Inaugurado em abril de 1940, o estádio do Pacaembu passará pela mais drástica reforma de sua história a partir do segundo semestre do ano que vem. O encarregado de dirigi-las será o empresário Eduardo Barella, 38, diretor-presidente da empresa de engenharia Progen e presidente do consórcio Allegra Pacaembu, que venceu a concorrência para administrar o estádio pelos próximos 35 anos.

Dois símbolos do estádio, o tobogã e as arquibancadas de cimento, desaparecerão. O tobogã, erguido em 1970 no lugar da concha acústica, costuma ser o espaço dos torcedores de mais baixa renda. Ele será demolido para dar lugar a um edifício com lojas, restaurantes, centro de eventos e estacionamento.

O sociólogo Gabriel Cohn, professor aposentado da Universidade de São Paulo, afirmava a seus alunos que um atestado de conhecimento de Brasil eram os “fundilhos das calças puídos no cimento das arquibancadas”. Pois isso não mais acontecerá no Pacaembu, cujas arquibancadas -hoje povoadas pelas torcidas organizadas- serão completamente recobertas de cadeiras.

Em dias de jogos importantes, o estádio deverá receber estruturas provisórias para aumentar a capacidade.

Quando for entregue, em 2022, o Pacaembu estará muito mudado. Caso a estratégia de Barella tenha sucesso e os órgãos de patrimônio permitam interferências na murada tombada do estádio, o Pacaembu terá restaurantes voltados para a rua, promovendo, na visão dele, mais permeabilidade entre o espaço interno e a rotina dos passantes.

À crítica de que o projeto da Allegra segue uma lógica de shopping, fechado para a cidade, Barella responde que não adianta ter um projeto “muito bonito” sem equilíbrio financeiro. “O nosso será um sucesso operacional e trará a população para dentro.”

Pergunta – O que se tornou mais conhecido da proposta da Allegra foi o edifício multiuso. Como vai ser a estrutura?

Eduardo Barella – Entendemos que acertaremos quanto mais mantivermos a originalidade do projeto inicial.

O Pacaembu foi inaugurado na década de 1940 como um presente da Companhia City para o município. E a City vendia os lotes usando o Pacaembu como chamariz: ‘compre seu lote neste magnífico bairro e usufrua deste complexo de cultura, esportes e lazer’. O Pacaembu tem um projeto arquitetônico de rara felicidade, aproveitando-se do vale, e perdurou assim até a década de 1970, quando o governo autorizou a demolição da concha acústica e a construção do tobogã. Naquele momento, os pilares de cultura e lazer morrem e o complexo ficou focado em esporte, basicamente no futebol.

Nosso propósito é construir esse edifício, mas mantendo a originalidade do projeto da década de 1930 com usos mais atuais. Pretendemos ter uma edificação que possa receber diversos usos, desde escritórios até gastronomia, bares e entretenimento.

Esse edifício vai ficar no lugar do tobogã, onde se concentram os torcedores que compram os ingressos mais baratos. Isso não pode levar à elitização do estádio?

EB – De forma alguma. O Pacaembu, hoje, tem capacidade de 37 mil pessoas, mas a média do público é de 15 mil. O estádio, mesmo com a demolição, terá capacidade para cerca de 26 mil pessoas. Teremos uma capacidade maior do que a média de frequência do estádio. É perfeitamente possível a gente continuar recebendo o público que frequenta o tobogã. O que a gente vai fazer é tornar o estádio mais democrático.

Hoje, a pessoa que quer usar o futebol como negócio, que quer poder ter seu camarote, fazer do esporte algo que possa potencializar o seu negócio, não tem espaço. Não tem estacionamento, você chega na chuva, não tem área de hospitalidade. Vamos abarcar os dois públicos. O futebol não existe sem o torcedor com menor poder de renda.

A diminuição da capacidade de público com o fim do tobogã inviabilizaria o uso do Pacaembu em jogos de algumas competições. A partir da semifinal, por exemplo, a Libertadores exige capacidade de ao menos 30 mil lugares. Vocês pensam em alternativas?

