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Medo, vergonha, culpa e tristeza. Esses são alguns dos sentimentos que uma criança ou adolescente sentem quando são vítimas de abuso sexual. A violência não “sai da cabeça” de quem sofreu e pode gerar uma série de consequências no futuro como ansiedade, depressão, síndrome do pânico. Em alguns casos, quem comete o abuso são pessoas conhecidas das vítimas que por medo preferem não denunciar.

Ser abusada na infância é carregar um trauma por toda a vida já que a violência não se apaga. Quando o agressor é alguém que a vítima confiava a dor parece ser maior. A história da alagoana Joana, de 22 anos* é um dos exemplos dessa confiança que foi quebrada e que a “impediu” de confiar novamente nos homens. A alagoana foi estuprada duas vezes [sendo um aos 18 anos e outro aos 19].

Os agressores eram pessoas que Joana mantinha um laço de confiança. Um deles foi o namorado da vítima que a levou para um motel e a forçou manter relações sexuais com ele. Segundo Joana, ela não queria, mas ele “abriu as pernas dela” e a estuprou.

“Depois do que aconteceu nós terminamos e eu não consegui contar pra ninguém”, disse a jovem.

Joana disse ao Cada Minuto que tentou seguir a vida mesmo sabendo o trauma que carregava, mas que desenvolveu síndrome do pânico e precisou tomar medicação. Com menos de um ano, Joana disse que conversou com um amigo sobre a doença que estava e ele disse que a ajudaria com uma massagem.

“O estupro aconteceu dentro de uma sala de massagem de uma Universidade em Maceió. Ele começou a fazer massagem em mim e me estuprou com as mãos… eu não conseguia correr, gritar, nem agir, só chorava”, contou Joana.

Joana disse que após o estupro ela teve uma crise de síndrome do pânico e foi levada para o hospital, onde ficou internada por 15 dias. “O agressor foi no hospital me visitar e eu entrei em coma por 4 dias. O médico disse que era psicossomático.. eu contei a minha irmã o que houve e fomos denunciar, mas não fiz exame porque já tinha passado 6 meses do abuso”.

Aos 22 anos, Joana disse que a terapia ajuda para que ela consiga avançar em algumas situações. “Eu não conseguia nem chegar perto da faculdade que fui estuprada, mas hoje em dia já faço isso. Se eu posso deixar um conselho para essas mulheres que também foram vítimas é que façam terapia e que elas vão superar esse trauma”.

Casos em AL

Em Alagoas, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP/AL), foram registrados em 2016, 612 casos; em 2017, 744 e em 2018, de janeiro a setembro, 412. Os dados, ainda segundo a SSP, incluem todas as faixas etárias assim como vítimas do sexo masculino e feminino.

“O estupro perfura a alma”

A alagoana Fernanda* também foi vítima de abuso sexual. Hoje, aos 51 anos, Fernanda lembra com detalhes da violência que sofreu aos 12 anos dentro de um colégio. Segundo ela, o agressor era “conhecido” dela já que ele frequentava a escola que ela estudava.

“Ele me estuprou no dia dos jogos internos, me levou para o vestiário masculino e praticou o abuso. No dia que aconteceu eu percebi que ele já havia tentado se aproximar de mim em outro determinado momento dentro do colégio”, contou Fernanda.

Assim como Joana, Fernanda foi tomada pelo medo e não contou aos familiares, nem a direção do colégio. Com o passar dos meses, ela teve uma queda no rendimento escolar e entrou em depressão.

“Minha mãe descobriu [meses depois] me colocou no psicólogo e eu tomava medicamento. Fiquei uma pré-adolescente achando que não servia pra namorar, nem casar… já que antigamente funcionava assim. Isso atrapalhou até alguns relacionamentos meus e pais de amigos meus que proibiram as filhas de andarem comigo”, enfatizou Fernanda.

Aos 51 anos Fernanda ainda carrega traumas, mas afirmou que já consegue falar sobre o assunto. “Ainda é difícil, às vezes eu estou com amigos e família e vejo a cena novamente… eu só consegui melhorar de uns cinco anos pra cá e estou mais fortalecida”.

Para ela, a ferida fechou, mas as marcas são eternas. “O estupro não só rompe uma membrana, ele perfura a alma”, finalizou Fernanda.

Observe os sinais e busque ajuda

A psicóloga Roseanne Albuquerque (CRP – 15/1195) disse que geralmente os abusos acontecem por pessoas que deviam proteger a criança ou o adolescente. Além disso, a psicóloga ressaltou que quando acontece o abuso a vítima demonstra sinais de que algo está errado. “Muitas vezes, o silêncio é um dos sinais já que algumas vítimas são ameaçadas pelo agressor. A criança pode ter dificuldade para dormir, o medo aparece com mais frequência ou a criança pode desenvolver até doenças psicossomáticas”.

Roseanne disse que na maioria dos casos, a agressão parte de um amigo ou parente próximo e que é necessário que a família observe os sinais. “A criança que é vítima de abuso pode apresentar problemas no futuro como dificuldade em manter confiabilidade, problemas nos relacionamentos afetivos, sexuais, depressão, dependência química, entre outros”.

Ela alertou que o sofrimento emocional causado na criança é intenso, mas que é fundamental que os pais procurem um profissional indicado para que esses menores sejam acompanhados e os traumas trabalhados.

CADA MINUTO