Enquanto o suicídio continua sendo um assunto pouco falado, o número de pessoas que tiram a própria vida aumenta silenciosamente em todo mundo. No Brasil, o índice perde apenas para homicídios e acidentes de trânsito entre as mortes por fatores externos – o que exclui doenças.

Em Maceió, a ponte sobre o Vale do Reginaldo, que liga os bairros do Farol e do Feitosa, com cerca de 30 metros de altura, é um dos locais onde mais se registrou casos de suicídios na cidade. O último caso registrado e noticiado aconteceu no dia 5 de fevereiro de 2019, quando o taxista identificado apenas como Altair se jogou. Em 15 de julho de 2019 uma mulher ameaçava se jogar e foi resgatada por uma equipe do Corpo de Bombeiros. Ela chegou a sentar na mureta de proteção da ponte, mas foi impedida de se jogar pelos militares que atenderam a ocorrência.

A maioria dos casos de suicídios do local é de pessoas em situação de rua e usuários de drogas e por isso os moradores da região acreditam que a poder público não atua para instalar equipamentos de prevenção. São pessoas sem identidade. Sem perspectiva. Que moram na rua. Não se pode afirmar o motivo real que leva essas pessoas a tirarem a própria vida, mas sabe-se que a Ponte do Reginaldo é um ponto de referência para quem está em desespero e decide morrer.

A equipe de reportagem do portal Tribuna Hoje visitou os moradores que vivem embaixo da ponte. Eles afirmam que os casos de pessoas que pulam são constantes, mas que nem todos são noticiados.

“Nós queremos que a Prefeitura de Maceió providencie uma proteção para essa ponte. Para evitar que as pessoas se joguem. A gente que mora aqui convive com isso e é muito triste. Muitas crianças já estão traumatizadas por verem pessoas mortas que se jogam lá de cima”, relatou o diretor da Associação de Moradores do Vale do Reginaldo, Marco Antônio Alves da Silva.

Marco Antônio conta que vive no Vale do Reginaldo desde que nasceu, há 43 anos, e que já viu pelo menos 50 suicídios na ponte. “Minha avó nasceu e morreu aqui. Ela viveu até os cem anos e as coisas continuam do mesmo jeito. Eu cheguei a comer peixe do Riacho Salgadinho, mas as coisas só foram piorando por aqui, o rio ‘acabou’ e essa questão dos suicídios também nunca foi olhada com cautela pelo governo. As pessoas vão se matando e parece que nada aconteceu. A ponte está lá, do mesmo jeito, sem proteção”.

O diretor da Associação pede para que as autoridades, governo municipal, estadual, Ministério Público do Estado (MPE), tomem uma providência e coloquem uma proteção na ponte, impedindo que mais suicídios aconteçam.

“É um absurdo. Entra governo, sai governo, e o número de suicídios só aumenta e não vai parar de aumentar. Enquanto isso, nada fazem pela Ponte do Reginaldo. Quem mora embaixo já vive assustado. Não pode ver ninguém parado lá em cima que já pensa que vai pular. A solução é uma proteção, uma grade, ou qualquer coisa que acabe com essa situação”, reivindicou Marco Antônio.

‘Vi um homem se jogar e quase perdi meu bebê’

A dona de casa Renata de Freitas, de 25 anos, estava grávida de oito meses quando presenciou um suicídio. Ela mora em uma casa construída bem embaixo da ponte do Reginaldo. “Era noite. A gente estava sentado na porta e quando menos se espera, ouvimos um baque. O homem caiu bem ao nosso lado. Foi um susto muito grande. Passei mal e quase perdi meu bebê”, relatou.

Renata de Freitas relata que quando acontece algum caso de suicídio, eles chamam socorro, mas a maioria já cai sem vida. “Só vi duas pessoas que pularam e foram levadas com vida, mas não sei se sobreviveram depois de dar entrada no hospital”.

Marina da Silva, de 51 anos, também relata já ter presenciado muitos suicídios. “Já vi gente cair dentro do córrego, em cima da minha casa. A gente já vive com o coração na mão. Eu tenho problemas de saúde e quando vejo alguém na ponte já fico passando mal, pensando que vai pular. Quando vejo ambulância, bombeiro, polícia eu fico ainda mais nervosa. Isso acontece de repente. A gente está fazendo alguma coisa dentro de casa e de repente cai mais um”.

