Quase 500 internações involuntárias de dependentes químicos ocorreram este ano em Alagoas. Essa medida extrema ? que para uns fere os direitos humanos ? ainda divide opiniões de especialistas, mas é aprovada por grande parte da população. Isso é o que atestou um instituto de pesquisas em meados deste ano: oito em cada dez brasileiros adultos disseram ser favoráveis à condução para clínicas, mesmo sem o consentimento.

Segundo a psicóloga Izolda de Araújo Dias, gerente de Atenção Psicossocial da Secretaria de Saúde de Maceió (SMS), para que ocorra a internação involuntária em Maceió ? que veio após determinação judicial ? há avaliação de uma equipe multidisciplinar. Sem clínicas que atendem pelo Sistema Único de Saúde (SUS), a capital conta com quatro unidades que prestam o serviço, sendo três delas destinadas a dependentes do sexo masculino.

?Quando a pessoa necessita de internação tem uma comissão de avaliação do tratamento que é composta de médicos psiquiatras, assistente social e psicólogos. É uma equipe multidisciplinar que conta com servidores públicos e profissionais contratados que fazem avaliação no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) ou atendimento nas casas das pessoas quando elas não podem ir até o Caps. A equipe é acionada pelo familiar da pessoa que precisa de internação. Se uma pessoa necessita a gente faz o encaminhamento, é aberto processo administrativo, vai para o setor para ser feita a cotação, manda para ver qual é a clínica e o encaminhamento?, explica Izolda de Araújo.

Há períodos que há mais procura e isso gera aumento do número de internamentos involuntários em Maceió. ?Ficou decidido que o pagamento das clínicas é dividido pelo Município que fica 50% e o Estado, também com 50%. Temos em Maceió quatro clínicas particulares involuntárias prestadoras de serviço, três para masculina e uma feminina?, acrescenta a gerente de Atenção Psicossocial da Secretaria de Saúde de Maceió (SMS). De janeiro a setembro deste ano, foram 450 internações para tratamento de dependência química em Maceió e quase 20 em cidades do interior de Alagoas. O mês com mais internações foi janeiro com 98 encaminhamentos.

Internamento deve ser último recurso, afirma psicóloga

Em entrevista à Gazeta de Alagoas, a psicóloga Rosa Augusta Melo afirma não ser contrária ao internamento involuntário, mas que esse deve ser o último recurso. ?Não sou contra, acho que deve existir em algum momento. Sou de acordo com o que fala a lei 10.216 que é de 2001 e diz que o internamento involuntário compulsório deve existir em momento de total exceção quando forem esgotadas todas as possibilidades de tratamento em liberdade, quando tem comprometimento da vida da pessoa que está em uso abusivo de drogas, o dependente, ou a vida de pessoas próximas. É uma coisa que deve ocorrer em última instância?, declara Rosa Augusta.

A Lei 10.216 de abril de 2001 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. ?A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes. O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio; o tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros?, diz trecho do artigo 4º. ?Porém, na prática, o que estamos vendo é que alguns profissionais e familiares estão fazendo isso com um pouco de facilidade. Às vezes está usando drogas e não tem nenhum acompanhamento, sem laudo específico e a família já pede internamento?, acrescenta a psicóloga.

Lei autorizou internação compulsória

Já a Lei 13.840 de junho de 2019, sancionada pelo governo federal, autoriza a internação compulsória de dependentes químicos, sem necessidade de autorização judicial. ?A lei mais nova que é 13.840 deste ano, que faz algumas ressalvas em relação a leis anteriores da política de drogas onde têm alguns artigos que falam de internamento involuntário, da possibilidade de fazer, então a população fica muito mais à vontade e alguns profissionais também. A lei só pede o laudo médico, porém na minha área da psicologia percebo que o laudo é muito isolado, é muito sozinho, não tem um contexto?, rebate Rosa Augusta Melo.

Na avaliação da psicóloga, é preciso tratar a dependência química, mas não como um problema isolado. ?Muitas pessoas pedem o internamento mais por questões sociais e familiares, não por uma questão da dependência mesmo, que haja comprometimento a ponto de internar. Muitas pessoas também pedem o internamento para ter um certo descanso, por um certo período e isso também não é correto. É preciso incluir educação, é preciso fazer uma política anterior, têm várias questões envolvidas?, reforça Rosa Augusta.

Segundo informações da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), este ano, a pasta viabilizou 17 internamentos de dependentes químicos oriundos de Marechal Deodoro, Paripueira, Rio Largo, Santa Luzia do Norte, Satuba, Boca da Mata, Coruripe, Campo Alegre, Igreja Nova, Arapiraca, Santana do Ipanema, Pão de Açúcar, Delmiro Gouveia e Pariconha. ?Têm pessoas que são reinternadas por mais de dez vezes e isso é um processo de perdas para sua vida. A gente sabe toda a problemática que a família passa e por isso também a família precisa ser cuidada, porque a pessoa passa um período interna e depois volta para o convívio?, fala a psicóloga.

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o pagamento das clínicas é feito com recursos próprios ? rateado entre o Município e o Estado, medida executada por determinação judicial. ?Quando há a internação, ele sai do convívio familiar por um período e nós sabemos que todos nós precisamos do aconchego familiar. A família é muito importante no cuidado e têm muitas famílias adoecidas. Ela também precisa ser tratada?, finaliza a psicóloga Izolda de Araújo Dias, gerente de Atenção Psicossocial da Secretaria de Saúde de Maceió (SMS)

Internação é traumática

A terapeuta ocupacional Luise Tszesnioski, da gerência de Atenção Psicossocial da SMS, reforça que as 450 internações em clínicas de tratamento em modalidade de internação involuntária ? em Maceió ? são destinadas a pessoas com necessidades decorrentes do uso de álcool e drogas. ?Também existem as internações em hospitais psiquiátricos, mas é outra coisa. São quatro clínicas na capital, modalidade própria do Município de Maceió, após ação civil pública. Internar uma pessoa involuntariamente exige muita cautela, é uma questão muito séria. Deve ocorrer depois de esgotados todos os dispositivos, porque às vezes é tão traumática (a internação), pois sai do seio familiar. É a última tentativa?, explica.

Luise Tszesnioski completa que decisão judicial permite encaminhamento para internação involuntária em clínicas de Maceió sem que seja preciso acionar a Defensoria Pública. ?Vai direto aos Caps AD (Centros de Atenção Psicossocial) que prestam acolhimento. A pessoa precisa ser avaliada para que a gente não incorra em cárcere privado, não é toda pessoa que faz uso de droga que precisa de internação involuntária. É um serviço que precisa ter muito cuidado e não deve ser banalizado. A gente já faz há algum tempo, desde 2013?, finaliza.

A pesquisa do Instituto Datafolha ? em julho deste ano ? apontou que oito em cada dez brasileiros disseram ser favoráveis a internação involuntária para tratar a dependência química, também que uma em cada quatro pessoas tem um familiar com histórico de abuso de drogas. Outro ponto que chama atenção é que mais de 70% dos entrevistados dão apoio à internação.

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