O uso das bicicletas como meio de transporte está crescendo cada vez mais. Entre 2007 e 2017, a utilização das bikes em toda a Grande São Paulo teve um aumento de 24% e a maioria dos ciclistas usa o modal para trabalhar. Entre os motivos para a escolha da ‘magrela’ estão praticidade, melhorar a qualidade de vida e reduzir o tempo de viagem.
No entanto, além de ter de lidar com ciclofaixas apagadas, sem sinalização, e o desrespeito de alguns motoristas, os adeptos da bicicleta ainda podem enfrentar lesões sérias motivadas por má postura na hora de pedalar, altura inadequada no selim (banco) e falta de proteção.
“Dor muscular é comum depois de grandes esforços ou depois de iniciarmos uma atividade nova. Em geral, dura dois a três dias e não é incapacitante. Além disso, melhora com a repetição do exercício nos dias subsequentes. Qualquer dor que fuja desse quadro deve ser avaliada por um ortopedista”, diz Márcio Schiefer, professor adjunto de ortopedia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Schiefer explica que as lesões do ciclismo podem ser divididas em traumáticas e por esforço repetitivo. As primeiras são decorrentes de quedas, que levam a escoriações, outros ferimentos cutâneos e fraturas. “As fraturas comprometem mais frequentemente os membros superiores, sendo os traumas da clavícula muito comuns.” Por isso, usar equipamentos de proteção é um dos primeiros cuidados a ter quando se decide começar a pedalar. Já as lesões por esforço repetitivo acometem mais a coluna lombar e os membros inferiores.
O estudante de jornalismo Marcos Hermanson, de 22 anos, adotou a bike como meio de transporte diário desde janeiro deste ano. Ele mora no bairro Conceição, zona sul da capital paulista, trabalha na Barra Funda, zona oeste, e estuda na Universidade de São Paulo (USP), também na região oeste. Da faculdade, ele volta de metrô para casa com a bicicleta e percorre, ao todo durante um dia, 27 quilômetros.
“Não me lembro de sentir dores [quando começou a pedalar]. Me sentia bastante cansado, mas de um jeito bom. Às vezes, sinto dores nos ombros por conta da mochila nas costas”, relata o jovem. Para evitar o problema, ele providenciou um bagageiro adequado ao padrão de sua bike.
Modelo ideal da bicicleta
Escolher o tipo certo de bicicleta é essencial para evitar possíveis lesões. “As pessoas tendem a escolher a bike pela estética quando os fatores principais a serem levados em conta é o objetivo, a proposta, a especificidade da bicicleta”, diz Vitor Painelli, doutor em ciências pela Escola de Educação Física e Esporte da USP. Nas ruas, o ideal é usar uma bike urbana, que geralmente é mais confortável, com selim grande e macio, além de rodas com aros maiores.
O professor Henrique Mogadouro da Cunha, de 30 anos, pedala nas ruas desde 2008 e usa a mesma bike para viajar. Ele reconhece que a escolha “não é nada recomendável”, pois o modelo é dobrável com roda pequena (aro 20). “Mas eu acabo indo com ela por apego, preguiça de pegar outra emprestada, mas não é boa para isso [viagens de longas distâncias]. Sinto diferença quando estou pedalando em grupo porque, em geral, a roda pequena não rende (especialmente no plano) e não é tão estável para pegar velocidade”, conta.
Para que a pedalada seja confortável, ciclista e bicicleta devem ser, praticamente, um corpo só. A fim de adequar o modelo da bike ao seu corpo — e caso possa investir de R$ 200 a R$ 400 — Painelli indica fazer os testes do sistema bike fit. Com ele, faz-se uma análise de todo o corpo da pessoa (estatura, comprimento de membros) e um teste numa bicicleta para analisar o desempenho e posturas.
Principais erros na hora de pedalar
Dores nos joelhos, na lombar e na dorsal são as principais queixas de quem pedala de forma inadequada. E isso independe de a pessoa ser novata ou veterana na prática. “Um dos principais motivos é a escolha inadequada da altura do selim. Se muito baixa, vai pedalar com os joelhos extremamente flexionados. No longo prazo, pode ter dor no joelho e inflamação do tendão”, diz o especialista da USP.
