Mais de 4 milhões de estudantes brasileiros não possuíam acesso à internet e a maior parte deles (97%) são da rede pública de ensino. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e refletem a situação do país em 2019. No entanto, segundo especialistas, a pandemia agravou ainda mais o cenário e escancarou os reflexos dessas disparidades.

A professora da rede pública Laudiene Oliveira lamenta as dificuldades. Ela conta que durante a pandemia os professores que não tinham aptidão com o uso das tecnologias precisaram se adaptar. Agora, passado mais de um ano, outro desafio ainda mais grave permanece: a presença dos alunos.

“Os alunos não acompanham, não conseguem acompanhar, muitas vezes damos aulas para três ou quatro alunos de forma remota. Imagine a situação de um aluno de uma comunidade rural, com dificuldade de até sinal de celular, que dirá internet para acompanhar uma aula. Se já era difícil para acompanhar os estudos tendo transporte, merenda, com tudo isso fica quase impossível”, detalha.

O filho dela, Caio Eduardo, tem 12 anos e também é aluno da rede pública. Ele tem acesso à internet e um celular próprio. Mas isso é um privilégio para poucos. “Muitos dos meus amigos não têm celular, aí não assistem a aula”, resume.

Segundo o IBGE, o fator socioeconômico está intimamente ligado a questão do acesso à internet pelos estudantes. De acordo com a diretora do Sindicato dos Trabalhadores da Educação em Alagoas (Sinteal) e representante do Conselho Municipal de Educação, Josefa Conceição, a situação preocupa.

“Durante a pandemia essa situação se agrava ainda mais porque esses dados do IBGE são de 2019 quando não havia a necessidade desse uso da internet para as aulas remotas. Esse momento da pandemia ele traz para a nossa realidade uma situação muito mais grave onde as escolas da rede pública tentam se manter de portas abertas através das aulas remotas, mas existe uma dificuldade tanto para professores, que recebem remuneração, quanto mais para estudantes, que a maioria não tem remuneração, emprego fixo, muitas vezes já enfrentam dificuldades na família”, diz Josefa.

O sociólogo Carlos Martins explica que dois elementos constituem prioritariamente a problemática.

“As populações mais pobres, com menos acesso às riquezas, quando os fenômenos sociais recaem elas são mais impactadas. Tudo para essa população é muito mais grave em relação as populações que têm acesso à riqueza. Se historicamente as populações mais pobres têm menor acesso à internet, na pandemia, em que se exige o uso das tecnologias, isso vai ser ainda mais prejudicial. Outro fator, no aspecto subjetivo, é outro elemento que não aparece na pesquisa, é que o fato dessa população não ter acesso à internet de forma mais contínua não vai formar a cultura da internet. A população mais carente não constitui cultura da internet, é menos estruturada. Isso pode agravar mais ainda, esses dois elementos. A compra do aparelho, o acesso à internet vai se agravar muito mais pelo advento da pandemia”, afirma.

“Um aluno me disse que na hora da aula vai à farmácia para pegar sinal do wi-fi”

Se estatisticamente o cenário é crítico, os relatos escancaram a dura realidade, segundo Josefa Conceição. “Um aluno me disse: professora quando chega a da hora da aula eu vou lá na farmácia para pegar o wi-fi. É muito grave. Os direitos desses estudantes estão sendo negados. O MEC está sendo tão inerte que nos envergonha. Nosso país foi gravemente atingido pela pandemia, no olho do furacão, o resto do mundo prestes a nos isolar e o MEC não toma nenhuma atitude a respeito. Não atua para contribuir que os estudantes e professores tenham o mínimo de suporte. Não existe nenhum movimento do Ministério, que deveria estar disponibilizando recursos, existem fundos destinados a esse suporte e nada é feito.”

A inércia do poder público, segundo Josefa, é um dos aspectos mais revoltantes e que aprofundam a crise. “A própria pesquisa mostra que os alunos até têm acesso a um celular, mas não conseguem ter o acesso à internet, a própria pesquisa aponta isso. Um pacote de dados para os estudantes já deveria ter sido pensado, mas infelizmente o Ministério da Educação permanece calado desde o início da pandemia. Neste ano a situação está da mesma forma e a pandemia avançando mais. As entidades vêm cobrando dos governos equipamentos para os professores e também para os estudantes.”

REFLEXOS

Os prejuízos vêm, segundo a professora, a curto e longo prazo. De imediato, o impedimento de acesso e acompanhamento nos estudos gera evasão escolar, queda no número de matrículas e defasagem no aprendizado.

“Nós temos aí um ano letivo inteiro bastante prejudicado e, agora em 2021, quase um semestre, novamente, com ensino comprometido. São professores que têm turmas de 40, 45 alunos e só tem presença de 8, 10 durante a aula remota. É preciso ser feito algo de forma imediata para garantir a presença dos estudantes na aula online. Tenho um exemplo próximo de uma mãe de três filhos, um deles aluno do 3º ano do ensino médio, e apenas um celular foi entregue a ele porque está concluindo. A mãe teve que optar qual filho iria acompanhar as aulas remotas, os outros dois do 8º ano e 6º ano estão sem estudar”, acrescenta.

Já a longo prazo, os reflexos são ainda mais profundos e vão aprofundar as disparidades sociais entre estudantes das classes mais pobres e das classes privilegiadas. “Isso é um prejuízo que vai se formando na aprendizagem dessas crianças, desses adolescentes que vai ser levado pelos próximos cinco, dez anos. O distanciamento entre os alunos da rede pública e da rede privada só vai aumentar. As oportunidades. Porque sabemos perfeitamente que os alunos da rede privada estão preparados, os alunos têm estrutura em casa para participar, já os da rede pública não. Não há política que garanta o acesso ao mínimo que os estudantes precisam”.

Fonte: Tribuna Independente / Texto: Evellyn Pimentel
(Foto: Edilson Omena)