Com mais de 500 quilômetros quadrados onde vivem quase um milhão de habitantes, ou seja, um terço da população alagoana, o semiárido enfrenta, além da longa estiagem, o atraso nos investimentos em todos os setores e carece de estratégias de políticas públicas de desenvolvimento. Nas ações do governo Renan Filho (MDB), os políticos daquela área ainda não enxergam o crescimento regional integrado. Pelo contrário. Reclamam que parte da população pobre morre de sede em frente ao Rio São Francisco e do Canal do Sertão, que já tem mais de 100 quilômetros construídos e consumiu mais de R$ 2,5 bilhões em verbas públicas.

A cobrança de promessas não param e um dos que cobram é o presidente da Comissão de Orçamento da Assembleia Legislativa Estadual (ALE), deputado Inácio de Loiola (PDT), um dos parlamentares que mais conhece a história política, econômica e social do semiárido do Nordeste, de Alagoas e é o mais requisitado no país e exterior para falar a respeito da região.

O deputado é natural de Canindé de São Francisco (SE), do outro lado da cidade de Piranhas, onde começou a carreira política. O parlamentar não esconde a decepção com os governadores que relegaram o Sertão à própria sorte.

grônomo, historiador e bacharel em Direito, Inácio Loiola iniciou a carreira política na cidade de Piranhas, onde foi vereador em 1982 e 1988; prefeito três vezes (1989/92; 2001/04; 2005/2008). Em 2010, foi eleito deputado estadual e está no terceiro mandato exercido em defesa do semiárido. Nesta entrevista exclusiva à Gazeta, o deputado, com sutileza peculiar, crítica a incapacidade dos governos federal e estadual de promover o desenvolvimento regional integrado. Categoricamente afirma que ?o desenvolvimento de Alagoas depende do Sertão?. A região é avaliada, por ele, como a mais promissora e rica do estado. A indústria da seca é uma das consequências da falta de políticas públicas.

Gazeta – Com base em relatórios das Coordenações Municipais de Defesa Civil, 38 prefeituras do sertão e o governo do estado decretaram situação de emergência por causa da seca. O senhor, que é um profundo conhecedor do semiárido, este não é um período chuvoso no sertão?

Inácio Loiola – A região passou por um período de escassez de chuvas nos últimos sete, oito anos. Neste período, a melhor condição climática ocorre justamente neste ano, de 2019. Não pela quantidade maior de chuva, mas pela melhor distribuição de água.

Regularidade também?

Realmente ocorreu uma certa regularidade pluviométrica, principalmente nos meses de junho e julho. Mas a média de chuva está baixa. Só para se ter uma ideia, no município de Piranhas [terra onde o deputado vive com a família, a 273 quilômetros de Maceió] no ano passado choveu em torno de 430 milímetros e este ano ainda não alcançamos 400 milímetros.

Qual seria a densidade pluviométrica da região?

No sertão, seria de 500, 600 milímetros por ano.

O Canal do Sertão hoje serve para que?

Eu coloco que jamais se poderá desenvolver Alagoas sem aproveitar as potencialidades que o sertão tem a nos oferecer.

Como?

Nenhuma região do mundo pode desenvolver sem três pilares: água, energia e estrada. No meu entendimento, hoje, um dos maiores problemas do Brasil é a degradação do Rio São Francisco. Nós [sertanejos] temos o Velho Chico de um lado e cortando toda a região do semiárido um projeto de rio artificial de levar água de boa qualidade até a região do Agreste, que é o Canal do Sertão. Em extensão, o Canal é maior que o Rio São Francisco no nosso trecho. Veja só, o rio tem 200 quilômetros ao longo dos estados de Alagoas e Sergipe; o Canal quando estiver totalmente concluído terá extensão de 250 quilômetros. Portanto, nós temos água, temos a maior concentração de energia de hidrelétrica naquela região.

uer dizer que o sertanejo morre de sede em frente Velho Chico (O rio nasce em Minas Gerais e percorre 2.830 quilômetros; a foz fica na praia do Peba, entre Alagoas e Sergipe)?

