmo que renovável).
Segundo a Abrace, o custo é de R$ 24 bilhões nesse ponto.
USINAS A GÁS
Já aqueles vetos ligados à contratação de termelétricas, vistos como o ponto mais problemático, foram adiados para uma futura sessão.
A contratação dessas usinas foi transformada em lei por deputados e senadores anteriormente, em 2021. Foi quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus ministros Paulo Guedes (Economia) e Bento Albuquerque (Minas e Energia) enviaram uma MP (medida provisória) ao Congresso para privatizar a Eletrobras.
Logo no começo do texto, a gestão Bolsonaro propôs qual seria o modelo de venda da empresa. O texto dizia que seria feita a emissão de mais ações na Bolsa, sendo a União impedida de comprar os novos papéis -o que abriria espaço para a empresa receber novos sócios e ser privatizada.
Durante a tramitação, o Congresso adicionou a esse trecho uma vírgula e mais 3.773 caracteres que não tinham a ver com o tema principal -um jabuti, no jargão político. A iniciativa dos parlamentares corresponde a uma página inteira com apenas um ponto ao final, o que ficou conhecido como “emenda Saramago”.
A referência ao escritor é feita justamente pela característica mais famosa do Nobel de Literatura português, a de evitar pontos finais mesmo em longos parágrafos. Assim como o autor de “Ensaio sobre a Cegueira”, os parlamentares criaram um texto sem quebras e o embutiram no trecho crucial de uma proposta que, originalmente, interessava ao governo -dificultando ao máximo um veto presidencial.
Como o presidente da República não pode vetar apenas um trecho, e sim a integralidade de um artigo -ou de parágrafo, inciso ou alínea-, barrar o dispositivo criado pelos parlamentares significaria barrar junto o modelo de venda da empresa. Bolsonaro acabou sancionando o texto sem veto ao item.
O monstrengo de papel foi criado pelo relator do projeto na Câmara, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA). Ele escreveu em seu parecer que a medida foi feita por se considerar “a necessidade de conferir maior segurança energética no cenário de transição” após desestatização da Eletrobras.
O texto foi incorporado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO), relator da proposta e um dos principais nomes da base bolsonarista. Em seu parecer, afirmou que os dispositivos resultariam em diminuição da tarifa de energia elétrica -exatamente o contrário do que calculam as consultorias do setor.
A proposta direcionou a contratação de termelétricas a lugares (e, portanto, a empreendimentos) específicos. Em um trecho, por exemplo, a lei determina a contratação de 2.500 MW na região Centro-Oeste, nas capitais onde não há ponto de suprimento de gás natural (ou seja, Brasília e Goiânia).
O texto atropela o planejamento energético do Poder Executivo ao prever, além da contratação de usinas a gás onde não há dutos, compra de energia de pequenas centrais hidrelétricas e prorrogação por 20 anos de subsídios a fontes renováveis (vistos hoje por associações de consumidores como desnecessários).
Caso todas as termelétricas previstas saíssem do papel, o cenário principal projetado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) é que o volume de emissões resultantes da geração de eletricidade cresceria 84% até 2034, para 26,9 milhões de toneladas de CO2eq (dióxido de carbono equivalente). O chamado grau de renovabilidade da matriz elétrica cairia de 94% para 89%.
O que impediu a estratégia foi a equipe técnica do Ministério de Minas Energia ter conseguido, sem alarde, colocar durante a tramitação um preço-teto que impediu boa parte das contratações. Os leilões começaram a acontecer, mas ficaram esvaziados. Dos 8.000 MW previstos, apenas 754 MW já foram contratados e 7.246 MW aguardam um próximo certame.
Agora, para destravar as termelétricas, o Congresso está em uma nova ofensiva sobre o tema. Os parlamentares usam atualmente a discussão sobre a lei das eólicas offshore para mexer flexibilizar a regra do preço-teto que tem impedido leilões.
Lula vetou os jabutis da lei das eólicas offshore no começo deste ano após consenso entre quatro ministérios. Os parlamentares, no entanto, têm a palavra final e podem derrubar os vetos do presidente da República.
De acordo com a consultoria PSR, em estudo de janeiro, esse e os outros jabutis da proposta têm impacto de direto no custo para o consumidor. São R$ 20 bilhões a mais por ano até 2050, o equivalente a R$ 545 bilhões até o horizonte em valores corrigidos. Isso representa um aumento de 9% no custo de energia, com reflexos diretos na inflação, no poder de compra da população e na competitividade industrial no país.
RESUMO DO IMPACTO NA CONTA DE LUZ
– PCHs: R$ 140 bi
– Hidrogênio: R$ 28 bi
– Proinfa: R$ 24 bi
– Eólicas no Sul: R$ 5 bi
Fonte: Abrace.
Por Folhapress \ NOTÍCIAS AO MINUTO
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