Estima-se que uma em cada sete pessoas do planeta sofra de enxaqueca.
No Brasil, a doença, considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)
a sexta mais incapacitante do mundo, afeta cerca de 15% da população,
mais ou menos 31 milhões de indivíduos, com incidência maior entre as
mulheres (25%).

Apesar de muita gente não saber, a enfermidade pode ter sintomas que
vão além de dor de cabeça. São os distúrbios visuais, que se manifestam
através de pontos luminosos ou piscantes e que ficam parados ou se
movem, percepção de luz em ziguezague e visão embaçada, entre outras
maneiras.

Eles fazem parte de um tipo menos comum da patologia, a enxaqueca com
aura. Vale destacar que existem ainda outras formas de auras, as
sensoriais e motoras – elas causam, por exemplo, formigamento ou
dormência em uma ou mais partes do corpo, dificuldade em falar e ouvir e
confusão mental.

“A maioria das pessoas têm a enxaqueca clássica, apenas de 15% a 20%
apresentam a com aura, e a visual atinge 90% delas”, comenta Fabio
Porto, neurologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo (FMUSP).

É o caso da bancária Geórgia Namer, de 41 anos. “Acho que tenho enxaqueca desde que nasci. Minha mãe também tem, e nas primeiras vezes em que falei para ela que estava com dor cabeça e ‘vendo coisas brilhando’, quando ainda era bem pequena, ela achou que eu a estava imitando, mas infelizmente era verdade. Sofro com essa doença a vida toda.”

Moradora da Bahia e mãe de dois meninos, um de 18 anos e outro de três,
ela conta que a manifestação da sua aura se dá por meio de vista
embaçada e, na sequência, pequenos pontos brilhantes, que vão crescendo
até tomar conta de metade do olho.

“Na infância isso acontecia duas ou três vezes por mês, e os
professores até me liberavam da aula, pois sabiam que eu ficava bem mal.
Na adolescência e no início da fase adulta passou para duas vezes por
semana”, relata.

Na busca por se livrar do problema ou ao menos diminuir o número de
crises, Geórgia procurou diversos médicos e fez uma série de
tratamentos, inclusive os preventivos, mas sem muito sucesso.

“Tomei tudo quanto é tipo de remédio, antihipertensivos,
antidepressivos, anticonvulsivante, analgésicos… Eles adiantavam por
alguns meses, mas depois voltava tudo, e nem adiantava aumentar a
dosagem. Só fiquei livre da enxaqueca durante as minhas duas gravidezes,
acho que por causa dos hormônios”, diz.

Após o nascimento do segundo filho, sua situação piorou, já que as
dores de cabeça se tornaram diárias, e as idas ao hospital mais
frequentes. “Eu já acordava mal, e passava o dia à base de medicamentos
para poder trabalhar. Nessa época também comecei a sentir tontura e
suava frio. Cheguei num ponto em que não aguentava mais, estava
desesperada”, recorda.

Após muitas pesquisas, a bancária conheceu os livros do médico Alexandre Feldman, especialista no assunto, e o programa aplicado por Daniela Miguel, coach de enxaqueca. “Comecei a seguir os que eles recomendavam. Mudei, por exemplo, meus hábitos alimentares. Parei de tomar café e cortei o açúcar. Com isso, a intensidade da dor diminui e as crises caíram para oito por mês, mais ou menos, e só uma é com aura. Ainda não tenho a vida que desejo, mas estou no caminho certo. Agora tenho esperança”, completa.

Quem também sofre com esse problema é a aposentada Nilceya Silveira de
Carvalho, de 65 anos. “Minha primeira crise já foi com aura, por volta
dos 40 anos, e desde então é sempre igual. Vejo um pequeno raio, e ele
se expande até eu não enxergar mais nada. Depois de alguns minutos é que
vem a dor de cabeça, e bem forte.”

Apesar de ter perdido as contas de quantos médicos procurou e de
quantos tratamentos já tentou, ela diz que até hoje não sabe o que causa
a enxaqueca e também nunca foi informada sobre a aura. “Descobri o que
era assistindo televisão.”

Nestes 15 anos convivendo com a doença, Nilceya tem épocas de melhora e
piora. Atualmente, diz que os episódios diminuíram bastante. “Fico
dois, três meses sem nada, aí volta e tenho três ou quatro na mesma
semana. O que não posso é ficar sem remédio. Levo para todo lugar que
vou, porque nunca sei o que vai acontecer.”

Enxaqueca com aura visual

Também chamada de oftalmológica ou ocular, a enxaqueca com aura não tem
nada a ver com a visão. Na verdade, assim como a clássica, ela está
totalmente relacionada com o cérebro.

De acordo com Danilo Andriatti Paulo, especialista em
neuro-oftalmologia do H. Olhos – Hospital de Olhos – , é comum os
pacientes com enxaqueca procurarem primeiro um oftalmologista por conta
dos sinais visuais gerados pela enfermidade.

“Até existem algumas doenças com sintomas parecidos, como descolamento de retina, então temos de descartar todas as possibilidades antes de encaminhar o paciente para o neurologista”, analisa.

Mas o que é exatamente a enxaqueca com aura? Como explica Fabio Porto,
da FMUSP, a enxaqueca em si é uma doença crônica, cuja principal
características é dor de cabeça forte, normalmente pulsátil. Suas causas
ainda não totalmente conhecidas, mas sabe-se que ocorre um
desequilíbrio bioquímico no cérebro, associado a predisposição genética e
fatores ambientais e comportamentais.

Já a aura é um fenômeno neurológico que ocorre antes – é o mais comum,
daí ser conhecida como “premonição” -, durante ou até depois do
aparecimento da dor.

“O que acontece, neste caso, é uma alteração elétrica no cérebro,
correlacionada com a depressão alastrante de leão (onda de intensa
atividade nervosa celular que se espalha pela camada externa do cérebro,
o córtex). E ninguém sabe ainda porque algumas pessoas têm e outras
não”, informa o médico.

Os distúrbios da visão, além das formas como citamos no início desta reportagem, pode causar ponto cego (escotoma), perda temporária da capacidade de enxergar e falta de foco. E isso pode ocorrer em um ou nos dois olhos, muitas vezes até com eles fechados.

Para evitar a enxaqueca com aura as recomendações são as mesmas da enxaqueca clássica: descobrir os fatores desencadeantes, dormir bem – nem de mais e nem de menos -, evitar o estresse, ter uma alimentação saudável e equilibrada, não ficar muitas horas em jejum, praticar atividade física regularmente e se manter hidratado.

É preciso salientar que diversos estudos mostram que este tipo de
enxaqueca é um fator de risco para o acidente cerebral vascular (AVC).
Por isso, segundo a Sociedade Brasileira de Cefaleia, é imprescindível
que seus portadores parem de fumar e, as mulheres, suspendam o uso de
anticoncepcionais hormonais combinados, que contenham estrógeno e
progestágeno – eles reduzem as proteínas no sangue que protegem do
derrame.

No mais, é fundamental buscar a ajuda de um especialista, a fim de que ele determine o melhor tratamento para o problema e indique os medicamentos necessários.

R7.CCOM