De acordo com uma pesquisa feita pelo Grupo Globo em 15 estados e no Distrito Federal, e divulgada no Jornal Nacional na sexta-feira da semana passada, o maior aumento nos casos de feminicídio em 2019 aconteceu em Alagoas. Os números absolutos ainda não foram fechados, mas já dá para ter uma ideia de que o ano que passou foi difícil para as mulheres que vivem por aqui.

Membros da rede que acolhe as vítimas apontam que estes crimes continuam diretamente ligados ao machismo, à falta de estrutura da Polícia Judiciária para as investigações, à morosidade do Judiciário em concluir os processos contra os autores dos crimes e à ausência de políticas públicas específicas para elas.

Os dados divulgados (e também confirmados pela Gazeta junto à Secretaria de Estado da Segurança Pública-SSP) revelam que, de janeiro a novembro do ano passado, foram registrados 41 feminicídios em Alagoas. No mesmo período de 2018, ocorreram 17, o que representa um crescimento comparativo de 141%.

Este percentual de elevação é bem superior aos demais estados que aparecem no levantamento feito pela GloboNews, pelo G1 e pelo Jornal Nacional, com base em informações fornecidas pelos órgãos de segurança.

Os índices de feminicídio de um ano para o outro também subiram no Amapá (133%) e São Paulo (29%). No entanto, o estado da região Norte, que aparece em segundo na pesquisa, notificou sete casos em 2019 e três em 2018, bem diferente da realidade confirmada até agora em Alagoas. Por outro lado, os que mais reduziram os números foram Rio Grande do Sul (7%), Pernambuco (26%) e Pará (36%).

Mylla Bispo é advogada e membro do Centro de Defesa dos Direitos da Mulher de Alagoas. Ela diz lamentar a falta de políticas públicas voltadas para a mulher alagoana, problema que, segundo avalia, impede que se quebre o ciclo vicioso que amedronta a maioria das vítimas no estado. “Deveríamos contar com assistência para a mulher que trabalha, que precisa deixar os filhos em creches, que busca uma inserção no mercado e também aquela que tenta uma formação educacional”, destaca.

Ela faz críticas ao trabalho investigativo por parte da Polícia Civil, embora reconheça que a estrutura das Delegacias da Mulher em Maceió melhorou ao longo dos anos. Mesmo assim, diz que a estrutura oferecida à população está longe da ideal, seja no horário do expediente, na quantidade de servidores ou no atendimento correto e mais humanizado às vítimas.

“Estas especializadas só funcionam de segunda a sexta-feira, no horário comercial, deixando as vítimas sem opção durante a noite e aos fins de semana. Com o passar do tempo, é sabido que muitas mulheres se desencorajam para o registro do Boletim de Ocorrência”, observa ela, que completa ser nítida a falta de servidores nesses locais, atrasando as investigações.

“Sem falar que o atendimento à mulher violentada é precário nestas delegacias. Não se tem uma psicóloga e uma assistente social que atenda esta vítima quando ela chega já tão amedrontada”, avalia.

Segundo a presidente da Associação para Mulheres em Alagoas (AME), Júlia Nunes, os números de feminicídio no ano passado estavam sendo monitorados pela entidade e podem estar subnotificados. Ou seja, ela acredita que a situação possa ser ainda mais grave, levando-se em consideração que muitos inquéritos de episódios envolvendo mortes violentas de mulheres não foram concluídos. Sem falar nas tentativas de feminicídio, que não estão nas estatísticas.

Ela acrescenta que, na maioria das vezes, os crimes desta natureza acontecem por puro machismo e por patologias psicológicas geradas após fins de relacionamentos, sendo as mulheres tratadas como verdadeiros objetos por seus companheiros. “Elas são ameaçadas de morte várias vezes por homens enciumados, que se acham proprietários destas mulheres. Estamos acompanhando há seis anos esta realidade e percebemos que 70% dos crimes acontecem dentro dos lares e, somente de um tempo para cá, especificamente desde 2015, os registros começaram a aparecer e a ser investigados”, detalha.

Júlia lamenta a burocracia no julgamento dos casos de feminicídio no País. De acordo com ela, o tempo para se concluir um processo no Judiciário é desfavorável às mulheres. “Muitas vezes, os autores da violência ficam em liberdade e acabam não sendo punidos pelo crime que cometeram. Enquanto isso, as mulheres sofrem”.

Os elogios dela vão apenas às medidas protetivas, que, na avaliação da presidente da AME, têm salvado muitas vidas. “Têm pedidos que fazemos à Justiça e, oito horas depois, já se tem a resposta. Nestes casos, os opressores são retirados dos lares, garantindo a segurança da família, recolhidas as armas dele, se tiver, e proibidos de se aproximarem destas mulheres, sob o risco de serem presos em flagrante”.

Júlia ressalta que o medo de formalizar denúncias contra os agressores ainda é grande, mas que a realidade é muito diferente se comparada à década passada, por exemplo. Um reflexo disso é a média de denúncias de violência doméstica recebidas pela ONG, que chega a 100. Somente até segunda-feira (13), elas já chegam a mais de 70.

Em nota, a SSP confirmou os dados de janeiro a novembro do ano passado, e explicou que o relatório de dezembro ainda não foi finalizado pelo setor responsável. Quanto ao trabalho feito para evitar os feminicídios, o órgão diz que presta maior suporte à Polícia Civil nas investigações e que há uma determinação de mais rigor no combate a este tipo de crime.

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