Com o piso e o bônus previstos no novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo, o investimento público federal deve se aproximar dos recordes da série histórica do Tesouro Nacional.

Especialistas, contudo, defendem que a regra deveria ser acompanhada de medidas que colaborassem para que todo o dinheiro que será gasto seja de fato usado em investimentos que darão retorno para a sociedade. (Saiba mais abaixo)
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O que diz a proposta

O novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo para substituir o teto de gastos prevê duas medidas para garantir recursos para o investimento federal nos próximos anos:

Piso para investimento: pelo novo arcabouço, o investimento federal passará a ter um piso a cada ano. Esse piso será o valor aprovado no orçamento do ano anterior, corrigido, ao menos, pela inflação. Em 2024, por exemplo, o piso será de R$ 71,1 bilhões — valor do orçamento para investimento em 2023 — mais a variação da inflação que for acumulada entre julho de 2022 e junho de 2023.

Bônus para investimento: há, para cada ano, uma meta de resultado primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros da dívida) das contas do governo federal. Essas metas terão uma banda de variação de 0,25 ponto porcentual para mais e para menos. Caso o resultado primário do governo fique acima do teto da banda, o excedente poderá ser utilizado para investimentos.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou em entrevista ao g1 e à GloboNews que a regra não terá um teto máximo para os investimentos no orçamento.

Haverá apenas um limite para o bônus, para evitar que uma receita extraordinária (não recorrente todos os anos) muito grande resulte num bônus igualmente grande.

Essa limitação do bônus não estava na proposta apresentada pelo Ministério da Fazenda no fim de março. Será incluída no novo arcabouço a partir das sugestões recebidas pela equipe econômica, explicou Ceron.

“Surgiu como sugestão quando a gente divulgou, e a gente não tinha pensado inicialmente, (…) porque pode acontecer de entrar uma receita extraordinária muito forte e você ter um bônus muito grande (…). Em função disso é que a gente está de fato incorporando um limite para esse bônus, então vai ter lá um limite quantitativo.”

O valor estudado para limite do bônus é de um terço do total de investimentos previstos para o ano, o que daria algo em torno de mais R$ 25 bilhões em 2024, por exemplo.

O secretário também disse que o valor do bônus poderá ser usado em um único ano ou em dividido em mais anos — decisão que caberá ao governo do momento.
Séries históricas

Mesmo sem considerar o eventual acréscimo do bônus, o investimento federal deverá ser superior a R$ 71 bilhões em 2024, devido ao piso estabelecido pelo novo arcabouço, caso a proposta seja aprovada pelo Congresso.

A série histórica do Tesouro Nacional atualizada pela inflação mostra que o valor se aproximará dos recordes alcançados nos governos Lula 2 e Dilma 1, revertendo a trajetória de queda nos investimentos iniciada desde o governo Temer.

Já caso houvesse o bônus e esse bônus chegasse mesmo ao limite de R$ 25 bilhões, o investimento poderia subir para quase R$ 100 bilhões em 2024, o que faria bater o recorde.

Em 2023, o investimento federal será de R$ 71,1 bilhões, segundo dados do Ministério do Planejamento e Orçamento. O valor só foi alcançado devido à PEC da Transição, que garantiu recursos extras para o governo Lula bancar parte das suas promessas de campanha. O valor proposto pelo governo Bolsonaro era de R$ 22,4 bilhões.

Já em relação à proporção do Produto Interno Bruto (PIB ) — a soma de todas as riquezas produzidas pelo país, é esperado que o investimento federal se aproxime dos 0,7% do PIB, se realmente implementado o piso proposto pelo governo a partir de 2024 e sem considerar eventual bônus.

Com isso, o investimento voltaria a crescer. Em 2021 e em 2022, atingiu os menores níveis na série histórica em proporção pelo PIB.

Também poderia começar a se aproximar dos recordes históricos, que foram de 1% e 1,1% do PIB. A série começa em 2008. Com o bônus, poderia alcançar esses recordes.

Dúvidas

O retorno dos investimentos federais para níveis mais elevados na série histórica levantou dúvidas de especialistas sobre se o dinheiro será de fato bem gasto.

Em uma rede social, a economista-chefe do Banco Inter, Rafaela Vitória, afirmou que “não faz sentido defender investimento público somente usando % do PIB sem mostrar o retorno do investimento”. “Se o retorno é baixo, gastar menos com investimento é boa escolha. Obras inacabadas, superfaturadas, empresas deficitárias, custaram % do PIB sem retorno para a sociedade.”

Também em uma rede social, Rodrigo Medeiros, procurador do Ministério Público de Contas da União junto ao TCU, disse que o piso de investimentos deveria vir acompanhado “de sólidas exigências de planejamento e outros parâmetros mínimos de governança, de forma a assegurar a qualidade do gasto”.

Ele sugeriu, ainda, que a regra deveria prever a possibilidade de o piso não ser cumprido, mediante motivação e transposição da margem para o ano seguinte, sem impacto sobre o cômputo do resultado fiscal.

Já Manoel Pires, coordenador do Núcleo de Política Econômica e do Observatório de Política Fiscal do FGV IBRE, alertou, em artigo, que o piso para investimento pode aumentar a rigidez orçamentária, ou seja, engessar ainda mais o orçamento, aumentando a dificuldade de o governo manejar os recursos orçamentários conforme as prioridades do momento.

“Apesar da regra permitir algum crescimento real da despesa, o piso de investimento aumenta a rigidez orçamentária. É preciso deixar claro como o orçamento deve ser elaborado e executado diante de uma situação conflitante como essa”, escreveu Pires.
O que diz o governo

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, defendeu o piso para investimentos. Segundo ele, a medida é necessária para garantir previsibilidade a projetos de médio e longo prazos.

O governo planeja lançar em maio uma novo programa para impulsionar o investimento em infraestrutura no país, nos moldes do antigo PAC. O programa terá obras diretas do governo federal e também projetos que serão tocados pela iniciativa privada, via concessões e parcerias público-privadas (PPPs).

O valor de recursos federais que será destinado ao novo PAC ainda não está definido, mas fontes afirmam ao g1 que o piso de investimento proposto no arcabouço será importante para garantir a viabilidade do novo PAC num horizonte de médio prazo.

Na entrevista ao g1 e à GloboNews, Ceron avaliou que há espaço para o país aumentar o investimento público porque são muitas as carências na área de infraestrutura.

“Você tem o Minha Casa Minha Vida, você tem uma série de iniciativas que têm um retorno social importante, mobiliza emprego, renda. Claro, não tem dúvida nenhuma, concordo 100% que o investimento público precisa ser bem-feito. Tem que assegurar que seja bem aplicado em infraestrutura econômica, infraestrutura social, com boas escolhas, mas o país tem muitas carências, tem uma carteira de projetos de obras paradas que precisam ser retomadas”, disse.

Sobre a questão da qualidade do gasto com investimento, Ceron disse acreditar que o governo terá capacidade de gastar bem e fiscalizar a aplicação desses recursos. “Óbvio que isso vai depender de cada um dos ministérios que vão ter suas atribuições, do próprio trabalho da própria CGU de acompanhar essas aplicações, mas tem muita coisa a ser feita no país em termos de investimento público.”

O secretário também confirmou que o governo está mirando os patamares mais alto de investimento das séries históricas. “Eu acho que a gente tem que mirar alto, tem muito potencial, tem ambiente propício para isso.”

GAZETAWEB \ Redação g1

FOTO: Reuters via BBC