A dona de casa diz que durante as campanhas os candidatos a prefeito sempre prometem uma proteção para a ponte. “Desde a Kátia Born que eu vejo prometerem essa proteção na ponte e nada é feito. Ninguém sabe o que se passa na cabeça de uma pessoa que pula de uma ponte. Não podemos julgar, mas é preciso fazer alguma coisa para evitar”.

A assessoria de imprensa da Prefeitura de Maceió informou que não há nenhum projeto para a prevenção de suicídios na Ponte do Reginaldo.

No Edifício Brêda, localizado no Centro de Maceió, outrora conhecido como ponto de referência para pessoas que queriam atentar contra a própria vida, é proibido que se suba até a cobertura sem autorização. Com a medida, nunca mais se ouviu falar mortes causadas por quedas no local.

Depressão pós-parto

A psicóloga Larissa Cabús explica sintomas e tratamento para a depressão pós-parto (Arquivo Pessoal)

O caso de uma jovem mãe que se jogou da Ponte do Reginaldo no dia 23 de agosto de 2017 levantou o debate sobre a depressão pós-parto. Todos sabem que ter um bebê exige muito esforço físico e emocional da mulher, que acaba com a aparência cansada e pode apresentar quadro de estresse. Mas, de acordo com a psicóloga Larissa Cabús, é possível perceber quando uma mulher que acabou de parir está sofrendo conflitos, dando sinais da depressão.

“A depressão pós-parto pode aparecer do momento do parto ou até um ano depois. Ela acontece após a queda de hormônios no corpo da mulher, como o estrogênio e a testosterona e pode levar ao suicídio ou agressões contra o bebê. Nós vemos muitos casos de mulheres que tentam se matar, ou jogam seus bebês no lixo, em rios”, relata a profissional.

Larissa Cabús explica que os sintomas da depressão pós-parto são bem notórios e que é importante que a mulher tenha uma “rede de apoio”. “Essa mulher precisa da família, dos amigos, das pessoas que frequentam sua casa lhe cercando. Essas pessoas vão perceber sim que existe uma desconexão dessa mãe com o filho. É diferente de quando se está estressada porque o bebê acabou de nascer e você precisa dar conta de muitas atividades. Na depressão a questão não é não dar conta, mas há uma desconexão e a mulher não sente prazer em cuidar do bebê. O filho fica negligenciado, ou a mãe. Nós vemos muitas mães descabelas, sem tempo de se arrumar, mas com semblante feliz. Já as que sofrem depressão apresentam um olhar desconexo. Não está bem por dentro. Não reconhece o bebê enquanto um ser vivo que veio dela”, explica.

A psicóloga alerta para a importância do tratamento. “É preciso ficar de olho em casos de mães que já sofriam antes com a depressão. O tratamento se dá de forma medicamentosa e de forma psicoterápica. Tem que fazer um acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Não adianta somente repor os hormônios, se medicar sem reconhecer as causas emocionais da doença. É preciso descobrir através da terapia qual o gatilho para essa depressão para que a mulher consiga se curar de forma completa”.

O suicida

Especialista no assunto, o psiquiatra e psicanalista Roosevelt Cassorla explicou em entrevista ao portal Tribuna Hoje, que as principais características de um suicida são os quadros psiquiátricos, como transtorno bipolar e psicoses.

“Fatores associados ao perfil do suicida são a falta de estrutura familiar, solidão, falta de apoio comunitário, antecedentes suicidas e de doença mental na família”, explica.

O assunto tem se tornado cada vez mais discutido, principalmente depois que em 2003 foi instituído o 10 de setembro como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio pela Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Por que os homens são maioria?

De acordo com Roosevelt Cassorla (psiquiatra e psicanalista citado acima), as taxas de suicídios entre homens é três vezes maior do que entre as mulheres. Outro fator relacionado à diferença de gêneros, é que os homens costumam tirar a própria vida de forma mais violenta.

“Os homens usam meios mais violentos quando cometem suicídio, como armas de fogo, provocam acidentes de trânsito ou se enforcam. Já as mulheres costumam usar substâncias químicas para acabar com a própria vida”, explica o psiquiatra.

