A Polícia Federal identificou quem financiou os carros de som usados em manifestações em Brasília entre abril e maio do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez intervenções e desencadeou uma crise institucional entre os Poderes.

De acordo com o inquérito dos atos antidemocráticos, a despesa foi custeada por Renan da Silva Sena, bolsonarista que à época era funcionário terceirizado do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves.

Os carros de som bancados por Sena foram usados na manifestação no dia 19 de abril em que Bolsonaro discursou na caçamba de uma camionete em frente ao Quartel General do Exército e em outro, na Esplanada dos Ministérios em 3 de maio seguinte.

Sena também foi identificado pela PF como responsável por confeccionar faixas com ataques ao Supremo e ao Congresso que costumam ser usadas em manifestações de apoiadores do chefe do Executivo.

O inquérito aberto a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) dois dias depois do discurso de Bolsonaro em frente ao QG visava justamente apurar quem organizou e financiou os protestos realizados em todo o país e que incluíam pedidos de intervenção militar e fechamento do Congresso e do STF (Supremo Tribunal Federal).

A Procuradoria chegou a investigar a participação de 11 deputados na organização das manifestações, mas diz que não identificou provas que ligassem eles aos atos.

Por isso, pediu o arquivamento do trecho do inquérito relacionado aos parlamentares e encaminhou à primeira instância partes da investigação que diziam respeito a pessoas sem foro especial.

No mesmo dia, o relator, ministro Alexandre de Moraes, suspendeu o sigilo imposto aos autos das investigações e, nesta segunda-feira (7), o STF disponibilizou os documentos vinculados ao caso.

Além disso, Moraes pediu à PGR que esclareça pontos da manifestação pelos arquivamentos. Depois disso, ele irá apreciar as solicitações da Procuradoria.

O magistrado questionou quais medidas restritivas de direito impostas aos investigados durante a apuração deveriam ser encerradas e quais documentos remetidos à primeira instância junto com trechos da investigação.

A atividade de Ricardo Sena no aluguel de carros de som e na confecção de faixas com frases como “Intervenção militar com Bolsonaro no poder” e “Vagabundos do STF na cadeia”, porém, não está entre os casos enviados à primeira instância.

Sena se envolveu em uma série de episódios que lhe renderam acusações formais de agressão ou ameaça por pessoas consideradas por ele como adversárias políticas intencionadas a tirar Bolsonaro da Presidência da República.

“A partir da análise do material extraído do smartphone apreendido em poder de Renan Sena, foi possível inferir a participação deste na organização de manifestações ocorridas em Brasília no primeiro semestre de 2020. O ‘acampamento patriota’ realizado na Praça dos Três Poderes é um exemplo”, diz relatório da PF.

O ministério de Damares afirmou, por meio de nota, que Renan Sena não pertence mais ao quadro funcional da pasta nem estava no órgão quando foi indiciado. Seu contrato de trabalho foi cancelado no dia 23 de abril no ano passado, quatro dias após o primeiro protesto.

“Todos os membros deste ministério estão tranquilos para prestar qualquer informação que se fizer necessária para que os fatos sejam elucidados.”

A reportagem localizou Sena por mensagem de texto, mas ele não se manifestou sobre o assunto.

Em relação ao envio de seis casos à primeira instância, o pedido da PGR se baseia em “eventos identificados” pela polícia durante as investigações.

Um deles diz respeito à necessidade de esclarecer o “fluxo da monetização” realizado por Allan dos Santos, dono do canal bolsonarista Terça Livre.

A PF quer esclarecer o caminho do dinheiro recebido por Allan com os vídeos em apoio a Bolsonaro que publica na internet.

A polícia afirma que apreendeu materiais que apontam para a possibilidade de envio de recursos ao exterior intermediado por empresa sediada no Canadá. Uma parte do dinheiro teria retornado ao Brasil por pagamentos online e de despesas de Allan feitas por seu sócio, João Bernardo, que mora nos Estados Unidos.

Para a PF, os elementos apontam que Allan pode ter mentido à CPMI da Fake News e é necessário e “permanece a necessidade de aprofundamento” do tema.

A polícia também diz que é preciso investigar o recebimento de recursos pelo canal Terça Livre por meio de crownfouding, termo usado na internet para arrecadações online que, em tese, são espontâneas.

O canal chegou a receber cerca de R$ 100 mil por mês e, entre 13 de abril e 13 de maio de 2020, época em que Bolsonaro discursou em frente ao QG do Exército, foram identificadas 1.581 transações financeiras.

Servidores do Senado, do BNDES, do Governo do Rio de Janeiro, entre outros, teriam doado valores ao Terça Livre.

Outro ponto que exige o prosseguimento das investigações em primeira instância, segundo a PGR, é a renegociação do valor do aluguel de um terreno do empresário bolsonarista Otávio Fakhoury com a Petrobras. Um acordo extrajudicial teria elevado o valor do negócio de R$ 30 mil mensais para R$ 110 mil em um primeiro momento e, depois, para R$ 150 mil.

Fakhoury também aparece em outras partes dos relatórios da PF. A polícia encontrou no computador do empresário, um dos investigados no inquérito dos atos antidemocráticos, notas fiscais emitidas por duas gráficas do Nordeste.

Os documentos indicam que Fakhoury custeou material de divulgação da campanha de Bolsonaro à Presidência da República nas eleições em 2018. Não há registro desta doação na Justiça Eleitoral.

De acordo com o material em poder da polícia, foram contratados serviços para a impressão de 560 mil itens de propaganda eleitoral, entre panfletos e adesivos com foto do candidato.

Foram localizadas no equipamento de Fakhoury três notas fiscais, emitidas em nome dele em outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turnos das eleições, num total de R$ 53,3 mil. As gráficas são de João Pessoa (PB) e em Natal (RN).

A reportagem entrou em contato com a defesa do empresário e com a advogada Karina Kufa, que atua na defesa de Bolsonaro no TSE (Tribunal Superior Eleitoral), mas não houve manifestação até a edição desta reportagem.

Por Folhapress \ NOTÍCIAS AO MINUTO

FOTO: © Getty Images \ Política atos antidemocráticos