Como o planeta estará após a pandemia de coronavírus, ninguém sabe ao certo. Seja nas relações pessoais, seja, mais precisamente, do ponto de vista econômico. O que se sabe é a necessidade de ações articuladas para a retomada da economia. Contudo, o tamanho do “buraco” ainda é incerto. Diante disso, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) divulgou estudo em que aponta a possibilidade de redução do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro em 11%, com a perda de 15 milhões de empregos.

A reportagem da Tribuna entrevistou dois economistas para comentar os cenários apresentados no estudo da UFRJ. Tanto para Cid Olival quanto para Rômulo Sales, a presença do Estado brasileiro como indutor da economia será fundamental para seu restabelecimento; e criticam as medidas adotadas pelo Governo Federal até aqui.

Para Rômulo Sales, “cabe, sem dúvidas, a presença do Estado para garantir que a economia se recupere mais rapidamente. Sob esse ponto, no âmbito macroeconômico, percebemos que o Estado pode estar implementando políticas cíclicas, ou seja, que aprofundam a crise, ao invés de anticíclicas, que ajudariam a sair mais rápido do estado de letargia”.

Já Cid Olival destaca a necessidade de o Estado estimular a demanda e a produção.

“É necessário que o Estado realize cada vez mais gasto e expansão monetária para estimular a demanda e a produção. Uma economia não cresce se não houver aumento do consumo e do investimento. E como teremos diversos setores bastante prejudicados, o Estado precisa fazer o papel de indutor da atividade econômica. Por isto é fundamental retirar os elementos que impedem e/ou limitam a ação estatal, como a PEC do teto dos gastos, a política de superávit primário ou mesmo a regra de ouro”.

Mesmo avaliando positivamente a recente redução da taxa de juros Selic a 3% ao ano, o que ajuda a produção por estimular o aumento de exportações, Rômulo Sales aponta a PEC do teto dos gastos como fator dificultador para o crescimento econômico.

“Uma elevação nos gastos do setor público eleva os do setor privado. Mas o governo mina o poder de consumo da população ao não conceder aumento real do salário mínimo; quando tenta permitir que o trabalhador seja demitido sem direitos; ou tenha renda reduzida em função da diminuição da jornada de trabalho”, relata. “Isso afeta a sua confiança no futuro, a sua expectativa de consumo cai drasticamente mesmo que sua renda seja mantida no mesmo nível. Ainda há a proposta de congelamento do salário dos servidores públicos para que os estados recebam auxílio federal, que é mais uma forma de penalizar alguém do que de ajudar, como se o salário do funcionário público fosse a razão pela falta de recursos nos cofres públicos”, completa Rômulo Sales.

Se seguir a política do governo federal, recuperação será precária

Para o economista Cid Olival, se Brasília seguir com a mesma política de Paulo Guedes, ministro da Economia, não haverá recuperação em médio e longo prazo.

“É fundamental modificar completamente tudo o que tinha sido proposto. É certo que o governo Bolsonaro, sob ação do ministro Paulo Guedes, vai querer defender uma política de austeridade, dizendo que agora é o momento para aumentar ainda mais o ajuste fiscal, já que o Estado expandiu seus gastos em virtude da pandemia e isto levou ao aumento do déficit fiscal”, comenta.

“Também virá um discurso falacioso de que as reformas propostas pelo governo visam a retomada do crescimento econômico. Isto é uma grande mentira, veja o resultado da reforma trabalhista, que gerou aumento da informalidade. O mesmo ocorreu com a reforma da Previdência, em que militares, Judiciário e Legislativo, praticamente não foram afetados. A agenda de reformas nunca foi, e nunca será, de crescimento econômico. Pelo contrário, aprofundará ainda mais os prejuízos aos trabalhadores, sem promoção de crescimento e desenvolvimento econômico”, completa Cid Olival.

ECONOMIA JÁ ESTAVA RUIM ANTES DA PANDEMIA

“Se lembrarmos de que a economia brasileira vem de histórico de baixíssimo crescimento econômico, com taxas negativas em alguns anos, não restam dúvidas de que teremos um abalo muito grande, principalmente se o governo brasileiro não tiver um plano de recuperação econômica bem definido. Mantidas as orientações ideológicas bolsonaristas de livre mercado, não duvido que tenhamos uma queda da economia de 11% ou mais”, afirma em concordância com o pior cenário do estudo da UFRJ.

“Independentemente do ramo de atividade, as micro e pequenas empresas sofrerão bastante, pois, normalmente, não possuem recursos suficientes para capital de giro e dependem diretamente da dinâmica de curto prazo. É fundamental a ampliação do fornecimento de crédito, com juros ainda menores e prazos de carência mais longos”, completa Cid Olival.

Consórcio Nordeste vem buscando alternativas para saúde e economia

Diante de tanta incerteza, como fica Alagoas? Os economistas respondem. Cid Olival destaca a ação conjunta dos estados nordestinos no combate à pandemia, em especial com a criação do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus – Consórcio Nordeste, “que tem buscado pensar políticas públicas, sejam na área da saúde, sejam na área da economia, que possam ser implementadas pelos governos estaduais e municipais para mitigar os efeitos da pandemia”.

“De todo modo, ainda que Alagoas tenha apresentado, ao longo dos últimos anos, taxas de crescimento do PIB superiores às taxas brasileiras, certamente teremos crescimento negativo, haja vista o grande peso dos serviços, em especial, atividades como comercio varejista, transporte e alimentação, turismo e algumas poucas atividades industriais que dependem de componentes importados”, completa Cid Olival.

Já Rômulo Sales destaca que o impacto econômico da crise em Alagoas vai depender de sua capacidade organizativa-financeira.

“Para Alagoas, assim como para os demais estados, o efeito da pandemia irá depender do grau de organização financeira. Com certeza teremos queda na arrecadação do Estado. Medidas de contingenciamento de despesas já foram publicadas em decreto estadual para priorizar o combate à covid-19”, diz. “Dentre os setores mais afetados na nossa economia acredito que o comércio e serviços, dado ao seu peso no PIB, cerca de 60% oriundo desse setor. O setor de turismo que abrange transportes, gastronomias, hotelarias, pousadas, agências de turismo etc., nosso cartão postal também sofrerá dos efeitos da retração da economia no mundo, sobretudo devido à proibição/restrição de viagens turísticas no mundo”, completa Rômulo Sales.

PARQUE PRECÁRIO

No cenário nacional, o economista Rômulo Sales ressalta o precário parque industrial brasileiro e que mesmo sem pandemia, a economia do país estaria em baixa.

“Mesmo que o Brasil não fosse afetado pela covid-19, já teríamos sérios problemas econômicos. O desempenho da economia brasileira já vinha, desde 2014/2015, cambaleando, dados os resultados tíbios do nosso PIB, insistindo em permanecer estagnado. Isso mais o nível elevado de desemprego, expansão do trabalho informal, da ‘pejotização’, em certa medida mascarando a taxa de desemprego, e dos números de desalentados [que pararam de procurar emprego]”, diz. “A covid-19 serviu, se é que podemos encontrar algo de bom nesse momento, para trazer à tona todas essas nossas fragilidades. Para quem acreditava que o Brasil era um país industrializado, nem máquinas descartáveis fabricamos. Tudo importado da China. E o mais agravante, importar qualquer tipo de material com o Dólar em relação ao Real à quase 6,00, fragiliza o balanço de pagamento de qualquer país”, afirma Rômulo Sales.

Fonte: Carlos Amaral / Tribuna Independente

(Foto: Edilson Omena)