Meu lindo Gogó da Ema / encerras um lindo poema / que a natureza escreveu. / Tu namoras estas praias / vestidas com as brancas saias / que a Ponta Verde coseu. // Alguém te chama aleijão / só por não ter perfeição / a tua espinha dorsal; / mas se tu fosses perfeito / não terias tal conceito / no concerto universal. – Os versos de Eugênio Calheiros, recitados com emoção pelo pesquisador maceioense José Bilú da Silva Filho, exaltam o coqueiro torto que por décadas foi o principal cartão-postal da capital alagoana: o Gogó da Ema. Há 65 anos, completos nessa segunda-feira (27), tombava o imponente símbolo, que jamais seria esquecido.

“Não existe monumento que represente Maceió como o Gogó da Ema. Era um símbolo importante para a cidade. Era de uma beleza curiosa, compondo uma paisagem magnífica feita pelo Divino. Inspirou amores, canções, poesias e encantava turistas do mundo inteiro, que vinham somente para vê-lo”, completa José Bilú, que exibe, com orgulho, um acervo de fotografias e documentos antigos sobre o coqueiro torto da terra dos coqueirais.

O Gogó da Ema era um entre os milhares de coqueiros que existiam por volta de 1930, na orla de Maceió. Ficava localizado no bairro Ponta Verde, nos arredores de onde hoje fica o farol, próximo ao antigo Alagoinhas – bem na curva. De acordo com o pesquisador, o coqueiro foi plantado por Dona Constância Araújo e ganhou seus contornos famosos devido a uma praga de insetos.

“Naquela época, ali era tudo mato, era uma área de sítios, tinha muita carrapateira e mamona, fruta… e o Gogó da Ema ficava dentro do sítio do Chico Zú [Francisco Venâncio Barbosa], mas todo mundo podia passar”, relata Bilú.

Destacando-se na paisagem, o Gogó da Ema apresentava curvas atípicas e, mesmo assim, era imponente. Bilú conta que era essa a impressão que o tornava tão importante para muitos maceioenses da época. O coqueiro era “um milagre”, “uma beleza da natureza”. Quando começou a ganhar notoriedade, uma praça com quatro banquinhos foi construída no entorno do coqueiro, que, a partir de 1948, tornou-se, definitivamente, uma atração turística e ponto de encontro dos alagoanos.

“Era uma paixão. A importância do Gogó da Ema está muito além de ser esse eterno cartão postal de Maceió. Ele era conhecido no mundo todo, inspirou poesias, pinturas, atraía turistas. Para você ter uma ideia, o Gogó da Ema inspirava as marchinhas de carnaval. Em 1952, teve uma, de autoria do professor Odilon Chaves. Na época, A rádio ZYO-4 tinha um programa ao meio-dia chamado Gogó da Ema; na cinematografia, J Nunes Pereira registrou Maceió a partir do Gogó da Ema, com sua 16mm”, relembra, empolgado, o pesquisador.

“O Gogó da Ema vivia diariamente os rigores implacáveis das ventanias, do mar. E, na época, não existia farol ali, então ele era a referência de quem voltava do alto-mar”, continua.

A QUEDA

No dia 27 de julho de 1955, às 14:20, de acordo com relatos históricos, o Gogó da Ema foi caindo devagar, onda após onda, sob os olhos incrédulos dos populares. A notícia se espalhou rapidamente pela cidade, causando comoção.

No dia seguinte, uma força tarefa com mais de 200 soldados tentava reerguer o coqueiro abatido. A iniciativa contou com a participação do coronel Mário de Carvalho Lima, Théo Brandão, Carivaldo Brandão e, ainda, dos engenheiros agrônomos Jesus Gerardo Parentes Fortes e Olavo Machado.

Bilú relata que não viveu os tempos de glória do coqueiro símbolo de Maceió. Aos 66 anos, ele nasceu, um ano depois da queda do Gogó da Ema, mas ainda frequentou o local, já que o coqueiro chegou a ser erguido pela força-tarefa e só tombou definitivamente em 22 de janeiro de 1956, quando foi declarado morto. O tronco permaneceu por vários anos no local, como uma lembrança.

“Quando ele caiu, os governantes não se conformaram. Nem a população. Mas, quando ele tombou, tiraram o palmito, que é como se fosse o coração do coqueiro”, diz Bilú, reiterando que a causa da queda teria sido o avanço do mar, que derrubou diversos outros coqueiros na região. À época, o Governo Federal também explorava a área em busca de petróleo.

O QUE A MARÉ NÃO LEVOU

“Aí você me pergunta o motivo de a história de um coqueiro atravessar tantos anos, tantas gerações. Ele era um símbolo de resistência, da perfeição da natureza e, também, foi importante para muita gente”, diz Bilú.

Dentre as muitas histórias que cercam o mítico coqueiro, estão as que falam de encontros amorosos à beira-mar, sob a sombra do Gogó da Ema. De acordo com José Bilú, o tronco era um lugar de jurar amor eterno e gravar as iniciais de casais que escolhiam o local como seu “lugar especial”.

“Várias gerações cresceram ouvindo essas histórias, dos pais que se conheceram ali, que namoravam ali, ou ouvindo falar da imponência do Gogó da Ema”, completa Bilú.

O presidente da Academia Alagoana de Letras (AAL), Alberto Rostand Lanverly, conta que ouviu dos seus pais a história de que a família iria fazer um piquenique à sombra do Gogó da Ema, no dia 28 de julho de 1955, aniversário do pai do catedrático. No entanto, os planos mudaram, já que o coqueiro caiu um dia antes. “Talvez seja o maior símbolo do século passado em Maceió, em Alagoas”, defende Rostand.

Para José Bilú, que passou parte da vida resgatando histórias que envolvem o Gogó da Ema, a importância do coqueiro vai além da existência ou da queda. Sua relevância se dá ainda pelo contexto histórico e pelas pessoas que ali criaram memórias afetivas.

“Me dói no coração o esquecimento. Eu passo por aquelas ruas e parece que eu estou vendo aquele tempo, as pessoas com suas roupas e cartolas, passeando pelas ruas. As pessoas iam ali de rural ou de jeep – eu ia de jeep com o meu padrinho. Se essas histórias se perdem, se perde a história de Alagoas”, diz.

Por Maylson Honorato com Gazeta de Alagoas

FOTO: COLEÇÃO JOSÉ BILÚ