Quando se iniciou o debate sobre as aglomerações nas campanhas eleitorais por conta da pandemia da Covid-19, parecia haver um interesse de a Justiça – juízes eleitorais e promotores eleitorais – em resolver a situação. Em 30 de setembro, quando os atos de propaganda eleitoral em Alagoas chamaram a atenção por conta do volume de apoiadores e eleitores aglomerados, a Força-Tarefa do Ministério Público Estadual de Alagoas (MP/AL) chegou a encaminhar um ofício à Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) para que fossem estabelecidos protocolos sanitários com fins de atividades de campanha.

Segundo o próprio Ministério Público Estadual, “documento será balizador para que os promotores eleitorais possam atuar e fazer as devidas cobranças, conforme as orientações técnicas da ciência”.

No entanto, mesmo com o ofício enviado pelo Governo do Estado em resposta ao MP Estadual, com 16 recomendações sanitárias e distanciamento social controlado, nem a justiça eleitoral, tampouco a Polícia Militar parecem se importar com as flagrantes aglomerações nas campanhas eleitorais em todas as regiões do Estado.

O que mais salta os olhos, segundo apuração da reportagem da Tribuna Independente, é que não é preciso muito esforço para constatar grandes volumes de pessoas nos atos de propaganda nos municípios. Diariamente, fotos e vídeos de caminhadas, carreatas e comícios são espalhados em grupos de WhatsApp e divulgados pelos próprios candidatos em seus perfis oficiais.

Outra situação que ocorre com frequência é que os próprios candidatos tanto a prefeito quanto a vereador descumprem, sem qualquer cerimônia, a maioria das recomendações sanitárias. Usam máscara de forma errada, abaixo do nariz, ou até mesmo no queixo; estão em contato direto com a população, com apertos de mão, abraços e beijos no eleitorado, e nos próprios comitês de campanha, não se afere temperatura, por exemplo. Tais situações estão nas recomendações da Sesau.

ENTENDIMENTO DA JUSTIÇA ELEITORAL

Pelo visto, após a decisão do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), em 13 de outubro, sobre as aglomerações no município da Barra de Santo Antônio, São Luís do Quitunde e Paripueira, os demais municípios entenderam que praticamente tudo está liberado.

A Tribuna manteve contato com o Tribunal Regional Eleitoral para saber se após a decisão que derrubou a proibição de atos de campanha na Região Norte, se chegou à Justiça Eleitoral novas ações com o mesmo sentido. A assessoria do órgão explicou que não chegou nada de novo, pelo fato de que quando o TRE decidiu em favor do Mandado de Segurança impetrado por uma coligação da Barra de Santa Antônio, a Corte Eleitoral recomendou para todos os outros juízes que não suspendesse completamente, mas que orientasse a funcionar dentro das regras sanitárias.

“Fica a cargo dos juízes eleitores alinharem com a PM [Polícia Militar] as suas preocupações porque já estão em vigor os decretos municipais e estadual. Ou seja, a justiça eleitoral não pode fazer mais nada. A gente acredita que esse debate já foi perdido aqui dentro da justiça eleitoral, mas nas zonas eleitorais, os juízes têm o poder de polícia para definir como que vai ficar tudo”, informou a assessoria de comunicação do Tribunal Regional Eleitoral.

MPs transferem responsabilidade e descumprimentos às normas seguem

Enquanto os flagrantes de aglomerações nas campanhas eleitorais têm seguimento em todas as regiões de Alagoas, e ao que parece, até o prazo limite que anteceda à data da eleição, no dia 15 de novembro, no Ministério Público Eleitoral e Procuradoria Regional Eleitoral no Ministério Público Federal (MPF), o que se pressupõe é que é que nenhum órgão quer voltar à sua atuação para combater quem infringe as recomendações sanitárias.

À Tribuna, a assessoria do Ministério Público Federal (MPF), ao ser questionada se os promotores eleitorais, que estavam aguardando um posicionamento do Estado de Alagoas para saber como proceder diante das campanhas eleitorais com aglomerações, estavam atuando, disse que o questionamento deveria ser dirigido ao MP Estadual (Ministério Público Eleitoral), visto que os promotores eleitorais são promotores de Justiça, contando com independência funcional.

“O MP Eleitoral não tem como coibir os atos de campanha, está na Constituição Federal. Quanto às aglomerações, o candidato que tiver provocado a aglomeração com desrespeito às normas sanitárias responderá pelos crimes previstos em lei”, informou a Procuradoria Regional Eleitoral.