Cassorla destaca ainda que existe uma associação entre a mortalidade por suicídio com a tendência de expor sentimentos. Segundo o psiquiatra, nas regiões onde os homens são mais propensos a falar sobre o que sentem, a taxa de suicídios é menor.

Por que os adolescentes?

A taxa de suicídios entre adolescentes que vivem nas grandes cidades brasileiras aumentou 24% entre 2006 e 2015, informa pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, indica que o suicídio é até três vezes maior entre jovens do sexo masculino.

Psiquiatra Roosevelt Cassorla (Arquivo Pessoal)

Roosevelt Cassorla conta que o aumento do número de adolescentes que tiram a própria vida no Brasil se deve a fatores sociais. “Fatores sociais envolvendo a cultura do narcisismo, prestígio, poder, valorização do bem material em detrimento de aspectos afetivos somado a vazios podem predispor a quadros depressivos envolvendo a desesperança. Os jovens têm cada vez menos oportunidades de se realizarem como pessoas”, explica o especialista.

Essas experiências de vidas humilhantes, segundo explica o psiquiatra, aliadas à desatenção e ao despreparo do sistema público de saúde, agravam ainda mais a situação.

“As tentativas de suicídios de adolescentes muitas vezes estão associadas ao fracasso na escola ou no trabalho ou conflitos interpessoais com um parceiro romântico. A insegurança física e econômica, desemprego ou falta de acesso também podem estar relacionados a esses casos”, afirma.

Roosevelt Cassorla acredita que as características do perfil dos jovens devem ser levadas em consideração pela família.

“Tanto crianças quanto adolescentes com impulsividade alta, devem receber uma atenção maior. Os pais e amigos tendem a achar que um comportamento agressivo pode ser confundido com uma fase difícil, como um comportamento clássico de adolescente, porém, um adolescente às vezes tem uma depressão não diagnosticada que vai aparecer como agressividade. Não é aquela depressão que as pessoas imaginam de ficar na cama, de não fazer mais nada. O adolescente sente muita dificuldade de pedir ajuda”, pontua.

O psiquiatra afirma ainda que o acesso fácil a meios de incentivo também devem receber uma maior atenção. O aumento de casos de cyberbullying – bullying feito pelas redes sociais e internet – é um fator contribuinte para o aumento das taxas entre adolescentes.

Internet mata?

Um dos autores de um estudo publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria, o professor de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina (EPM) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Jair de Jesus Mari, explica que um dos riscos para o suicídio adolescente é o uso da internet. Mari afirma que “Facebook, WhatsApp e Instagram aumentam a exposição ao ciberbullying assim como o compartilhamento de comportamentos disfuncionais, como divulgação de métodos de suicídio e minimização dos perigos da anorexia”.

O psiquiatra da EPM e um dos autores do estudo, Elson Asevedo lembra casos como o jogo da baleia azul, uma fake news que fez sucesso em 2017 ao estimular comportamentos como automutilação e suicídio. “Quando fomos analisar as buscas no Google, notamos aumento nas pesquisas sobre como se matar. O efeito é muito maior que as campanhas de internet para prevenção ao suicídio”.

Por que idosos tiram a própria vida?

Para o psiquiatra e psicanalista Roosevelt Cassorla, além dos quadros psiquiátricos e da involução cerebral, os idosos possuem maior predisposição à depressão.

“Principalmente quando o idoso não encontra apoio e reconhecimento da sua humanidade. Além disso, nessa idade observamos o acúmulo de problemas de saúde, em sua maioria doenças crônicas e incuráveis, muitas vezes dolorosas ou de tratamento penoso, associado ao isolamento social progressivo, causados pela viuvez, separações, distanciamento de filhos e netos”, explica.

Como perceber um comportamento suicida?

O psiquiatra explica que as pessoas que apresentam tristeza intensa, desesperança, antecedentes de atos suicidas, devem receber mais atenção.

“O paciente se mostra sem vontade de viver e dá sinais, dizendo algo como ‘a vida não vale a pena’, ‘melhor morrer’,’ queria dormir e não acordar’ ou algo parecido. A busca de ajuda de profissionais de saúde mental é o próximo passo. Eles saberão como orientar o paciente e a família”, explica.

