A pandemia do novo coronavírus pode levar 500 milhões de pessoas à pobreza no mundo, conforme alerta a Oxfam, entidade da sociedade civil que atua em 90 países. No Brasil, a extrema pobreza envolvia 13,5 milhões de pessoas até dezembro passado. Agora, aumentou e deve piorar ainda mais.

Sem protagonismo dos gestores públicos, o cenário é extremamente preocupante. Estados como Alagoas, que, segundo o Ministério do Desenvolvimento Regional e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tem cerca de um milhão de pessoas em situação de pobreza, e mais de 570 mil em situação de extrema pobreza – com renda de até R$ 140/mês -, sentem muito mais os efeitos perversos da recessão.

Economistas, entidade de trabalhadores rurais e prefeituras estimam que, após o fim da pandemia, com o agravamento da crise na economia e alto índice de desemprego, entre os 3,3 milhões de alagoanos (IBGE), vai crescer bastante o número de pessoas em situação de miséria. Eles pedem socorro para elas.

Outras 900 mil pessoas sobrevivem com recursos da previdência – aposentadoria e outros benefícios – ou com a renda mínima de programa Bolsa Família. A ajuda emergencial de R$ 600 para a parcela da população que está inserida na condição de extrema pobreza não consegue atender outra parcela da população invisível: aqueles sem documentos, analfabetos e sem acesso a serviços básicos.

O total de brasileiros abaixo da linha da miséria chegou a 13,5 milhões em 2019. Em Alagoas, as estimativas apontam que superou um terço da população. As 102 prefeituras percebem, a cada dia, aumentar o empobrecimento da economia e das pessoas. Sonham com um milhão de cestas básicas prometidas para socorrer os mais pobres, pedem recursos, apoio para micro e pequenas empresas, para agricultura familiar e não veem perspectivas de melhora a curto prazo.

Prefeituras, sindicatos e Federação de Trabalhadores Rurais estimam que a metade da população sente os efeitos mais perversos da recessão provocada pela pandemia do Covid 19.

Sem terra pedem socorro e comida

Nas áreas rurais dos 102 municípios alagoanos, micro e pequenos agricultores familiares isolados começam a perder esperança nas 1,2 mil toneladas de sementes, assistência técnica e R$ 5 milhões do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza (Fecoep) prometidos para agricultura e projetos de irrigação para ribeirinhos do Canal do Sertão.

Há cinco anos, o governo Renan Filho (MDB) garantiu apoio e recursos, mas até agora, nada. Um dos coordenadores nacionais da Frente Nacional de Luta pela Reforma Agrária (FNL), Marco Antônio da Silva, o “Marrom”, afirmou que “mais de um milhão de pessoas passam fome hoje em Alagoas”.

Segundo ele, tem mais de 15 mil famílias de trabalhadores rurais de 10 movimentos agrários acampados no estado que esperam terras da reforma agrária e comida. “Ninguém aguenta comer só macaxeira todo dia. Os assentados doaram parte da produção para os mais pobres – sem-terra dos barracos de lona e os que moram nas favelas. A medida já é copiada em vários estados. Mas não há condições de socorrer todo mundo o tempo todo”, disse Marrom, que teme pelo agravamento da miséria.

“Ninguém tem mais trabalho no interior. O movimento das pequenas feiras caiu radicalmente. Quando a pandemia passar, mais da metade da população [estimada pelo IBGE em 1,7 milhão de habitantes] estará mais pobre”, alertou.

Pobreza cresce em Alagoas com avanço da pandemia da Covid-19
FOTO: Arnaldo Ferreira

Fetag quer ajuda para trabalhadores rurais desempregados

Mais de 60% dos 120 mil trabalhadores rurais ligados à Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Alagoas (Fetag-AL) sofrem com desemprego, não conseguem vender a produção e não têm como escoá-la. Os assalariados do campo são os mais prejudicados e precisam de socorro imediato, afirma o presidente da federação, Givaldo Teles, que é do município de Lagoa da Canoa, onde tem 8 mil agricultores familiares em situação crítica.

A respeito de ajuda do governo estadual para a agricultura familiar, lamentou. “Infelizmente temos um governo que não se abre sequer para ouvir as entidades do campo, imagine para ajudar. Não teve nenhuma ajuda até o momento”.

A Fetag protocolou ofício solicitando audiência com o governador desde fevereiro e, até agora, nenhuma resposta foi dada. O líder dos 120 mil micros e pequenos produtores e trabalhadores rurais cobrou a implantação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) estadual para comprar a produção agrícola e redistribuir de forma simultânea as famílias carentes. Também pediu o retorno do programa de Leite, do programa de distribuição de sementes e a criação de um programa de auxílio emergencial com recursos do Fecoep para famílias do campo.