Outro erro comum e que pode ser evitado é a curvatura acentuada da coluna. Ela pode ser provocada por quadro de bicicleta, altura do guidão ou distância do guidão para o selim inadequados. “Estudos de biomecanismos indicam que a curvatura acentuada da coluna aumenta a compressão dos discos vertebrais. Pedalar assim com frequência leva à dor crônica na região”, diz Painelli.
A postura imprópria da coluna também pode prejudicar músculos próximos do quadril, como o piriforme, localizado na região pélvica. “Esse músculo está anatomicamente ao lado do famoso nervo ciático. Se inflamado, pode gerar pressão no ciático e a dor pode ser irradiada”, diz o doutor. Apoiar as mãos nos manetes muito afastadas ou muito próximas uma da outra também pode forçar a coluna. O especialista afirma que não tem como ficar com a coluna completamente ereta, mas é importante que ela fique o mais reta possível.
Cunha foi aprendendo esses macetes com um grupo de ciclistas que conheceu. “No começo, deixava o selim muito alto por medo, mas isso realmente machuca o joelho e rende menos porque precisa fazer muito esforço”, afirma. As dicas de segurança (veja mais abaixo) também foram adquiridas com quem já pedalava há mais tempo. Já Hermanson foi aprendendo na prática, experimentando. “Lembro de ver uma coisa ou outra na internet, mas a maior parte do aprendizado foi empírica, de ir sentindo.”
Embora faça bem para a saúde, pedalar demais também pode ser prejudicial. “É menos frequente no ciclismo e mais na corrida, mas quando a pessoa quer se tornar muito boa e melhorar a saúde no prazo curto, e não oferece descanso adequado, isso pode acontecer” devido ao esforço repetitivo, afirma Painelli.
Como evitar lesões e acidentes na hora de pedalar
Escolha a bicicleta ideal: você vai pedalar nas ruas da cidade? A via é asfaltada ou não? Você vai pedalar por lazer de vez em quando, para atletismo ou usar a bike como meio de transporte toda semana? Leve essas perguntas em consideração na hora de comprar sua ‘magrela’ e peça ajuda a especialistas.
Ajuste banco, selim e guidão: o indicado, segundo Painelli, é que o banco fique na altura do quadril, mais especificamente pareado com a ponta superior do fêmur, osso da coxa. O ortopedista Schiefer diz que a altura ideal faz com que o joelho não estique completamente, mesmo quando o pedal estiver na parte mais baixa. O joelho deve ficar dobrado cerca de 20 graus nesse momento.
Arrume a postura e os movimentos: além de a coluna precisar ficar o mais reta possível, mesmo que seja preciso inclinar o tronco para frente, o médico orienta que o movimento das pernas deve ser de cima para baixo, com os joelhos paralelos ao quadro, ou seja, não devem se movimentar para fora nem para dentro.
Prepare-se e não exagere: Painelli afirma que é bom fazer alongamentos antes de pedalar, mas para evitar dores principalmente na lombar, é indicado fazer exercícios de fortalecimento muscular da região. Fazer abdominal e prancha são algumas recomendações. Se você é uma pessoa sedentária que vai começar a pedalar, vá com calma. O especialista recomenda praticar de três a quatro vezes por semana, conforme for se adaptando. Lembre-se que todo excesso é prejudicial.
Use equipamentos de segurança: capacete, joelheira e cotoveleira são itens essenciais. A proteção também inclui equipar a bicicleta com buzina, lanternas dianteira e traseira, refletores e até retrovisores.
Conheça o trajeto que fará: é importante saber se as vias estão em boas condições, se há ciclofaixa ou ciclovia e qual a intensidade do trânsito. Vá em dias tranquilos e em outros mais intensos para sentir o fluxo. Ser visto e saber que está sendo visto é uma recomendação do veterano das ruas Henrique da Cunha. Ele indica fazer o máximo de contato visual possível com os motoristas para entender e antecipar os movimentos deles. Olhar para as rodas de um carro estacionado para saber se ele vai dar partida e não confiar que todos darão seta são outras dicas.
Estadão