EB – O que a gente acha possível é termos uma estrutura provisória de arquibancadas que possa ser montada na nossa esplanada para jogos mais importantes. Com isso, aumentaríamos em 6.000 ou 7.000 lugares a capacidade, e teríamos um estádio com cerca de 32 mil lugares.

Que obras pretendem fazer nas arquibancadas?

EB – Pretendemos trocar todas as cadeiras do estádio, faremos a construção de banheiros, hoje uma deficiência enorme, vamos mudar toda a área de imprensa e construir uma área de gastronomia e de camarotes para receber o público em dias de jogos. Em setores que não há cadeiras nós vamos colocar. Será um estádio inteiro de cadeiras.

O estádio vai ser fechado quando e ficará assim por quanto tempo?

EB – Em um cenário otimista, vamos fechá-lo em julho de 2020. Em um pessimista, em outubro. Ele será inaugurado em 28 meses a partir da data de encerramento. Em cenário otimista, na metade de 2022, no pessimista, final de 2022.

O arquiteto Mauro Munhoz, autor do projeto do Museu do Futebol, disse que o desenho de vocês contraria o conceito original do estádio e que a permeabilidade do Pacaembu com o bairro será prejudicada.

EB – Não concordo que não há permeabilidade. Em um certame licitatório como esse tem regras. Se me perguntar se o edital é o melhor que podia ter sido feito, direi que não. Acho que a praça Charles Miller deveria fazer parte da concessão e deveria ser permitida a alteração na fachada. O estádio todo fechado cria antipatia com o público que ali passa. Quando você tem essa permeabilidade, consegue trazer o público para dentro, que é o desafio.

O Museu do Futebol é ótimo do ponto de vista arquitetônico, mas péssimo em termos de operação. Você tem que sair do museu para cair em uma loja, entrar em uma área de alimentação, e acaba não tendo recorrência. De nada adianta ter um projeto muito bonito se você não consegue operar.

Eu estou acostumado a operar projeto e tenho certeza que o nosso será um sucesso operacional e vai trazer a população para dentro.

O senhor já falou em melhorias a sugerir para os órgãos de patrimônio, Conpresp e Condephaat. Quais seriam?

EB – A questão da fachada [a murada que delimita o estádio] é algo a ser discutido. Poderíamos, por exemplo, utilizar a área de alimentação do estádio e fazê-la aberta para dentro do campo em dias de jogos e fazê-la aberta para as ruas em dias em que não há jogos.

Se um estrangeiro passa ao lado do Pacaembu ele acha que tem um presídio ali e não um estádio de futebol maravilhoso. Essa fachada deveria ser repensada. É um problema não só visual, mas de impacto urbano. Manter apenas o portão 23 aberto pode causar uma complicação de trânsito. A discussão de novas entradas vai ter que ocorrer.

Qual será o perfil dos eventos do centro de convenções que ficará nesse edifício e no estádio?

EB – Temos pensado em 250 eventos por ano. Queremos receber convenções de empresas: médicos, mercado financeiro, lançamentos de veículos e coisas correlatas. Até mesmo festas de formatura, casamentos, lançamentos de veículos. Hoje, os centros de convenção estão nos extremos da cidade. Os que têm melhor localização estão com infraestrutura ultrapassada. É uma carência da cidade.

As instalações do clube, como as quadras e piscinas, continuarão abertas para uso público?

EB – A gente quer ampliar o horário de uso do Pacaembu. Tanto a piscina como o tênis e o ginásio poliesportivo permanecerão como espaços públicos com utilização nos moldes que existem hoje. Pretendemos ter horários estendidos às quintas, sextas e sábados.

Como o estádio vai se sustentar financeiramente?

EB – O estádio tem algumas linhas de receita. A principal é a de eventos e entretenimento (50% da receita). Depois, a de futebol e outros esportes (18%). A terceira é a de aluguel das lajes (17%). E, depois, de estacionamento, bebidas e patrocínio. Receita bastante pulverizada, um projeto equilibrado, o que nos traz bastante estabilidade enquanto investidores.

(FOLHAPRESS)