As Centrais de Regulação de Maceió e de Arapiraca do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu Alagoas) receberam entre os meses de janeiro e outubro deste ano, 324.266 ligações no número 192. Desse total, os trotes representam 109.047 chamadas, ou seja, 33,62% das ligações.

O mais recente foi registrado na última sexta-feira, dia 6, quando uma ligação entrou no sistema 192 do Samu, e o solicitante informou que ele e um amigo tinham sofrido uma queda de moto e essa segunda vítima estaria desacordada.

O suposto acidente teria acontecido na BR-104, entre os municípios de Branquinha e União dos Palmares, Zona da Mata alagoana. Pela gravidade da situação, a regulação médica decidiu liberar o helicóptero do Serviço Aeromédico e a Unidade de Suporte Básico (USB) da Base Descentralizada de Murici, além de acionar a Polícia Rodoviária Federal (PRF), pela suposta ocorrência ser em uma rodovia federal.

De acordo com Luiz Antônio Mansur, médico regulador do Samu Alagoas, devido ao tipo da ocorrência, foi necessário fazer a liberação rápida das equipes para poder salvar aquelas supostas vítimas. “Estou há 17 anos no Samu Alagoas, e essa foi a primeira vez que liberei viaturas para uma ocorrência falsa. Quando conversei com o solicitante, não notei nada de anormal no tom de voz, ou qualquer outro sinal que demonstrasse que aquela ligação fosse um trote”.

“O rapaz relatou que a vítima mais grave estava inconsciente e, por ser um acidente em uma rodovia, liberamos o helicóptero, que é uma UTI aérea, e a ambulância de Murici, para chegarmos mais rápido, avaliarmos o paciente e tentarmos estabilizar a vítima”, destacou Luiz Antônio Mansur.

“É triste saber que as pessoas continuam insistindo em passar trotes para o Samu, que é um serviço essencial, e que lida diretamente com vidas. Caso alguém não tenha um atendimento rápido, pela falta das viaturas que estão se deslocando para um trote, pode significar a morte desse paciente”, afirmou o médico.

De janeiro a outubro de 2019 foram 131.779 trotes para o Samu do total de 408.642 ligações.

PERDAS

De acordo com Josileide Costa, supervisora-geral do Samu Alagoas, não se tem como mensurar as perdas financeiras que um trote pode trazer para o Estado, já que muitas vezes outros órgãos são acionados para dar apoio na ocorrência como a Polícia Rodoviária Federal (PRF), o Corpo de Bombeiros Militar de Alagoas e a Polícia Militar.

“A maior perda fica para a população, que no momento que liberamos viaturas para um trote, essa equipe pode deixar de atender um paciente que realmente precise daquele atendimento e em casos de urgência e emergência um minuto pode custar uma vida, especialmente em casos com suspeita de Acidente Vascular Cerebral (AVC), de Infarto Agudo do Miocárdio, graves acidentes de trânsito, ferimentos por arma de fogo ou por arma branca”, frisou.
Profissionais são treinados para identificar chamadas falsas

Josileide Costa explicou que os técnicos auxiliares de regulação médica (Tarms) são os primeiros profissionais que a população tem contato ao ligar para o número 192 do Samu Alagoas. São os Tarms que fazem o preenchimento das fichas de atendimento e nesse primeiro contato fazem uma rápida triagem para saber se aquela é uma ocorrência real ou um trote.

Conforme ela, para isso, esses profissionais são treinados e fazem perguntas direcionadas com o objetivo de detectar inconsistências nas respostas do solicitante e assim identificar um possível trote.

“Na maioria das vezes, com essa triagem, o trote é identificado, evitando que a ligação chegue ao médico regulador, que também possui um treinamento para identificar os trotes e evitar que viaturas sejam liberadas para uma falsa ocorrência”, salientou.

Por conta do treinamento recebido pelos Tarms, pelos médicos reguladores na identificação dos trotes, além da experiência da equipe, é algo raro liberar viaturas para uma ocorrência falsa, mas que acontece, como foi o caso da última sexta-feira (6).

A supervisora do Samu diz que o número de trotes ainda preocupa, pois 33,62% das ligações recebidas pelo 192 são trotes. Josileide Costa afirmou que, esse tipo de ligação acaba congestionando a linha e acaba impedindo que uma pessoa que esteja precisando de socorro consiga entrar em contato com os médicos do Samu Alagoas.

ÚLTIMO CASO

Segundo Mayara Tavares, enfermeira e coordenadora da Base Descentralizada de Murici, a equipe da USB chegou até o local da ocorrência e constatou que não havia nenhum acidente. “Não demoramos 10 minutos para chegar ao suposto local do acidente”.

A enfermeira contou também que chegando ao local foi verificado pela equipe que não havia nenhum sinal que pudesse sugerir que a queda de moto realmente tinha acontecido. “Procuramos e não vimos o veículo, não tinha sangue na rodovia e ainda percorremos aproximadamente uns 20km, até a cidade de União do Palmares, procurando as vítimas e não achamos nada”.

Para ela, o sentimento que fica é de revolta e tristeza, “porque podemos deixar de atender alguém que realmente precisa do serviço, além de arriscarmos nossas vidas a cada ocorrência”, relatou Mayara Tavares.

A PRF também percorreu a BR-104, no trecho indicado pelo solicitante e não achou nenhum sinal do acidente. Os policiais foram até um hospital local de União dos Palmares e nenhuma vítima de acidente de motocicleta tinha dado entrada na unidade.

Outra equipe do Samu Alagoas deslocada para a ocorrência foi a do Serviço Aeromédico. Para o médico Marcos Viana, essa brincadeira de mau gosto pode acabar custando a vida de outras pessoas, que estão precisando realmente de um atendimento de urgência e emergência naquele momento.

“Quando fomos acionados para essa ocorrência, saímos o mais rápido possível. Sobrevoamos pela extensão da BR-104, chegando até a cidade de União dos Palmares, e nada da ocorrência. Então, percebemos que deveria ser um trote, uma atitude irresponsável e triste, e por causa dessa brincadeira de mau gosto, acabamos deixando uma grande área sem a cobertura”, desabafou.

Fonte: Tribuna Independente / Ana Paula Omena

(Foto: Edilson Omena)