Em contato com o Ministério Público Estadual, a Tribuna recebeu a informação da assessoria de que as demandas alusivas atos de campanha que geram aglomerações, sobretudo no período de pandemia da Covid-19, devem ser encaminhadas ao MPF.

“A procuradora Raquel [Teixeira] é quem está comandando isso. O MP Estadual atua de forma supletiva, em razão da ausência de procuradores da república suficientes para coordenar as eleições nos 102 municípios. A princípio quem responde pelo MP Eleitoral é a procuradora Raquel Teixeira”, disse o MP Estadual.

No entanto, cabe lembrar que o próprio Ministério Público Estadual, em seu site – www.mpal.mp.br –, numa publicação de 30 de setembro, ressalta que o ofício do Governo do Estado “será balizador para que os promotores eleitorais possam atuar e fazer as devidas cobranças, conforme as orientações técnicas da ciência”.

“Aconteceram convenções e estão ocorrendo, a todo vapor, as caminhadas e comícios. É claro que as atividades de campanha não podem ser interrompidas, no entanto, ainda vivemos uma pandemia e precisamos seguir tomando os devidos cuidados para evitar a disseminação da Covid-19. O Ministério Público, como fiscal da lei, fará entender aos candidatos que eles têm um papel fundamental nesse processo de conscientização da população”, afirmou Márcio Roberto Tenório de Albuquerque, procurador-geral de Justiça, na publicação de 30 de setembro.

Em portarias de juízes eleitorais para conter atos de propaganda eleitoral que gerem aglomerações, existem determinações para que a Polícia Militar (PM) atue como agente fiscalizador. À Tribuna quis saber se existe algum balanço ou registro de ações policiais que tenham culminado em impedir o excesso de pessoas nas campanhas por conta da pandemia da Covid-19. No entanto, a PM informou que “por enquanto” não tem esse balanço.

TRE/AL diz que candidatos e partidos devem observar medidas

Se em Alagoas as campanhas para prefeito e vereador promovem aglomerações em tempos de pandemia da Covid-19 com muita tranquilidade, em dois estados do Nordeste o Tribunal Regional Eleitoral e o Ministério Público apertam o cerco.

O Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE/PE) determinou, na última quinta-feira (29), a proibição de todos os atos presenciais de campanha causadores de aglomeração. Segundo a Justiça Eleitoral, a medida foi tomada por causa do aumento do número de casos do novo coronavírus.

O TRE de Pernambuco informou que ficam suspensos em todos os 184 municípios do estado comícios, “bandeiraços”, passeatas, caminhadas, carreatas e similares, além de confraternizações. Também foram vetadas ações para a arrecadação de recursos de campanha e eventos no modelo drive-thru.

No Ceará, Ministério Público do Estado recomendou na última quarta-feira (28), que os promotores eleitorais peçam a cassação do registro de candidatos do Ceará que promovem aglomerações em eventos da campanha eleitoral em 2020.

Conforme o Ministério Público, esse tipo de evento, em meio à pandemia de Covid-19, se caracteriza como abuso de poder econômico e político, o que pode levar à perda de mandato de candidatos que venham a se eleger.

Ambas as medidas causaram repercussão em Alagoas e o Tribunal Regional Eleitoral, por meio do presidente desembargador Pedro Augusto Mendonça de Araújo, informou que as medidas de segurança sanitária e de saúde, indicadas pelos órgãos competentes, devem ser observadas por candidatos, partidos e coligações em atividades de campanha eleitoral.

“Esclarece que à Justiça Eleitoral compete a fiscalização de eventuais irregularidades sob o ponto de vista eleitoral, cabendo a entidades e órgãos parceiros, no estrito limite de suas competências, o combate a irregularidades no âmbito da saúde pública e da vigilância sanitária. Reafirma que é de conhecimento geral que vivemos um período de pandemia há sete meses e as medidas e protocolos já definidos devem ser rigorosamente seguidos por todos, indistintamente, atores do processo eleitoral ou não”, diz um trecho da nota.

Por fim, segundo o TRE/AL, “seus magistrados, servidores e colaboradores estão dedicados em cumprir e fazer cumprir tais medidas e protocolos, especialmente o Plano de Segurança Sanitária editado pelo Tribunal Superior Eleitoral, contribuindo, a um só tempo, para o aprimoramento da democracia e para o recrudescimento do quadro pandêmico em nosso país”.

Fonte: Tribuna Independente/Carlos Victor Costa

(Foto: Divulgação)