Cassorla comenta ainda que as pessoas que já tentaram suicídio uma vez, não irão tentar novamente se tiverem ajuda.

“A tentativa é um pedido de ajuda. Se o pedido não for atendido satisfatoriamente, novas tentativas podem ocorrer. Outra coisa que as pessoas costumam dizer é que, quem diz que vai se matar, não o faz. Isso é errado. Quem fala que vai se matar pode sim cometer suicídio. Algumas vezes se trata da tentativa de mobilizar o ambiente e, mesmo que a pessoa não tencione matar-se, ela está pedindo ajuda”.

Só os depressivos se matam?

Segundo o psiquiatra, não só as pessoas com depressão estão mais propícias a cometer o suicídio.

“Os psicóticos também. Existem outras situações, sem identificação clara de doença psiquiátrica, que também levam a desesperança e desespero. Aumenta a predisposição em pessoas impulsivas, que usam substâncias psicoativas. Pessoas muito sensíveis podem desejar morrer em situações de fracasso e culpa. Doentes graves também podem matar-se para fugir da dor ou para antecipar a morte. Torturados, presos e pessoas injustiçadas, traumatizadas, podem ver o suicídio como uma saída”, afirma o especialista.

Vivências

(Imagem: Ilustração)

A reportagem do Tribuna Hoje conversou com duas mulheres jovens que já tentaram tirar a própria vida. Elas relatam o sentimento que as tomaram para que decidissem cometer o suicídio.

As duas terão suas identidades preservadas.

Vamos chamar a primeira delas de Camila. Uma mulher de 31 anos, estudante universitária. Ela tentou o suicídio ainda na adolescência e continua convivendo com conflitos emocionais.

“Eu tentei me matar, de forma errada e imatura na adolescência, depois que percebi a decepção de meus pais com algumas atitudes minhas. A decepção deles me causou um sofrimento que eu nunca tinha sentido antes. Eu já carregava comigo a angústia de ser adotada e todos sempre me diziam que eu tinha mais era que levantar as mãos para o céu e agradecer os pais que tinha”, relata Camila

“Ninguém entendia que o problema não era os meus pais adotivos, mas a sensação de ‘despertencimento’. Parece que algum lugar sempre fica vazio no peito. Eu não conseguia enxergar as características físicas dos meus pais em mim e, consequentemente, buscava não seguir também os seus comportamentos. Isso tudo eu entendo agora, mas na adolescência não havia esse entendimento. Era tudo um turbilhão de sentimentos que não eram compreendidos”, conta a jovem.

Camila lembra que no auge da tristeza, achou que fosse melhor para ela e para seus pais que acabasse com a própria vida.

“Eu achei que seria melhor para mim e para os meus pais se eu morresse. E tomei alguns venenos que havia em casa misturados com água sanitária. A dor física é insuportável, mas nunca havia sentido a paz que senti naquele momento. Nunca esqueci o sentimento daquele momento até hoje. Era como se, finalmente, fosse me livrar de um peso”, relata.

“Como meus pais tem um pequeno negócio e morávamos por trás, e sempre fui muito barulhenta, minha mãe estranhou o silêncio e foi verificar. Então eles me socorreram e foi feita lavagem no meu estômago no hospital. Ficou tudo bem fisicamente”, continuou.

Após todos esses anos, Camila conta que há tempos não tocava no assunto, mas que os pensamentos e desejo de sentir “aquela paz” novamente são recorrentes até hoje.

“Recentemente eu li um texto que falava sobre o suicida querer que a dor pare. E é justamente isso. É exatamente isso. Eu não consigo entender como as pessoas suportam todas as dores que o viver causa. Alguns amigos que sabem dessa história sempre mandam mensagens de otimismo, fazem questão de fazer com que eu me sinta lembrada e querida. Mas é um sentimento tão ambivalente sentir-se querida e ao mesmo tempo se sentir sem utilidade, procurando um sentido pra vida. É como se cada passo que se dá não valesse a pena porque eu não sei onde vou chegar. Já segui algumas religiões e, atualmente, tenho inveja daqueles que realmente tem fé e acreditam em alguma coisa, pois considero que isso torna a vida suportável. Mas não sei onde essa fé foi parar. Acho que a deixei embaixo de alguma pedra no caminho”, descreve.