Infelizmente é verdade, se morre de sede em frente ao rio. Veja bem, no trecho de Xingó [usina hidrelétrica que fica em Piranhas] passando por Itaparica [cidade da Bahia] seguindo para Paulo Afonso, que em linha reta não é mais que 60 quilômetros, nós temos sete hidrelétricas. Então, temos água, temos energia e sem levar em consideração a potencialidade para se explorar a energia eólica e solar; temos também a região de microclima, que é uma das mais privilegiada do Nordeste, que é aquela região serrana compreendendo os municípios de Água Branca, Mata Grande e tem um território de 500 quilômetros quadrados, ou seja, quase duas vezes maior que a área territorial de Maceió. Logo, temos uma região com todas as condições edafoclimáticas [considera a diversidade de ecossistema, tipos de solo e clima] para implementar a fruticultura e horticultura. Tem um potencial adormecido no sertão.

O que falta para desenvolver a região?

Faltam políticas públicas. Falta um plano de desenvolvimento integrado para o estado de Alagoas.

O governo de Alagoas está no seu segundo mandato e ainda não apresentou isso?

Ao longo de toda a existência de Alagoas, como estado independente, nenhum governo dotou a região de políticas ou explorou esta potencialidade. Aliado a tudo isto, a região que mais cresceu turisticamente nestes tempos foi aquela região que compreende os lagos do rio São Francisco. Ai eu pergunto: Qual a região do Nordeste que tem as nossas potencialidades? Caruaru (PE) não tem; Feira de Santana (BA) não tem; Campina Grande (PB) não tem; Juazeiro do Norte (CE) não tem; Mossoró (RN) não tem. Conclusão: de cada 100 litros de água potável que é consumida no mundo, setenta litros são destinados para a produção de alimentos e para irrigação; 25 litros são destinados ao consumo industrial e cinco litros para os consumos humano e animal.

O que o senhor quer dizer com isso?

Estou dizendo que nós temos água para produzir alimentos, energia, estrada e infraestrutura. Inclusive temos até um aeroporto vizinho ao município de Delmiro Gouveia.

Onde?

Em Paulo Afonso. O aeroporto é do porte do Aeroporto de Aracaju (SE). Portanto, temos água para a produção rural, água para absorver indústrias e água para atender os consumos humano e animal.

or que o governo estadual não olha para o semiárido? O que falta?

Falta aproveitar as nossas potencialidades da região.

Por que não se olha para a região?

Porque, as vezes, cada político tem visão diferenciada de outro político. Mas o que quero dizer neste momento é que o futuro de Alagoas está no nosso sertão.

Quem precisa ouvir isto?

Quem precisa ouvir isto é toda a classe política de Alagoas. Quero dizer também que este projeto é de minha autoria. Batizei como: ?As potencialidades dos lagos do São Francisco?. Quando falo assim, mostro os estados de Sergipe, da Bahia, Pernambuco e, claro, Alagoas. Nós temos tudo para ser a região mais pujante do Nordeste. Para se ter ideia da nossa força econômica, a cidade que menos chove no Brasil é Cabaceira, na Paraíba. Lá, a densidade pluviométrica é de 300 milímetros por ano. A Califórnia, nos Estados Unidos, chove 200 milímetros por ano.

Qual a diferença de Cabaceira para Califórnia?

Cabaceira é uma das cidades mais pobres do mundo e a Califórnia é um dos estados mais ricos do planeta. Então, a gente observa aí a falta de políticas para aproveitar a potencialidade de nossa região. Nenhum País e nenhum estado de primeiro mundo tem regiões pobres e outras ricas. Sempre eles promovem o desenvolvimento uniforme. O sertão de Alagoas é privilegiado: temos o rio São Francisco, temos o Canal do Sertão com mais de 100 quilômetros prontos e com água, temos a região serrana, temos uma bacia leiteira que já foi modelo para o Nordeste e para o Brasil.

Então, chega de seca?

A estiagem sempre vai acontecer. O que sempre caracterizou as regiões semiáridas são as irregularidades pluviométricas.

Chega de governar com os olhos fechados para o sertão?

Exatamente. Deus foi extremamente generoso com Alagoas, o que precisa é a gente aproveitar as nossas potencialidades e é isto o que a gente quer lá no sertão.

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