Passados um mês e alguns dias da morte da esteticista Cláudia Pollyanne Faria de Santa’Anna, 41 anos, ocorrido no último dia 09 de agosto, na Clínica Terapêutica Luz e Vida, em Marechal Deodoro, região metropolitana de Maceió, em um local tido como clínica de recuperação para dependentes químicos, a sociedade em geral ainda tenta entender como uma pessoa que era para estar em tratamento faleceu no local considerado referência em acolhimento.
Atualmente, existem seis clínicas que prestam serviço de tratamento especializado em dependência química com parceria junto ao estado e ao município. São elas Clínica Especializada em Dependência Química Green Mulher, Clínica Maceió, Clínica Vila Serenidade, Clínica Lar Nova Jornada, Cristal Clínica e Clínica O Caminho.
Conforme a legislação, as clínicas têm que passar constantemente por fiscalização dos órgãos competentes (Anvisa, Vigilância Sanitária, Ministério Público, Estado e Município) para garantir que o tratamento seja ofertado dentro dos padrões exigidos.
A reportagem do jornal Tribuna Independente foi em busca de respostas para saber quais são os critérios exigidos para se abrir uma clínica, que tem como finalidade a recuperação de pessoas que precisam de tratamento, carinho, atenção para se livrarem de um vício, com um serviço que garanta qualidade e dignidade.
No caminho, muito desencontro de informações entre as secretarias, entidades e conselhos que deveriam responder sobre o assunto.
Isso sem contar com um jogo de empurra sobre participação na responsabilidade do cofinanciamento do pagamento às clínicas, onde, segundo decisão judicial, 50% é de responsabilidade do poder executivo estadual e 50% do poder executivo municipal. Este, segundo os representantes das clínicas, está cumprindo a decisão. Ao contrário do estado, em débito há meses, conforme os donos das clínicas. Eles estimam o débito da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), em torno de R$ 4 milhões e meio a R$ 5 milhões.
Conforme um dos representantes das clínicas, Alex Costa, a mais recente decisão judicial datada de 08 de abril deste ano (a terceira sobre o assunto), determinou que tanto Estado quanto Município, referindo-se às respectivas secretarias de saúde lancem edital de credenciamento para as clínicas. De acordo com os proprietários das mesmas, nada foi cumprido ainda, mesmo a decisão falando em pena de multa no valor de mil reais por dia, limitado a 100 mil reais.
Conselho de Saúde diz que pauta não foi discutida
Para o presidente do Conselho Estadual de Saúde, Maurício Sarmento, no caso das clínicas, aplicam-se os critérios de abertura de empresa mercantil.
“A fiscalização ficará a cargo da Vigilância Sanitária e, quando houver convênio com o SUS [Sistema Único de Saúde], também do Conselho Estadual de Saúde. Além disso, os conselhos de classe atuarão na supervisão quanto ao exercício profissional”.
De acordo com as explicações do Conselho Estadual de Saúde, a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) tem participação quanto à responsabilidade sobre as clínicas de reabilitação, uma vez que as mesmas, quando privadas, são conveniadas ao SUS.
“Por incrível que pareça, nunca chegou essa pauta no Conselho Estadual de Saúde, a gente nunca parou para discutir as clínicas de reabilitação e nem as comunidades terapêuticas, que eu acho que é um tema que a gente precisa se debruçar”, afirmou o presidente do CES, Maurício Sarmento.
Sesau negou a informação sobre a responsabilidade junto às clínicas e atribuiu tal função à Secretaria de Estado de Prevenção à Violência (Seprev).
Por sua vez, a Seprev esclareceu que trabalha junto às Comunidades Terapêuticas e disse que possui convênio com 22 delas. “Atualmente, o estado mantém convênio com 22 comunidades terapêuticas devidamente cadastradas e supervisionadas pela Seprev, que seguem critérios técnicos e legais estabelecidos para o acolhimento de pessoas em situação de dependência química”, detalhou a Secretaria.
A Secretaria Municipal de Saúde de Maceió afirmou que faz contratualização de vagas, mas não gerencia.
A reportagem tentou, sem sucesso, que as secretarias, entidades e Conselho listasse a documentação necessária para a abertura de uma clínica. As informações foram passadas pelo coordenador da Clínica Especializada em Dependência Química Green Mulher, Alex Costa.
Ele explicou que para abrir e manter uma Clínica Especializada em Dependência Química é necessário cumprir exigências legais, estruturais e profissionais, além de atender às normas dos órgãos fiscalizadores. “Temos clínicas sérias em Alagoas e isto precisa ficar claro para a sociedade”, pontuou.
Entre documentação e autorizações, listou ele, precisa estar com o CNPJ regularizado; cadastro no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) como hospitalar; alvará de funcionamento da prefeitura; alvará sanitário expedido pela vigilância; certificado de saúde ambiental; laudo e liberação do Corpo de Bombeiros, registro e aprovação junto ao Conselho Regional de Medicina (CRM) e responsabilidade junto ao Coren (Conselho de Enfermagem).
“A clínica deve ter um médico psiquiatra como responsável técnico pelo funcionamento. Além de estrutura física obrigatória com enfermaria equipada, farmácia com controle de medicações, setores de Psicologia e Serviço Social, sala de Psiquiatria para consultas e atendimentos especializados, sala de observação com equipamentos completos (oxigênio, desfibrilador etc.), área administrativa para gestão da clínica e espaço amplo e terapêutico, adequado às necessidades dos pacientes.