“O que sinto todos os dias ao me levantar da cama, é que depois de sentir essa suposta paz que a tentativa de suicídio que não deu certo me mostrou, nada mais será como antes. Tento pensar que há pessoas em situações de sofrimento muito maior que o meu desencanto pela vida. Me sinto egoísta por essa dor importar tanto, enquanto outras pessoas que não tiveram as oportunidades que eu tive, continuam lutando e correndo atrás de seus sonhos. E eu só quero deitar na minha cama, me enrolar e nunca mais acordar”.

(Imagem: Ilustração)

Uma outra jovem, essa de 28 anos, relata que durante a adolescência sentiu vontade de cometer suicídio. Essa será chamada de Isadora.

“Acredito que em algumas fases da adolescência eu quis cometer suicídio para chamar atenção. Sou uma pessoa muito carente de atenção, com baixa autoestima e isso me faz não acreditar tanto em mim”, explica Isadora.

A jovem conta que a última vez que pensou em tirar a própria vida, foi aos 27 anos, quando tinha acabado de terminar um relacionamento.

“Eu tinha acabado de terminar uma relação, estava desempregada e sendo muito cobrada pelos meus pais. Tenho ensino superior completo, mas não sabia qual destino profissional queria para mim. A cobrança era diária. Eles repetiam sempre as frases: ‘Estude para concurso’, ‘Você acha que vai ter a gente para o resto da vida?’, ‘Seu marido é seu emprego’.”, lembra a jovem.

Isadora conta que eram justamente essas cobranças que a fazia pensar que não seria boa o suficiente par seus pais.

“Isso me fazia pensar que sou incapaz, que nunca os darei orgulho e sou apenas uma despesa. Essas cobranças me fizeram entrar uma fase depressiva muito forte, onde eu não conseguia me ver útil para ninguém. Não conseguia ver futuro para mim. Era somente uma decepção para eles e isso me fez ter sérios pensamentos de tirar minha própria vida para não os ver sofrer mais por minha causa. Eu pensava que assim iria acabar com a preocupação de todo mundo e deixaria de ser um peso”.

Isadora fazia acompanhamento psicológico, o que, segundo ela, não a permitiu que levasse seus pensamentos adiante.

“O acompanhamento psicológico ajudou muito a amenizar a minha ansiedade e desviar o pensamento do suicídio. Consegui elevar um pouco a minha autoestima e perceber que sou capaz de fazer as coisas que tenho vontade”, concluiu.

Morrer para se livrar da dor emocional

Para a psiscóloga Cláudia Simões, o suicida quer “acabar com a dor emocional” (Arquivo Pessoal)

Para a psicóloga Cláudia Simões, o pensamento suicida passa pela nossa cabeça pelo menos uma vez na vida, quando acreditamos que não vamos suportar a dor emocional, muitas vezes maior até do que a dor física.

“Muitas vezes as pessoas tentam o suicídio para chamar a atenção, porque não estão suportando as suas dores emocionais. Saber o que leva uma pessoa a cometer esse ato é complexo. Existem várias razões, principalmente o fato de não saber lidar com uma dificuldade da vida, principalmente financeira, a perda de entes queridos, o sentimento de desamor, de desamparo. Quando uma pessoa se sente desamparada, elas já pensam que a vida não tem sentido, porque imagina que ninguém a ama. Ela imagina que dá amor e não recebe de volta”, explica.

Cláudia Simões vê o ato suicida como um problema emocional que, se tratado, pode ser evitado.

“Quando se perde a esperança de que dias melhores virão, que aquela angústia irá passar, se chega a um nível de desespero tão grande que as pessoas pensam que precisam morrer para se libertar daquilo. As causas para o suicídio ainda são muito estudadas e o que se sabe é que existe uma predisposição genética Dificilmente alguém que cometeu suicídio não tem um histórico familiar, algum parente que já tenha tentado se matar. Mas com o apoio da família e dos amigos, além do acompanhando psicológico, esses pensamentos podem ser abandonados”.