Com relação à distribuição das 1,2 mil toneladas de sementes anunciada pela Secretaria de Agricultura, mais decepção. “Infelizmente em mais um ano os agricultores familiares estão à espera, nós não acreditamos mais nessa distribuição. Estamos no mês de maio, as chuvas chegaram, a terra está molhada, o momento é de plantio e nada das sementes. É mais um ano em que nossos agricultores serão prejudicados e isso causará um grande impacto social, aumentando a fome e a miséria”, prevê.

A região mais afetada pelo desemprego rural, na avaliação do presidente da Fetag, é a da Mata alagoana. “Nesta região é onde está a grande maioria dos assalariados rurais”. Givaldo Teles fez apelo às autoridades do governo estadual. “Olhem com mais atenção para a agricultura familiar, não precisamos muito, não. Precisamos apenas de apoio e investimentos de políticas públicas para permanência do homem no campo, para produzir alimentos.

Destacou que a agricultura familiar é responsável por 70% de alimentos rurais. O governo do estado precisa investir no PAA, Pnae, programa do Leite, assistência técnica e distribuição de sementes, além de aumentar o número de beneficiários do programa Amigo Trabalhador para assalariados rurais”.

Sertão e Agreste cobram água, sementes e cestas básicas

Na agricultura sertaneja, a cobrança é por sementes e água para agricultura familiar, assentados da reforma agrária e sem-terra. Depois de dois anos de estiagem, micro e pequenos agricultores comemoram a chegada da chuva no tempo certo. esperam a distribuição de 1,2 mil toneladas de sementes de milho, feijão, sorgo, arroz e a liberação de recursos da ordem de R$ 5 milhões do Fecoep para irrigação e aproveitamento do Canal do Sertão com água do rio São Francisco.

Depois de uma década praticamente sem água, a terra está pronta para o plantio, conforme disse, recentemente, o presidente da Cooperativa dos Produtores do Canal do Sertão e vereador, Cosme Guedes (PSDB de São José da Tapera), que espera por “socorro” para 3 mil micros e pequenos produtores rurais de sua cidade.

Cosme Guedes, depois de conversar com o secretário de estado da Agricultura, João Lessa, estava pessimista. “É fundamental a semente neste momento. Precisamos que o governo seja mais eficiente. Os produtores querem produzir”, apelou Guedes, ao cobrar apoio da bancada estadual para os sertanejos. No último dia 29, ele confirmou que ainda não chegou nada de semente no sertão.

A Defesa Civil Nacional liberou, antes da pandemia, R$ 10 milhões para o programa “Água é Vida”, que, junto com a operação do Exército ,atenderá mais de 300 mil pessoas de 42 municípios do semiárido em situação de emergência, reconhecida pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.

Mas, até o momento, não foi contratado nenhum dos 120 caminhões-pipa previstos. Os prefeitos temem que o dinheiro volte para Brasília. O coordenador da Defesa Civil, coronel Moisés Melo, descartou a possibilidade. A contratação de carros-pipa só deverá acontecer depois do dia 15, prevê a própria Defesa Civil estadual.

Os agricultores do semiárido pedem socorro ao novo secretário de Agricultura, João Lessa. A maioria recebeu promessas de que o governo executará, este ano, o projeto “Alagoas: uma nova fronteira em produção de grãos”, planejado há cinco anos. Por enquanto, nada de projeto para agricultura.

Educação

Ao decretar o fechamento das escolas da rede estadual para proteger mais de 200 mil crianças e adolescentes do coronavírus, o governo prometeu distribuir merenda. Também implantar programas educacionais online. Hoje, quem depende da merenda escolar está com fome e sem estudar, lamentou a presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Educação de Alagoas (Sinteal), professora Maria Consuelo Correia. “O governo sabe que parte dos alunos da rede pública tem como única refeição a merenda”, ressaltou.

Depois da reclamação da presidente do Sinteal, publicada na Gazeta de Alagoas em reportagem especial do última dia 14 de abril, o socorro começou a chegar para os estudantes, segundo a presidente da Associação dos Municípios de Alagoas (AMA), prefeita de Campo Alegre, Pauline Pereira (PP). “A merenda já está sendo distribuída de acordo com o decreto federal, por valor-aluno, que aqui, em Alagoas, varia de R$ 8,00 e 16,00”.

Com relação ao ano letivo, a presidente da AMA considera que ainda é prematuro falar que o ano está perdido. “As aulas estão sendo ministradas. Cada município encontrou a forma mais adequada para não deixar os alunos sem estudar”.

A maioria das 102 prefeituras cobra recursos do Fecoep para pequenas e micro, ajuda para escoar a produção e um milhão de cestas básicas prometidas pelo governo. A presidente da AMA, Pauline Pereira, cobra ainda ações emergenciais em todo o estado. A cobrança aconteceu na reunião virtual com o governador Renan Filho, com a participação dos prefeitos Júlio Cezar (Palmeira dos Índios), Areski Freitas (União dos Palmares), Hugo Wanderley (Cacimbinhas), Fernanda Cavalcanti (São Luiz do Quitunde), Rogério Teófilo (Arapiraca) e Marcius Beltrão (Penedo).

