Andréa dos Santos Tanci tinha 12 anos quando perdeu os dois rins, que estavam em falência devido a uma nefrite crônica. Enquanto fazia diálise, a família ficava na expectativa da aprovação de um doador, o que lhe daria uma nova vida. A espera de um ano e nove meses terminou em 1994, quando ela recebeu o transplante de um rim cedido por um doador pós-morte mediante aprovação dos parentes da pessoa.

Hoje, aos 39 anos, Andréa é propagadora da importância da doação de órgãos. “As pessoas não entendem, tem medo de passar por cirurgia. Entendo e respeito a opinião de cada um, mas é complicado hoje em dia. Eu converso com muitas pessoas”, diz a dona de casa. Além disso, crenças religiosas e pessoais também justificam o fato de famílias não autorizarem a doação de órgãos de um ente que se foi.

Para estimular o diálogo, quebrar tabus e conscientizar a população, o músico Bruno Saike criou a ação humanitária #JUNTOS, que reúne personalidades em um vídeo informativo sobre o tema. A mobilização ocorre esta semana, em que se celebra, em 27 de setembro, o Dia Nacional da Doação de Órgãos.

A ideia da campanha surgiu em 2014 após Bruno assistir a um documentário sobre o tema. “Eu nunca tinha pensando sobre isso, como grande parte da sociedade brasileira. [As pessoas] associam o tema com morte, mas a partir do momento que você consegue salvar até oito, 12 pessoas, fala muito mais de vida do que de morte”, diz.

Este ano, a ação tem o mote ‘Fazer o bem sem olhar a quem’ e conta com a participação de diversos artistas: o colunista do Estadão Leandro Karal, os cantores Di Ferrero e Sidney Magal, as atrizes Giovanna Grigio e Suzy Rêgo, além do ator Antônio Fagundes e Thammy Miranda. “O #JUNTOS não é uma ONG, não é uma fundação. É simplesmente uma conscientização da causa”, explica Bruno, que ressalta o não envolvimento de qualquer marca na ação.

Apaixonado pela comunicação e pelo audiovisual, Bruno entrou em contato com pessoas influentes que pudessem colaborar com a discussão. Mas não foi tão simples assim. “Senti muita resistência de muita gente para falar sobre isso, se expor sobre um tema que é tabu. Comecei com a cara e a coragem”, conta. Em 2015, ele lançou o primeiro vídeo com personalidades como Fátima Bernardes, Antonio Fagundes e Cauã Reymond fazendo um gesto que simboliza o ato de doar. Desde então, o projeto só cresceu.

Em 2016, a ação envolveu 70 pessoas diretamente ligadas à doação de órgãos e 40 músicos nacionais, entre eles, Ivete Sangalo, Daniel, Mc Guimê e Jorge Aragão, que recriaram a versão de Sueño Dorado, do cantor argentino Abel Pintos. No ano seguinte, a Sociedade Europeia de Transplante de Órgãos convidou Bruno para ser embaixador pelo Cone Sul e América Latina da entidade. No ano passado, a iniciativa venceu o SaludFestival, na Espanha, como melhor mensagem de campanha.

Ao longo dos anos, o músico participa de movimentos de outras instituições relacionadas à doação de órgãos e destaca a importância de envolver artistas na discussão. “Se você nunca pensou naquilo, você vê uma personalidade falando e você levanta, começa a pensar. Mas se a pessoa vai abraçar a causa, é livre arbítrio.”
Doação e transplante de órgãos no Brasil

O último Registro Brasileiro de Transplantes, da Associação Brasileira de Transplante de Órgão (ABTO), indica que a taxa de transplantes renais não cresce há sete anos. O documento, que analisa os três primeiros meses de 2019, aponta que, embora tenha havido um aumento de 0,8% na taxa de potenciais doadores, houve queda de 2,1% na taxa de efetivação do transplante.

“O que aconteceu nos últimos anos foi que, como o SUS não teve reajuste nos transplantes, alguns hospitais pararam de fazer pelo sistema público. Isso gera acessibilidade menor para os pacientes”, explica o médico André Ibrahim David, membro titular da ABTO. Segundo ele, o resultado final do processo de transplante é o mais comprometido – e isso envolve fazer escolhas.

Diante da morte encefálica de uma pessoa que pode doar um fígado, por exemplo, ter de decidir se esse órgão irá para alguém em melhor ou pior condição de saúde é determinante. “Se colocar em uma pessoa que está muito ruim, pode dar errado e a outra, logo abaixo, mas que está melhor, talvez não receba outro órgão a tempo e morra.”

O especialista indica que fatores de infraestrutura e orientação de equipe também importam nessa questão. Para que órgãos e tecidos possam ser doados, o tempo é crucial. A partir da morte cerebral, um coração deve ser retirado do corpo do doador antes da parada cardíaca e pode ser preservado fora do corpo por um tempo máximo de seis horas. Para David, um profissional bem capacitado para doação de órgãos entende a importância de uma boa condução pós-morte cerebral e vai também conversar com os familiares sobre o assunto.
Tabus envolvem doação de órgãos

Conforme disse Bruno, o tabu sobre o assunto começa quando as pessoas evitam falar sobre ele, pensando que a morte, e não a possibilidade de vida, é fator principal. E mesmo que a morte seja parte do assunto, ela deve ser discutida de forma natural, se possível desde a infância. Nesta reportagem, o E+ explica como falar sobre isso com crianças e adolescentes.

Outro motivo para pessoas e famílias negarem a doação de órgãos é a religião. “As pessoas acham que o corpo não pode ser invadido depois da morte. Os japoneses, por exemplo, não aceitam a morte cerebral e só fazem transplante com doador vivo”, exemplifica David. Motivos pessoais de desconforto ou outras crenças também guiam a decisão.

Mas não se pode culpar a religião e a crença das pessoas. A doação de órgãos é um ato voluntário e somente a pessoa em vida ou os parentes após sua morte podem decidir o que fazer. Apesar dos número em queda quanto à efetivação do transplante, o membro da ABTO afirma que o brasileiro, de modo geral, é pró-doação. “Tem lugares com 80% de aceitação de doação, como Santa Catarina e Rio Grande do Sul”, indica. Para o médico informação é fundamental. “Quanto mais bem informada a população, maior a chance de doar. Por isso as campanhas são tão importantes”, afirma.

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