Ao ouvir o termo doenças raras, é comum pensar em um problema que acomete uma parcela muito pequena da população. Na verdade, em conjunto, as doenças raras não são tão raras assim. São mais de 13 milhões de brasileiros que são afetados por algum tipo de doença considerara “rara”. No entanto, até mesmo esse número é subestimado, uma vez que quando um membro da família recebe o diagnóstico de doença rara, todo o núcleo familiar é atingido: a doença ultrapassa o doente. Falar sobre esse tema e trazer o debate para a pauta do dia é, isso sim, coisa rara. Por isso, fundamental usarmos o Dia Mundial de Doenças Raras, que é lembrado no dia 28 de fevereiro, para falar sobre o assunto.

Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) categorizam doença rara quando esta acomete 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. Em comum, todas as doenças raras padecem de um mal que acomete também problemas de saúde de países mais pobres: a falta da busca por novos tratamentos, uma vez que o lucro do tratamento é oriundo do volume, na maior parte dos casos. E, quando não há volume, o custo unitário do tratamento sobe de forma vertiginosa.

É importante destacar a altíssima complexidade dessas doenças raras, o que também é um fator que atrapalha o desenvolvimento de tratamentos. O próprio diagnóstico é um gargalo enorme, pois, ao contrário de uma gripe, em que os sintomas são claros e reconhecidos pelo alto número de pessoas que desenvolvem o problema, as doenças raras acometem menos pessoas e, por isso, seus sintomas não são tão frequentes, a ponto de o médico reconhecer de forma rápida e clara qual é a enfermidade.

É comum um paciente com doença rara percorrer um longo caminho até chegar ao diagnóstico. E saber o nome e sobrenome da doença é apenas a conclusão de uma etapa. Depois, começa a luta pelo acesso ao tratamento. Garantir acesso à saúde, como todos sabem, é dever do Estado. Sabe-se também que o cobertor é curto e que é difícil dar tudo para todos. Mas dar nada para alguns não deveria ser uma opção.

O alto custo do tratamento é notório, mas o que dizer de deixar um paciente completamente desamparado, desatendido, apenas com um diagnóstico que afetará o resto da sua vida? Aqui, a judicialização é uma ferramenta importante e necessária, uma vez que obriga o Estado a oferecer o tratamento que irá garantir o acesso à vida para portadores de doenças raras.

Juntos, os doentes raros são muitos. Mas o tratamento não é único. São individualizados, o que torna o número bem menos expressivo. Devem-se usar estatísticas diferenciadas para que o sistema de saúde público compreenda a evidência científica que balizará a incorporação dos tratamentos para essas doenças. É preciso analisar cada caso com o mesmo respeito que se tem pela vida de uma pessoa. O sistema é burocrático e lento, mas as doenças não esperam e podem ser avassaladoras na sua progressão.

Que, neste dia Mundial de Doenças Raras, esse tema seja colocado em pauta. Com os altos custos dos tratamentos dessas doenças, raro é encontrar uma família que tenha condições financeiras de sustentar um tratamento tão caro para o resto da vida. O paciente precisa desse tratamento para poder viver. Que essa data seja um ponto de partida para mudar os processos atuais de auxílio ao portador de doença rara. Por meio do debate, o Estado poderá conhecer modelos de sucesso, avaliar os processos e conseguir, de fato, cumprir a sua missão de dar acesso à saúde para todos.

*Advogada, especializada na causa das doenças raras, da Wolff Moro Sociedade de Advocacia

Estadão