A psicóloga alerta para o perigo dos jogos virtuais. De acordo com Cláudia Simões, muitos jovens, mesmo sem histórico familiar, acabam tendo maior probabilidade de acabar com a própria vida influenciados por jogos que fazem apologia à morte.

“Nesses jogos se mata naturalmente. Para ser vencedor, é preciso matar mais que os outros jogadores. Isso tem preocupado psicólogos e psiquiatras do mundo inteiro”, relata.

12ª causa de morte no mundo

Cláudia Simões conta que o suicídio, de acordo com estudos, é a 12ª causa de morte em todo o mundo mas, o número pode não ser exato.

“Não se pode garantir que esse é realmente o número porque a maioria das pessoas sente vergonha de dizer que seu ente querido se suicidou. Para evitar que o número de casos aumente, as pessoas precisam dar mais atenção às frases como ‘eu quero desaparecer’ e ‘quero dormir e nunca mais acordar’, por exemplo. Isso deve ser levado a sério. Todas as vezes que se estuda as causas do suicídio, esse tipo de frase antecedeu ao ato”.

A psicóloga explica ainda que os pais devem ter mais atenção na forma de educar os seus filhos, principalmente em relação aos valores.

“Hoje em dia as pessoas dão muito mais importância ao ter do que ao ser. Eu percebo, principalmente no meu consultório, que meus pacientes adolescentes que já tentaram suicídio, o fizeram depois de receber um ‘não’ da vida. Do namorado ou da namorada. Fatores culturais contribuem com isso e tem uma diferenciação de classes culturais. Meninos e meninas que possuem o melhor celular, a roupa da mora, o sapato de marca, mesmo que os pais não tenham boas condições e acabam se esforçando mais do que podem para não dizer ‘não’ aos filhos, acabam criando pessoas sem disposição para enfrentar situações difíceis”, explica a psicóloga.

Cláudia Simões conta ainda que existem inclusive casos de crianças que cometem suicídio.

“Por incrível que pareça, acontece. Principalmente quando essa criança foi violada, agredida, abusada. Muitas vezes ouvimos histórias de que foi um acidente, que a criança caiu de um lugar alto. Mas existem crianças que não suportam a dor emocional e acreditam que a única solução é tirar a própria vida”.

Os idosos também estão propícios ao suicídio quando são abandonados pela família. Cláudia Simões alerta para que as pessoas tenham atenção em relação ao isolamento da pessoa idosa.

“A família não tem a paciência devida quando o idoso regride, quando já não tem noção para peneirar o que diz e se torna um incômodo. Tentam isolar essa pessoa e ela não suportam, afinal, se dedicaram a vida toda à família. De qualquer forma, o meu alerta é para as pessoas que são apontadas como ‘desagradáveis’ ainda na juventude. Não se apeguem à frase ‘é meu jeito de ser’. Precisa tratar essa condição de personalidade que é construída porque, se jovem já é uma pessoa desagradável isso vai piorando ao envelhecer”.

HGE registra aumento do número de tentativas de suicídio (Foto: Carla Cleto/Agência Alagoas)

Por fim, Cláudia Simões reforça que é preciso atenção para os sinais de quem está propício a cometer suicídio.

“Surtos psicóticos podem levar ao suicídio. Mas, na maioria dos casos existem os sinais, os pedidos de ajuda. Se a pessoa mostra tristeza profunda, não controla o choro, não se alimenta direito, deve ser encaminhada a um profissional, a um psicólogo ou psiquiatra. As vezes a gente diz que a pessoa só quer chamar atenção, que é chantagem emocional, mas não é. A bipolaridade é um fator perigoso também, assim como o uso de drogas, que podem causar esquizofrenia ou alucinações. O linear da sanidade de um ser humano é muito tênue”.

HGE registra aumento do número de tentativas

Em contato com a assessoria de imprensa do Hospital Geral do Estado (HGE), o Portal Tribuna Hoje recebeu o relatório com o número de registros de tentativas de suicídios que deram entrada na unidade de saúde em 2018 e nos primeiros meses de 2019. Os números mostram que os casos têm aumentado. De janeiro a junho de 2018 foram 177 tentativas de suicídio enquanto no mesmo período de 2019 foram registradas 232. A maioria das vítimas tentou tirar a própria vida tomando comprimidos.

TRIBUNA HOJE