A equipe multidisciplinar, completou Alex Costa, deve ser formada por médico psiquiatra (responsável técnico), médicos clínicos gerais, médicos em regime diário para acompanhamento constante, enfermeiro e técnico de enfermagem 24 horas, psicólogos nos turnos da manhã, tarde e noite, assistente social, nutricionista, educador físico, conselheiros terapêuticos ou técnicos em dependência química, equipe de monitoria para acompanhamento integral e atividades terapêuticas.
“A clínica deve possuir um cronograma estruturado de atividades voltadas para recuperação, reintegração social e fortalecimento psicológico”, destacou Alex Costa.
Ainda segundo ele, as clínicas especializadas podem ser fiscalizadas por diferentes entidades, de acordo com a região e tipo de contrato, a exemplo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Vigilância Sanitária municipal ou estadual, Ministério Público, em casos de denúncias ou acompanhamento legal e ainda estado e município, quando a clínica mantém parcerias ou contratos públicos para atendimento de pacientes encaminhados.
“Esses órgãos têm livre acesso para vistoriar as unidades, garantindo que o atendimento seja feito de maneira adequada, com segurança e dentro das normas de saúde”, detalhou ele.
SMS informa que cumpre acordo firmado com Justiça
Na avaliação do proprietário da Clínica Especializada em Dependência Química Green Mulher, essas instituições desempenham um papel essencial na recuperação, acolhimento e reinserção social de pessoas em situação de dependência química, oferecendo atendimento multiprofissional, espaço terapêutico adequado e cronograma de atividades estruturado.
SMS
A Secretaria de Saúde de Maceió informou que, em cumprimento ao acordo firmado pela Justiça entre Estado e Município, está avançando na implantação de dispositivos de atenção à saúde mental.
“Pelo acordo, ficou estabelecido que seriam criados oito dispositivos de Residência Terapêutica, além do credenciamento de clínicas. Coube ao Estado lançar o edital de credenciamento das clínicas, enquanto ao Município competia a publicação do edital para selecionar as empresas responsáveis pela administração das Residências Terapêuticas”, explicou a pasta.
Ainda conforme a Saúde municipal, a prefeitura de Maceió já cumpriu sua parte: publicou o edital, credenciou as empresas e, com o cofinanciamento do Estado, não apenas manteve as sete residências já existentes, como implementou mais quatro novas unidades, ampliando a rede de cuidado às pessoas com transtornos mentais que necessitam desse tipo de acolhimento.
“A medida reforça o compromisso da gestão municipal com a atenção psicossocial, garantindo mais estrutura, cuidado humanizado e reintegração social aos usuários”, concluiu.
Morte de esteticista levou ao fechamento de estabelecimento
A família da esteticista Cláudia Pollyanne registrou, no dia 09 de agosto, um Boletim de Ocorrência para solicitar exames complementares após ter sido informada na Unidade de Pronto Atendimento de Marechal Deodoro sobre hematomas no corpo da mulher, que morreu naquele dia, em uma clínica de reabilitação, em Marechal Deodoro, na região metropolitana de Maceió.
Segundo a clínica, a paciente teria entrado em surto de abstinência, teria sido medicada, jantou e dormiu. Ao amanhecer, um colaborador bateu na porta do quarto e foi informado por outras acolhidas que Cláudia Pollyanne não estava bem. A clínica afirmou que a levou rapidamente para a UPA de Marechal Deodoro, onde foi constatado seu falecimento dela. E que a família foi, então, comunicada.
A família da paciente detalhou no boletim de ocorrência que, ao chegar na UPA, foi informada por uma assistente social e pelo médico de plantão que a vítima já estava em óbito há pelo menos quatro horas e que apresentava hematomas por todo o corpo e olho roxo. Ela estava internada na clínica havia cerca de 15 meses. Ao morrer, Cláudia deixou uma filha.
De acordo com a delegada Liana Franco, titular do 17º Distrito Policial, após a repercussão do caso da esteticista, a polícia passou a receber mais denúncias. Após o resgate de uma adolescente de 16 anos, também paciente da clínica, contou aos policiais que teria sofrido abusos sexuais praticados pelo dono clínica, marido da proprietária. Ambos os proprietários foram presos.
Histórico de irregularidades
O caso ganha ainda mais gravidade diante do histórico dos proprietários da Luz e Vida. O casal que administra a clínica já respondeu a processo por irregularidades em outra instituição que mantinham em São Paulo.
De acordo com denúncia à época, a clínica paulista impedia contato telefônico e visitas de familiares sob o argumento de que o afastamento seria parte do tratamento contra a dependência química. Além disso, cobrava mensalidades em torno de R$ 850,00, mais R$ 100,00 para condução a atendimentos médicos e R$ 80,00 para despesas de lavanderia.
As acusações incluíam notícias de maus-tratos, restrição alimentar, fornecimento de alimentos estragados, uso excessivo de medicamentos sem prescrição médica, abusos psicológicos e ameaças para que os internos não denunciassem o que acontecia no local.
Na ocasião, uma inspeção da Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Pessoal da Prefeitura de Jarinu, acompanhada da Vigilância Sanitária, constatou superlotação, ambiente insalubre, falta de higiene, ausência de medidas de prevenção à Covid-19, ausência de acessibilidade para idosos e pessoas com deficiência, além de diversos outros problemas.
Apesar das irregularidades em São Paulo, os proprietários conseguiram abrir a clínica normalmente em Alagoas.
Por Valdete Calheiros – colaboradora / Tribuna Independente
Foto: Ascom PC/AL