Após as cobranças, o governo anunciou a liberação de 200 mil cestas básicas para atender famílias da extrema pobreza durante o combate à Covid-19. A AMA acompanha a entrega, programada para quatro semanas. A distribuição dos alimentos obedece ao calendário estabelecido pelo governo com base no quantitativo de famílias na faixa prevista, por meio de cruzamento de informações entre dados do CadÚnico e da Secretaria de Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio (Seplag). Para acelerar o processo a AMA disponibilizou transporte.

Economista prevê aumento da vulnerabilidade social

Antes da Pandemia, Alagoas tinha um terço de sua população – um milhão de habitantes – em situação social de pobreza. Quase 600 mil pessoas abaixo da linha da pobreza. Com a recessão, a tendência de aumentar o empobrecimento, registrada desde o ano de 2016, como mostra o documento “Síntese de Indicadores Sociais” do IBGE para o Nordeste.

As consequências da recessão, o baixo crescimento, desemprego e a queda média da renda penalizaram a economia, ao tempo que os cortes nos gastos sociais provocam mais a pobreza, avaliou o doutor e professor de Economia da Universidade Federal de Alagoas, Cícero Péricles.

Neste cenário, o isolamento social, ao paralisar algumas atividades, acentua as dificuldades. O professor observa também que este é um fenômeno nacional, mas que, em estados pobres como Alagoas, tem uma força ainda maior. Destacou que, nos três últimos meses, o desemprego aumentou e a renda média caiu, diminuiu o consumo e as atividades produtivas, afetando toda a população, castigando especialmente os segmentos mais pobres.

“A crise na economia alagoana é real. Vários segmentos são penalizados. O maior deles é o setor de comércio e de serviços, responsável por 70% das atividades econômicas. Desde o início que setores considerados essenciais – supermercados, farmácias e postos de gasolina – puderam funcionar, diminuindo as perdas nestes setores”.

Cícero Péricles ressalta que as empresas sentem queda da receita, perda de clientes, desemprego, dificuldade com fornecedores e bancos. A impossibilidade dos estabelecimentos de atenderem presencialmente afeta setores inteiros.

Cícero Péricles observa que a rede de comércio e serviços dos bairros e do interior encontrou na estratégia da “meia porta aberta” a forma de funcionar, combinando o respeito pelo isolamento com possibilidades de atendimento ao público.

Na área da indústria e da construção civil, que voltaram a funcionar já na primeira renovação do decreto, os problemas ainda estão na baixa demanda devido à queda de consumo. A agricultura sofre com a queda da demanda e dificuldades na comercialização.

Ajuda Social

A ajuda social de R$ 600 impediu que a economia das localidades entrasse em colapso imediato por conta da redução do consumo de dois terços das famílias mais pobres. “Todos os municípios alagoanos dependem da renda combinada entre os recursos dos pagamentos da Previdência Social, que chegam a 514 mil pessoas, e os recursos pagos as 400 mil famílias inscritas no programa Bolsa Família. Neste momento de crise, a renda paga pelas instituições públicas cresce de importância em todos os lugares, não apenas nos mais pobres e pequenos”, disse Cícero Péricles, ao destacar Arapiraca, a segunda maior cidade do estado – onde 41 mil pessoas recebem da Previdência Social – agora, 27 mil pessoas passaram a receber o auxílio emergencial. “São 68 mil beneficiários e suas famílias, a maioria absoluta da população local, que, mesmo sendo o município mais rico do interior, depende dessa renda, que determina sua vida social e o ritmo da economia”.

O economista reconheceu que as prefeituras perderam receita, com a redução de parte considerável do IPTU e ISS. Viram as transferências federais diminuírem e perdem também porque aprovaram pacotes tributários facilitando pagamento de seus impostos. Neste quadro de dificuldades, as prefeituras e as câmaras municipais têm duas tarefas urgentes e simultâneas: enfrentar a epidemia, trabalhando a frente sanitária com a estrutura do Sistema Único de Saúde, o SUS, presente em todas as localidades. E atuar na econômica, dado que, no isolamento social, a queda do emprego e da renda afetam diretamente a vida social nos municípios.

O ano de 2020 já pode ser considerado como perdido. No plano nacional, Cícero Péricles avalia que a economia deve encolher entre 5% e 10%, é o que dizem todas as previsões. “A economia alagoana, depois de dois anos ruins, 2015-2016, estava apresentando sintomas de recuperação. Este ano, para Alagoas, as previsões serão no mesmo patamar regional, ou seja, devemos alcançar taxa negativa de crescimento”.

Por Arnaldo Ferreira | Portal Gazetaweb.com

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