A desavença com a senadora Kátia Abreu (PP-TO) foi o estopim para a rejeição ao embaixador Fabio Mendes Marzano, na terça-feira (15), mas o resultado da votação também refletiu uma insatisfação geral dos senadores com a condução no Ministério das Relações Exteriores.
A avaliação é de parlamentares e diplomatas ouvidos pela reportagem. Maior derrota do ministro Ernesto Araújo no Congresso, o “não” a Marzano foi considerado um recado ao chanceler, contra a influência olavista no Itamaraty e contra as posições anti-China do ministério.
Na noite de terça, o plenário do Senado barrou a designação de Marzano para a missão do Brasil junto à ONU em Genebra. O diplomata é próximo ao chanceler e comanda a secretaria de Soberania no Itamaraty, que tem levado adiante sua pauta conservadora.
A votação teve ampla margem pela rejeição: 37 votos a 9.
O resultado repercutiu no Senado e no Itamaraty no dia seguinte. A presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), senadora Simone Tebet (MDB-MS), afirmou que a negativa do plenário foi resultado de um conjunto de situações, entre elas a atual política externa em relação à China.
“Uma das situações é que o Senado está muito preocupado com algumas posturas do chanceler [Ernesto Araújo]. A relação com a China precisa caminhar e caminhar bem”, afirmou a senadora, representante da bancada ruralista, a que mais teme um conflito com a potência asiática.
“[A rejeição] foi um recado no sentido de questionar ‘é assim mesmo que o governo vai tratar os grandes parceiros do Brasil?'”, completou.
O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), disse à reportagem que o partido votou contra a indicação por “razões políticas sólidas” e que o embaixador “não tem o perfil adequado para o posto que pleiteava”.
Um senador influente entre o grupo dos independentes afirmou que a insatisfação com Ernesto é um sentimento comum entre os parlamentares, que aproveitaram o episódio envolvendo Kátia Abreu para demonstrar o desagrado.
O estopim da reação dos senadores aconteceu um dia antes da votação no plenário da Casa. Durante sabatina na Comissão de Relações Exteriores, o diplomata provocou a ira da senadora, ao se recusar a responder a uma pergunta sobre meio ambiente e os impactos da imagem negativa dos desmatamentos e queimadas no acordo comercial negociado entre Mercosul e União Europeia.
“Se a senhora me permite, eu não estaria mandatado para opinar aqui sobre o acordo Mercosul-União Europeia. Tampouco é uma atribuição da minha secretaria atual no Itamaraty negociar esse acordo”, disse o diplomata.
Kátia Abreu não aceitou a recusa do diplomata e passou a criticá-lo, por vários minutos. Afirmou que todos os embaixadores são responsáveis pela promoção do comércio. Ao dar nova oportunidade para o embaixador se pronunciar, recebeu como resposta apenas um aceno negativo com a cabeça.
Quando o assunto foi discutido nesta terça, no plenário, o senador Major Olímpio (PSL-SP) fez um duro discurso contra Marzano, afirmando que ele havia desrespeitado o Senado. “Ao ser sabatinado por uma das nossas senadoras, (…) esse senhor, de maneira grotesca, irresponsável, simplesmente disse que não era da sua alçada e não iria responder”, afirmou.
“Então, eu peço aos senadores, em nome da altivez do Senado, que não votem por essa indicação.”
O senador sugeriu, então, que uma nova indicação ao posto em Genebra fosse feita no início do ano. “Vir aqui dizer o que foi dito, de forma grotesca, e isso sair barato! ‘Ah, mas sou do time do chanceler’. Para o inferno o chanceler! Respeito ao Senado, respeito aos senadores! Vamos todos votar contra esse cidadão.”
Questionado pela reportagem nesta quarta-feira, Olímpio foi o único a afirmar que sua reação não era um recado para ninguém e que se posicionou unicamente por conta do incidente durante a sabatina. “Quando eu fui na tribuna pedir o voto contrário, me manifestei por causa do episódio com a senadora Kátia Abreu. Quando eu quero dar um recado, eu falo diretamente. Mas, se alguém votou contrário para mandar um recado, vai de cada um”, disse.
No Itamaraty, a rejeição de Marzano foi interpretada como uma reação dos senadores contra Ernesto, mas diplomatas destacam que outros fatores contribuíram para o resultado.
Foi uma espécie de tempestade perfeita, resumiu um diplomata sob condição de anonimato. Além da discordância da maioria do Senado com os rumos do Itamaraty, eles destacam que a votação mostrou falhas da articulação política do Planalto na Casa. Além do mais, dizem que Marzano foi inábil ao não responder ao questionamento da senadora e que, mesmo o tema não sendo de sua alçada, ele poderia ter encontrado uma forma de comentar o acordo UE-Mercosul sem parecer que estava se recusando a abordar o assunto.
O fato de Marzano comandar no ministério a secretaria de Soberania, que concentra a agenda conservadora de Ernesto para direitos humanos e matérias de meio ambiente, foi apontado como mais um fator que contribuiu para aumentar a resistência do diplomata entre parlamentares.
Por enquanto, o “não” do Senado a Marzano tem sido interpretado no Itamaraty como um caso isolado, mas diplomatas destacam que futuros indicados devem ir para suas sabatinas com atenção redobrada para não criar dificuldades nas votações.
Diplomatas lembram que recentemente o Senado deu luz verde para indicações de outros nomes que ocuparam altos postos na chancelaria comandada por Ernesto. Em setembro, senadores aprovaram a ida de Reinaldo Salgado para a embaixada em Buenos Aires e de Norberto Moretti para a delegação brasileira na Organização de Aviação Civil Internacional. Ambos estiveram no topo da hierarquia do Itamaraty na atual gestão.
Por Folhapress \ NOTÍCIAS AO MINUTO
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