Um relatório produzido pela Defesa Civil de Maceió atesta que apenas 62 moradias do bairro do Bom Parto estão sofrendo influência direta do processo de afundamento pela mineração. De acordo com o documento – produzido a partir de visitas e análises técnicas feitas em agosto e setembro do ano passado –, as rachaduras e trincas nestes imóveis coincidem com o processo encontrado em bairros como o Pinheiro. Já nas demais áreas que também estão com rachaduras o afundamento é causado, segundo a Defesa Civil, por aterros em manguezal feitos desde a década de 1960.

“Para as feições identificadas com direção perpendicular a Laguna (240 a 260º), que corresponde ao setor de alagamento (setor 02; criticidade 01) possivelmente as mesmas, em partes, estão sob maior influência da exploração mineral. Vale ressaltar que de acordo com os dados da interferometria e o modelo proposto pelos estudos realizados pela CPRM, espera-se que o maior número de fraturas apareça na zona intermediária entre a zona em subsidência e a zona estável. Porém, na região do Bom Parto as trincas são mais difíceis de identificar, tendo em vista a presença de aterros em manguezais que se comportam de maneira mais plástica e que dificilmente formam trincas, principalmente na região de borda da Laguna”, aponta o relatório.

De acordo com a Defesa Civil de Maceió o monitoramento na região é constante para identificar possíveis evoluções dos problemas. Para o caso das moradias em solo instável devido a aterros, a Defesa Civil explica que é uma questão de vulnerabilidade social e que não está relacionada ao problema causado pela mineração, por isso não houve a inclusão no acordo firmado por órgãos de controle e a Braskem. Além disso, o órgão ressalta que não é signatário do acordo.

“O que a Defesa Civil de Maceió fez foi subsidiar os órgãos com informações, estudos e análises técnicas que embasaram a confecção do acordo”, informa a Defesa Civil.

Uma região do Bom Parto já havia sido incluída na zona mapeada pela interferometria do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Segundo a Defesa Civil existem três problemas no bairro: o primeiro causado pelas consequências do afundamento; o segundo uma zona de alagamento devido as mudanças na Lagoa Mundaú e o terceiro, rachaduras devido a grandes aterros feitos em área de mangue que até a década de 1960 eram áreas de vegetação.

“As feições averiguadas encontram-se exatamente na antiga linha da margem lagunar do ano 1964, sendo esta, a possível causa das feições identificadas (…) Na área vistoriada verificaram-se evidências que foram apontadas através de relatos dos moradores locais, que a região está sendo constantemente aterrada, onde a soma de influências da variação diária da maré (transporte e acumulação de sedimentos), assim como as características do solo e do material de aterro em que se encontram as edificações são as principais causas que resultaram na subsidência e, consequentemente, no aparecimento das patologias que determinaram uma feição para o local associado ao aspecto construtivos das edificações que potencializaram as patologias encontradas”, diz o documento.

O professor e pesquisador Abel Galindo já havia abordado a possibilidade de dois processos estarem ocorrendo simultaneamente. A entrevista concedida ao jornal Tribuna Independente foi publicada no mês de outubro do ano passado.

“O Bom Parto é uma situação um pouco complicada. Eu separei o Bom Parto em três partes. Ao contrário do que aconteceu na casa do José Lopes onde houve um avanço enorme da lagoa porque afundou, aqui [Bom Parto] não foi assim. Se olhar no Google, inclusive, a área está totalmente intacta, não houve invasão nenhuma da lagoa, pelo contrário. Aqui [nessa área] no Bom Parto, não existe afundamento de minas. Têm as casas que já estão consolidadas, que não têm rachaduras e têm as outras mais próximas das margens que têm. Quando eu estive lá, percebi que eram rachaduras muito grandes, é um palmo, separou. Por conta da lama no fundo, lama do mangue. As pessoas vão colocando aterro de todo tipo e o resultado é isso aí que estamos vendo agora”, garantiu o pesquisador à época.
Reuniões continuam e moradores seguem em busca de soluções

Distantes das discussões técnicas, os moradores seguem em busca de soluções para o problema. A Tribuna Independente esteve em alguns dos 62 imóveis que serão realocados. Por lá, o clima é de tensão, porque apesar da “saída garantida” alguns vizinhos não sairão.

É o caso de Joaci dos Santos, ele é vendedor ambulante e conta que as rachaduras no seu imóvel apareceram com muita velocidade. Segundo os órgãos, a casa dele está com a estrutura comprometida e é muito fácil entender porque. As rachaduras atravessam quase todas as paredes da casa, inclusive na parede que serve de sustentação para o telhado.

Pescador José Onório de Omena mostra sal na parede de sua residência (Foto: Edilson Omena)

“Moro há oito anos aqui. As rachaduras estão aí, apareceram tem uns meses. Eu não tenho medo e vai ser difícil me adaptar em outro lugar, mas temos que sair”, afirma Joaci.

Na mesma rua da casa de Joaci, fica a casa do senhor José Onório de Omena, pescador, de 64 anos. A casa dele ficou “famosa” após o aparecimento de salinidade nas paredes. Desde novembro, quando foi notado até agora o “sal’ não para de surgir. O afundamento é tão severo que seu Onório precisou construir uma parede em cima da original, que afundou quase até a metade.

“Moro há 10 anos nessa casa e nunca vi nada parecido. Minha casa baixou, a cumeeira era mais em cima e fiz outra parede nova, a casa desceu. Eu que subi a parede. Depois comecei a ver aquilo branco na parede, a vizinha veio passou a mão e viu que era sal. Se eu sair daqui vou ter que me desfazer de tudo, vender minha canoa, me desfazer de tudo que eu tenho. Eu queria sair daqui para um lugar perto da lagoa. Fora da lagoa eu sou um peixe fora d’água”, detalha o morador

DISCUSSÕES

Em mais uma reunião para tratar dos detalhes do acordo de remoção de 17 mil moradores dos bairros que afundam foi delimitada a área “abrangida pelo acordo”. Conforme acertado entre Defensoria Pública do Estado (DPE), Ministério Público Federal (MPF), Ministério Público Estadual (MPE), Defensoria Pública da União (DPU) e Braskem S.A, todas as áreas do mapa de risco, as 62 casa do Bom Parto e os imóveis no raio das minas serão incluídas no acordo.

“Estão contempladas todas as áreas definidas no Mapa de Setorização de Danos e Linhas de Ações Prioritárias (Mapa de Risco) emitido pela Defesa Civil em Junho de 2019, de criticidade 00, dos setores 00, 01 e 02, bem como os 62 imóveis do bairro Bom Parto. Também estão abrangidos pelo Acordo, as áreas acrescidas delimitadas a partir da ampliação do raio das minas identificadas, através dos sonares, com anomalias (um perímetro de 3x). Além do perímetro definido como área de risco, passarão a ser incluídos nas áreas de risco os imóveis em que forem identificados risco estrutural grave, decorrente dos impactos PBM”, afirmam os órgãos de controle.

No entanto, ainda não há definição sobre a confecção de um novo mapa ou da listagem dos imóveis que serão realocados. Segundo a Braskem, tais informações ainda estão em discussão. Nesta quarta-feira (9), a empresa pretende divulgar o cronograma de atendimento das demais famílias.

“A Braskem divulgará amanhã [quarta, 9] informações sobre cronograma de atendimento e as áreas atendidas. O detalhamento do mapa e os prazos estão sendo construídos em com um acordo com as autoridades públicas”, afirma a petroquímica em nota.

Fonte: Tribuna Independente / Evellyn Pimentel