Vítima e algoz dentro da mesma casa. O isolamento deixou mulheres ainda mais vulneráveis à ação de agressores. Os números oficiais da violência doméstica, nos últimos meses, em Alagoas, geram desconfiança sobre a real situação dentro dos lares. O mais provável é que a subnotificação desses casos, que já era grande, aumentou durante a pandemia.

De 19 de março a 18 de junho deste ano, foram relatados às autoridades da Segurança Pública 306 casos de lesão corporal. No mesmo período, em 2019, ocorreram 432.

Já as delegacias de Polícia Civil (PC) da capital e do interior receberam, de março a maio do ano passado, 1,2 mil casos de violência doméstica. No mesmo período de 2020, foram 712. Entre março e maio deste ano, cinco mulheres foram vítimas de feminicídio nos estados. No mesmo trimestre do ano passado, ocorreram 13 casos.

De acordo com dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), houve um aumento médio de 14,1% no número de denúncias feitas ao Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher – nos primeiros quatro meses de 2020, em relação ao ano passado.

Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o total de registros foi de 32,9 mil entre janeiro e abril de 2019 e de 37,5 mil no mesmo período deste ano, com destaque para o mês de abril, que apresentou um aumento de 37,6% no comparativo entre os dois anos.

Levantamento do Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ/AL) aponta que, entre os meses de março e junho do ano passado, foram concedidas 342 medidas protetivas a mulheres, e, no mesmo quadrimestre de 2020, foram 310. Elas estão garantidas na Lei Maria da Penha e servem para coibir a violência e proteger a vítima do agressor.

“O aumento do número de casos na capital é uma coisa que tem sido constante. É claro que, agora, com a pandemia, as pessoas ficam mais perto e, no isolamento social, aparece o covarde. Então o número de casos aumenta e, automaticamente, as mulheres também começam a denunciar mais. Nós precisamos interiorizar e criar uma rede de proteção no interior, o que não tem acontecido da forma que a gente gostaria”, declara José Miranda, juiz auxiliar do Juizado da Mulher da Capital.

Um dado que chama a atenção é que, no mês passado (junho), foram mais de 100 medidas protetivas concedidas pela Justiça, uma média de mais de duas por dia, durante o último trimestre da pandemia do novo coronavírus.

MOMENTO É DE PREOCUPAÇÃO, DIZ OAB

Em entrevista à Gazeta de Alagoas, a presidente da Comissão Especial da Mulher da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), Caroline Domingues Leahy, fala sobre os casos de violência contra a mulher em Alagoas, durante a pandemia.

“Nós estamos vendo, com grande preocupação, esse momento. Na verdade, o número de denúncias diminuiu, mas não significa que a violência doméstica e familiar tenha diminuído. Nós sabemos que uma mulher que já vivencia uma situação de violência, estando em casa com seu agressor, com seu algoz, nesse período de quarentena, a violência é aumentada”, declara a advogada Caroline Leahy.

Segundo a presidente da Comissão, é preciso destacar que a rede de apoio às mulheres continua funcionando nesse período: as delegacias especializadas, as delegacias comuns, o ligue 180 e o 190.

“Inclusive, terceiros que estejam ali e tiverem a percepção de que há uma mulher em situação de violência, eles podem fazer uma denúncia anônima através do 180, e, se a violência estiver acontecendo naquele momento, pode ligar para o 190, que uma guarnição da Polícia Militar chegará até o local e, possivelmente, poderá impedir que um feminicídio venha a acontecer”, acrescenta.

A reportagem pergunta se ela acredita que o isolamento social tem contribuído para a subnotificação de casos. Caroline afirma que, nesse período de quarentena, a instituição vê com maior preocupação (que já tem normalmente) em relação à violência doméstica.

“Essa mulher, que está dentro de casa, possivelmente, com seu agressor, está distante das amizades, da família e do seu meio de trabalho, das pessoas que possam perceber a violência que está sendo vivida, das pessoas que ela possa conversar e pedir socorro. Sim, nesse momento de quarentena, de epidemia, ela é mais intensificada. E, ainda, destacando que a mulher – estando dentro de casa, com seu agressor, e respeitando as normas para que não saia de casa, permaneça na quarentena, – não vai se locomover até uma delegacia especializada para formalizar essa denúncia. Ela não pode bater à porta de uma vizinha para conversar, para contar o que está acontecendo, por isso, é importante informar que as redes estão funcionando”, diz Caroline Leahy.

De acordo com a advogada, no levantamento de dados que está fazendo, é percebida a subnotificação, que já era existente antes mesmo da quarentena. E, principalmente, nesse período, a grande preocupação é que essas mulheres que sofrem a violência doméstica não estejam conseguindo denunciar, seja por não saberem que a rede de apoio está em pleno funcionamento ou porque não conseguiram canais para formalizar a denúncia.

“Vale destacar que uma mulher que já tem uma medida protetiva deferida, a Patrulha Maria da Penha continua fazendo o trabalho. Um brilhante trabalho. Já foram mais de 15 prisões por medidas protetivas e faz com que a mulher se sinta mais segura, mas, para isso, ela precisa entrar com a denúncia, se encorajar, precisa dessa rede de apoio e saber que os centros especializados podem acolher, podem atender”, completa.

Por Regina Carvalho | Portal Gazetaweb.com

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